Intervenção

Função Pública

Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas

 

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado da Administração Pública,

Este diploma que aprova o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas  (proposta de lei n.º 197/X) tem, necessariamente, que ser analisado juntamente com outros diplomas que o Governo aprovou e constitui mais uma peça do retrocesso que o Governo quer impor nas relações laborais da Administração Pública.

O Governo dividiu os trabalhadores: os com vínculo de nomeação, para um lado, e os com contrato de trabalho em funções públicas, para outro lado, promovendo a precariedade das relações laborais, atacando a estabilidade do emprego e os direitos conquistados.

Agora, o Governo decide atacar todos os trabalhadores recorrendo à figura da inaptidão como razão justificativa para despedir.

O artigo 84.º, n.º 4, do diploma dos vínculos dizia que se mantinham as regras de cessação, mas a verdade é que o Governo quer introduzir no diploma que discutimos e no diploma do contrato de trabalho em funções públicas mais regras que visam facilitar os despedimentos.

Assim, o Governo prevê, neste diploma, no seu artigo 18.º, no que respeita aos trabalhadores que têm vínculo de nomeação, a possibilidade de duas avaliações negativas levarem a um processo de averiguações do qual pode resultar o despedimento.

Para os restantes trabalhadores da Administração Pública, no diploma do contrato de trabalho em funções públicas, no artigo 406.º e seguintes, o Governo considera que o não cumprimento dos objectivos estabelecidos é suficiente para despedir.

Sr. Secretário de Estado, com estas regras fica à disposição do dirigente da Administração Pública o despedimento arbitrário. Ele decide quais são os objectivos, decide quem os executa e, depois, despede quem não cumprir os objectivos por ele mesmo fixados. É o despedimento por razões subjectivas e não baseado numa justa causa.

Já não lhe pergunto se considera justas estas regras; pergunto, sim, se acha, ou não, que estas regras violam a Constituição, que proíbe claramente o despedimento sem justa causa.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado,
Sr.as e Srs. Deputados:

Os trabalhadores, conscientes de que a ofensiva é global, isto é, contra todos os trabalhadores, participaram ontem numa grandiosa manifestação promovida pela CGTP. Foram mais, muitas mais, de 200 000 as pessoas que protestaram contra a revisão, para pior, do Código do Trabalho e das leis laborais da Administração Pública.

Entre estes milhares de trabalhadores encontravam-se muitos trabalhadores da Administração Pública, conscientes de que a luta é o caminho para a derrota destas políticas de direita levadas a cabo, agora, pelo PS.

Depois do PRACE, depois dos supranumerários, depois do aumento da idade de reforma, depois do SIADAP e depois da lei dos vínculos, carreiras e remunerações, o Governo continua a ofensiva com a apresentação do Estatuto Disciplinar.

Após mais um simulacro de negociações, onde não mostrou qualquer vontade de negociar, o Governo apresenta à Assembleia da República o estatuto disciplinar dos trabalhadores que exercem funções públicas, que, não corrigindo qualquer das normas retrógradas do anterior Estatuto Disciplinar, vem agravá-lo!

Este é um diploma que tem de ser analisado juntamente com os restantes diplomas, nomeadamente com o dos vínculos, que constitui, por si só, um gravoso retrocesso nas relações laborais de duvidosa constitucionalidade.

O Governo retira o vínculo de nomeação, a estabilidade no emprego a milhares de trabalhadores, para depois manter o grau de exigência e agravar as penalizações em sede de Estatuto Disciplinar.

Este Estatuto Disciplinar, que se aplica a todos os trabalhadores da Administração Pública, é um instrumento de pressão sobre os trabalhadores e não visa construir uma melhor Administração Pública.

Da análise do diploma resulta o claro objectivo de reforçar os poderes dos dirigentes para tentar intimidar os trabalhadores: é criado um conjunto de mecanismos como o processo de averiguações e a sindicância, que apenas servem para ameaçar e tentar intimidar os trabalhadores. Com este diploma é o dirigente que decide se se aplica ou não a pena de demissão quando, até aqui, tinha que ser um membro do Governo a fazê-lo.

O artigo 12.º é um disparate. Não obstante o recuo do Governo, mantém-se a possibilidade de aplicar a pena de multa e despedimento aos trabalhadores que cessaram a relação laboral com a Administração Pública se estes «constituírem nova relação jurídica de emprego público».

No anterior Estatuto Disciplinar a pena de multa exigia «negligência e má compreensão» das normas ou instruções. Agora exigem «negligência ou má compreensão», tornando mais fácil a aplicação de multas aos trabalhadores.

Mas é no âmbito da aplicação da pena de demissão que este diploma mais retrocessos impõe. O artigo 18.º prevê que a violação de procedimentos do SIADAP (do sistema de avaliação do desempenho) leva, primeiro, à suspensão do trabalhador e, ao segundo erro, ao despedimento deste mesmo trabalhador. Ser tivermos em conta a grande complexidade técnica e até jurídica do SIADAP, facilmente se percebe o risco que esta disposição acarreta.

Este mesmo artigo 18.º mantém a alínea c), permitindo o despedimento com base no seguinte fundamento:

«Pratiquem actos manifestamente ofensivos das instituições e princípios consagrados na Constituição». Esta formulação demasiado vaga, que faz lembrar os tempos «da outra senhora», é demasiado subjectiva e pode abrir portas a abusos.

Por fim, o Governo dá um claro sinal ao patronato, numa altura em se discute o Código de Trabalho. Para a Administração Pública, para o patrão Estado, o não cumprimento de objectivos fixados pelo patrão é justa causa para despedir. Esta concepção retrógrada, inconstitucional e socialmente inaceitável não passará se os trabalhadores mantiverem acesa a luta e transformarem a grandiosa manifestação de ontem num processo crescente de contestação à política de direita deste Governo e de afirmação da necessidade de uma política diferente.

 

  • Administração Pública
  • Assembleia da República
  • Intervenções