Exposição de motivos
Os aumentos que têm vindo a verificar-se sobre o preços dos combustíveis são inseparáveis de uma política ao serviço dos lucros multinacionais, e da prevalência de injustiças fiscais que penalizam sobretudo o consumo em vez de uma tributação progressiva e justa dos rendimentos e do património.
Recorde-se que, no caso da GALP, depois de mais de mil milhões de euros de lucros alcançados em 2023, se somam lucros praticamente do mesmo valor em (961 milhões) em 2024.
Na verdade, seja a GALP, sejam outras grandes empresas do sector como a BP ou a REPSOL, têm obtido lucros colossais desde o período da pandemia e da intensificação da confrontação internacional, continuando a aplicar margens na refinação de combustíveis muito acima do que se verificava há quatro anos e a beneficiar de uma opaca formação de preços nos mercados internacionais com a qual os sucessivos governos do PSD/CDS e do PS e a UE têm estado comprometidos.
Os dados mais recentes da GALP mostram que esta empresa aplicou margens de 4,7 dólares por barril, mais do triplo do valor registado em 2020 (1,1 dólares por barril) e ainda acima dos valores de 2021 (3,3 dólares por barril). Uma empresa que encerrou também uma das duas refinarias que tinha no País – em Leça da Palmeira – e as consequências desta decisão não deixam de se fazer refletir nos preços praticados.
Este é também o resultado de vinte anos de liberalização dos preços do sector, que entrou em vigor em 2024, que se traduziu na privatização de empresas estratégicas no sector energético, em preços mais caros e cartelizados que têm favorecido essa acumulação de lucros, opções que têm penalizado o povo, as micro, pequenas e médias empresas e a economia nacional.
Em lugar de assumir medidas no sentido de diminuir o preço dos combustíveis, pagos sobretudo pelas camadas populares e pelas MPME, o Governo decidiu descongelar a taxa de carbono. Ou seja, no plano fiscal o Governo agrava a taxação sobre os combustíveis e recusa medidas de elementar justiça como o fim da dupla tributação do ISP em sede de IVA e recusa totalmente em regular os preços.
A vida demonstrou a razão do PCP quando se opõe à adoção exclusiva de medidas fiscais para minimizar o problema dos elevados preços dos combustíveis. Quando o anterior Governo PS, recusando o controlo de preços baixou temporariamente os impostos a aplicar, essa margem foi total ou parcialmente absorvida pelas petrolíferas, limitando os efeitos reais no preço que é pago pelos consumidores e colocando as receitas fiscais a financiar os lucros dessas mesmas empresas.
Estes aumentos tornam-se ainda mais insuportáveis quando se verifica como os salários são baixos e os grupos económicos e os governos ao seu serviço fazem tudo para limitar o seu aumento. Uma realidade extensível às pensões de reforma, que se mantêm desvalorizadas e na sua esmagadora maioria em valores muito baixos.
O atual modelo de formação de preços é profundamente especulativo, uma vez que é baseado nos índices Plattsda Praça de Roterdão, um índice construído por uma consultora privada, a partir da informação dada pelas próprias petrolíferas, sem qualquer escrutínio, e que determina o atual preço de referência.
É este sistema de cotações especulativo que faz com que os preços dos combustíveis, suportados pelos consumidores, subam no momento em que aumentam as cotações, apesar de os combustíveis terem sido refinados meses antes a partir de petróleo comprado a preços muito inferiores. É também este mecanismo que faz com que, quando as cotações baixam, essa redução não se reflita na mesma proporção no preço que é pago pelos consumidores, aumentando mais uma vez as margens apropriadas pelas grandes petrolíferas.
O problema da atual fórmula de cálculo dos preços de referência é que, uma vez que tem como base a cotação internacional, cuja fonte são os índices Platts/Argus, não reflete a margem real que é obtida na atividade de refinação, se considerada a margem que incide sobre o preço real de aquisição do barril de petróleo.
Com esta iniciativa, o PCP pretende que seja criado um preço de referência que tenha por base o preço real médio de aquisição do barril de petróleo que é refinado, em vez de se basear em cotações especulativas, baseadas nos índices Platts. Pretende-se ainda eliminar a componente "Frete", correspondente a um inexistente (ou fictício) transporte do produto petrolífero de Roterdão para Lisboa, incorporando na “margem não-especulativa” os custos de transporte reais.
