Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

Fundação para as Comunicações Móveis

Relatório da Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar à actuação do Governo em relação à
Fundação para as Comunicações Móveis

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Bem dizia agora o Sr. Deputado António Ramos Preto, do PS, que este dossier nunca devia ter sido aberto. Ouvimos perfeitamente, Sr. Deputado, e compreendemos porque é que havia de começar a sua intervenção por dizer uma coisa dessas.
Mas é caso para dizer que, para nós, a transparência não se troca nem por um computador portátil nem por um milhão de computadores portáteis.
E a justiça e a forma como o Governo e o Estado português devem actuar e defender, de forma decente, de forma escrupulosa e rigorosa, o interesse público e o interesse nacional, é algo que não se troca por apresentações propagandísticas, pela entrega de computadores em escolas ou por acções de pré-campanha, como o Governo teve ocasião de fazer.
Não é por aí que nós vamos, e esta Comissão foi contra esta atitude e foi contra essa estratégia.
É caso para dizer, Sr. Presidente, que esta Comissão de Inquérito fez um caminho importante, mas não fez o caminho todo.
Foi importante o trabalho e o apuramento realizado, que evidenciou factos que não podem passar em claro: a forma como foi conduzida a gestão das chamadas contrapartidas no concurso para os telemóveis de 3.ª geração — é verdade que é um problema que resulta da inoperância e da falta de vontade política quer do governo anterior quer dos que se lhes antecederam, do PSD e do CDS, e essa é uma questão que une o arco PS/PSD/CDS-PP; a forma como o interesse público foi ignorado, com os grupos económicos privados a negociar a interpretação dos próprios compromissos que haviam assumido para com o Estado; a forma como o Ministério das Obras Públicas negociou em nome do Estado com multinacionais, com destaque para a
Microsoft, evidentemente, permitindo-lhe uma posição de absoluto privilégio; ou ainda a forma como o Governo preparou — preparou, eu disse bem! — o caminho de sentido único para a adopção do computador Magalhães, que mais não era do que a versão portuguesa do Intel Classmate, feito em Portugal, com tecnologia da multinacional, aplicando-se aqui as normas e os padrões de exploração que os trabalhadores da JP Sá Couto, muitos deles jovens, que daqui saudamos, suportaram, na sua luta, enfrentando o despedimento, a precariedade e a exploração.
Perante tudo isto, as recomendações tinham de ser consequentes e apontar para as medidas que constam do relatório final, nomeadamente para a garantia da adopção de software livre e de formatos abertos em todas as futuras iniciativas do Estado português nesta área e, particularmente, para a extinção da Fundação para as Comunicações Móveis, porque, Srs. Deputados, é tempo de pôr um ponto final neste regabofe de negócios arbitrários e de falta de transparência.
Perante uma Fundação que não apresenta contas ao País desde 2008, numa altura em que o programa e.escolinha é, ele próprio, conduzido e coordenado pelo Ministério da Educação, só
há uma decisão a tomar, e essa decisão é, evidentemente, a da extinção da Fundação para as Comunicações Móveis.
Estas propostas foram apresentadas pelo Partido Comunista Português, que se honra de ver presentes neste relatório final recomendações para as quais contribuiu de forma activa e empenhada.
E só faltava que o Governo mantivesse a atitude de ignorar as conclusões e recomendações da
Assembleia da República! Não é uma sugestão de um grupo de cidadãos, não é uma reivindicação local ou sectorial, é uma posição assumida por um órgão de soberania, que tem de ser respeitada e cumprida pelo Governo português.
Perguntámos hoje ao Sr. Ministro se o Governo vai persistir nesta lamentável atitude. A resposta do Sr. Ministro foi tão pouco clara como as contas da Fundação: «Não deixarei de assumir as minhas competências». Falou e disse!
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, também é verdade que esta Comissão de Inquérito, tendo feito um caminho importante, parou na recta final, por opção do PS e do PSD. Por isso, houve matérias que não foram apuradas, requerimentos do PCP que foram chumbados, factos que não foram averiguados. É o caso da relação do Estado com a Microsoft, nomeadamente nos negócios que continuam por explicar, com lucros e receitas que ficam por conhecer.
Nesse sentido, Sr. Presidente e Srs. Deputados, pela parte do PCP, tudo faremos para que esta matéria e este processo de má memória, esta experiência lamentável em matéria de interesse nacional e de interesse público, que devia ter sido salvaguardado mas foi malbaratado ao sabor dos interesses e das agendas de multinacionais e grupos económicos, não fique no esquecimento e possa constituir lição e ensinamento. É que a transparência não pode ser palavra vã, o rigor na condução e na gestão dos dinheiros públicos não pode ser gratuito e a credibilidade do Estado português na defesa do interesse público e do interesse nacional não pode ser matéria para troca por um computador ou por 1 milhão.

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