A partir dessa base, consubstanciada num preço de referência real e não-especulativo, a presente iniciativa prevê que seja aplicada uma margemdefinida com base em critérios técnicos e económicos que incorporem os custos operacionais da refinação, incluindo os custos efetivos com o transporte do petróleo, e que garantam a remuneração regulada num nível económico- financeiro adequado.
Propõe-se que, a partir da eliminação das componentes especulativas do preço de referência e das margens, seja estabelecida uma margem bruta máxima, exercendo obrigatoriamente e permanentemente a possibilidade criada pela Lei n.º 69-A/2021, de 21 de outubro, no que diz respeito à atividade de refinação (mantendo a possibilidade de intervenção nas outras margens que contribuem para o apuramento do preço final).
Cria-se ainda a possibilidade de estabelecimento de preços máximos, com vista a assegurar que a margem bruta de refinação máxima e a eventual intervenção (já atualmente prevista) sobre outras margens se reflita obrigatoriamente no preço final pago pelos consumidores.
Por fim, propõe-se a criação de uma contribuição extraordinária que incida sobre o acréscimo de lucro das grandes petrolíferas resultante dos mecanismos especulativos de formação de preços e das margens especulativas. O resultado dessa contribuição é totalmente dirigido a uma redução do preço dos combustíveis, devolvendo-se aos consumidores a receita fiscal resultante dessa contribuição, em sede de ISP.
Considerando que o lucro da Galp foi de 961 milhões de euros em 2024, é da mais elementar justiça que esse sobre ganho, obtido num período de enormes dificuldades para a maioria dos portugueses e das MPME, seja devolvido aos consumidores, através de um mecanismo como o que o PCP apresenta.
Com esta iniciativa, o PCP pretende responder à situação urgente de aumento de preços, reafirmando que a solução para o sector da energia passa pelo seu controlo público, colocando este sector estratégico ao serviço do desenvolvimento do país.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo-assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei:
a)Fixa um preço de referência e estabelece os critérios para a fixação de margens brutas de refinação máximas nos combustíveis simples e no GPL;
b)procede à quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro;
c)cria a possibilidade de fixação de preços máximos dos combustíveis simples e GPL;
d)cria uma Contribuição Extraordinária sobre os Ganhos Especulativos nas margens brutas de refinação, a vigorar para os anos económicos de 2020, 2021 e 2022.
Artigo 2.º
Preço de Referência
1 -A ENSE define um preço de referência, relativamente à Gasolina IO95, ao Gasóleo rodoviário, ao GPL Butano, ao GPL Propano e ao GPL Auto, tendo como base o preço real médio de aquisição do barril de petróleo que é objeto de refinação, acrescido de uma margem não-especulativa, definida com base em critérios técnicos e económicos que incorporem os custos operacionais da refinação, incluindo os custos efetivos com o transporte do petróleo, e que garantam a remuneração regulada num nível económico-financeiro adequado.
2 - Para a definição do preço de referência é eliminada a componente “Frete”.
3 – As fórmulas de cálculo dos preços de referência referidos no número 1 são as seguintes: a)Preço de referência da gasolina IO95: [(Preço real + margem não especulativa) + (preço do biocombustível substituto da gasolina - cotação)x% incorporaçãode biocombustível + descargaearmazenagem+reservas Estratégicas + ISP] x(1+IVA);
b)preço de referência do gasóleo rodoviário: [(Preço real + margem não especulativa)
+ (preço do mix dos biocombustíveis substitutos do gasóleo - cotação) x % incorporaçãodebiocombustível+ descarga e armazenagem +reservas Estratégicas +ISP] x (1+IVA);
c)preço de referência doGPL Butano: [(Preço real + margem nãoespeculativa) + descarga e armazenagem + reservas estratégicas +enchimento + ISP] x (1+IVA);
d)Preçode referência doGPLPropano: [(Preço real + margem nãoespeculativa) +descarga earmazenagem +reservasestratégicas +enchimento+ISP]x(1+IVA);
e)Preço de referência do GPL Auto: [(Preço real + margem não especulativa) + descarga e armazenagem +reservas estratégicas + ISP)]x(1+IVA).
Artigo 3.º
Exercício da possibilidade de fixação de margens máximas e aplicação do preço de referência
A possibilidade de fixação de margens máximas prevista no n.º 3 do Artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro é obrigatoriamente exercida no que diz respeito às margens brutas de refinação, sendo aplicado o preço de referência definido nos termos do Artigo 2.º.
Artigo 4.º
Alteração ao Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro
Os artigos 8.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro, passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 8.º [...] 1 - [...].
2 - [...].
3 - Independentemente da declaração de situação de crise energética prevista nos números anteriores, por razões de interesse público e por forma a assegurar o regular funcionamento do mercado e a proteção dos consumidores, podem ser fixadas, excecionalmente, margens máximas em qualquer uma das componentes comerciais que formam o preço de venda ao público dos combustíveis simples ou do GPL engarrafado.
4 – […] 5 –As margens máximas a que se referem os números anteriores devem ser limitadas no tempo , salvo o disposto no número seguinte.
6 –[novo]No que diz respeito às atividades de refinação, as margens máximas referidas no n.º 3 são fixadas de forma permanente, tendo por base o preço real médio de aquisição do barril de petróleo que é objeto de refinação, acrescido de uma margem não-especulativa, definida com base em critérios técnicos e económicos que incorporem os custos operacionais da refinação, incluindo os custos efetivos com o transporte do petróleo, e que garantam a remuneração regulada num nível económico-financeiro adequado.
Artigo 10.º
[…]
Sem prejuízo das regras de concorrência e das obrigações de serviço público , bem como do estabelecimento de margens máximas na atividade de refinação, os preços a praticar integram-se no regime de preços livres.»
Artigo 5.º
Possibilidade de fixação de preços máximos
1 - O estabelecimento de margens brutas máximas na atividade de refinação, ao abrigo da presente Lei, bem como a eventual fixação de margens máximas nas restantes componentes comerciais que formam o preço de venda ao público dos combustíveis simples ou do GPL, ao abrigo do n.º 3 do Artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro, são obrigatoriamente refletidas no preço final de venda ao público.
2 – Para assegurar o cumprimento do disposto no número anterior, podem ser fixados preços máximos de venda ao público.
3 – As eventuais medidas de fixação de margens máximas, assim como de preços máximos de venda ao público são comunicadas aos operadores económicos e aos consumidores individuais até às 20 horas de cada sexta-feira através da publicação de Portaria do membro do Governo responsável pela área da energia, e entram em vigor às 0 horas de cada segunda-feira.
Artigo 6.º
Obrigações acessórias
Os intervenientes no Sistema Petrolífero Nacional que exercem atividades de refinação, ainda que as exerçam fora do país, são obrigados a reportar semanalmente à ENSE o preço real médio de aquisição do barril de petróleo que é objeto de refinação, através de um instrumento automático criado pela ENSE.
Artigo 7.º
Contribuição extraordinária sobre os ganhos especulativos nas margens de refinação
1 - É criada uma Contribuição Extraordinária sobre os ganhos especulativos nas margens de refinação, adiante designada por Contribuição, aplicável aos anos económicos de 2021 e 2022, considerando as consequências da situação pandémica e da situação de instabilidade internacional.
2 -O valor da Contribuição é aferido em função do acréscimo de resultado líquido resultante da diferença entre as margens de refinação obtidas nos anos de aplicação da Contribuição e a margem que resulta da aplicação do preço de referência estipulado no n.º 1 do artigo 2.º da presente Lei, sendo aplicada uma taxa de 35%.
3 - Ficam sujeitos à Contribuição todos os intervenientes no Sistema Petrolífero Nacional que exercem as atividades de refinação, ainda que a exerçam fora do país.
4 - Os acréscimos de lucro em cada ano, relativamente ao ano anterior, das entidades sujeitas à Contribuição, são sujeitos a uma retenção na fonte, em sede de IRC, de 35%, até que estejam definidos os critérios para o estabelecimento do preço de referência, estipulado no n.º 1 do artigo 2.º da presente Lei, desde que os lucros das mesmas sejam superiores a 25 milhões de euros.
5 – O acerto de contas relativo à retenção na fonte prevista no número anterior é realizado assim que for definido o preço de referência estipulado no n.º 1 do artigo 2.º da presente Lei.
6 - A receita obtida com a Contribuição é consignada à redução do preço final pago pelos consumidores de combustíveis simples e de GPL engarrafado, através de um mecanismo que faça repercutir automaticamente o acréscimo de receita fiscal resultante da Contribuição, numa redução correspondente do ISP.
7 -O valor da Contribuição não pode ser repercutido no preço final de venda aos consumidores.
Artigo 8.º
Entrada em vigor
A presente Lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.