Intervenção de João Ramos na Assembleia de República

"O fim das quotas leiteiras transformará um país autossuficiente em leite num forte importador desde produto"

Recomenda a promoção de medidas de defesa da produção leiteira nacional
(projetos de resolução n.º 1367/XII/4.ª)

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Discutimos hoje o setor leiteiro por iniciativa do PCP. O setor do leite, em Portugal, é um dos que mais tem sofrido com a entrada do país na União Europeia. Nos últimos 20 anos, as explorações leiteiras passaram de 70 000 para menos de 7000, uma redução de 90%.
Desde abril de 2010 que o preço do leite pago ao produtor, em Portugal, permanece abaixo da média europeia. O preço mínimo de viabilidade de uma exploração é de 40 cêntimos/kg, mas o leite tem sido pago ao produtor a 34 cêntimos e a 30 cêntimos. Na Letónia e na Lituânia, é vendido leite a 20 cêntimos.
O fim das quotas terá repercussões graves na região de Entre Douro e Minho, na Beira Litoral e nos Açores, onde os representantes dos produtores já afirmaram que pode ter «um impacto negativo ainda mais dramático do que a diminuição da presença americana na Base das Lajes».
A Comissão Europeia não esconde as implicações do fim das quotas, nomeadamente no relatório relativo ao «pacote do leite», onde assume a possibilidade de existirem «episódios de extrema volatilidade do mercado ou (…) situações de crise após a abolição do regime de quotas». A União Europeia não esconde as consequências, mas nada faz para as evitar. Esta posição só estranhará àqueles que veem a União Europeia como um conjunto de países com intensões beneméritas para com os países mais pequenos e mais pobres. Mais uma vez, a União Europeia demonstra que as suas políticas não defenderão os interesses de Portugal, nem os nossos setores produtivos.
Hoje, parece ser consensual, em Portugal, a importância das quotas leiteiras. Quem tem, então, responsabilidades na sua extinção? No quadro da chamada «Agenda 2000», os governos da União Europeia, incluindo o Governo português do PS, sendo Ministro da Agricultura Capoulas Santos, decidiram, em 1999, o fim das quotas leiteiras para 2008. Posteriormente, em 2003, a União Europeia, sendo Governo, em Portugal, PSD e CDS e Ministro da Agricultura Sevinate Pinto, confirmou a decisão, mas adiou a sua efetivação para 2015. No Conselho de Ministros da Agricultura de novembro de 2008, num governo do PS, sendo Ministro da Agricultura Jaime Silva, consolidou-se o fim do regime de quotas leiteiras no dia 31 de março de 2015. Nem as posições dos governos PS tiveram oposição do PSD e do CDS, nem as dos governos PSD/CDS tiveram a discordância do PS.
Ainda recentemente, em dezembro de 2013, enquanto, em Portugal, o Governo afirmava querer defender as quotas leiteiras, PS, PSD e CDS votavam, no Parlamento Europeu, contra uma proposta de resolução do PCP, alternativa ao relatório original e que defendia a necessidade de manutenção do regime de quotas de produção leiteira para além de 2015.
O fim das quotas leiteiras transformará um País autossuficiente na produção de leite num forte importador desde produto. Permitir isto é reduzir a produção e o emprego e promover as importações. E PSD, CDS e PS ficarão associados à destruição deste importante setor produtivo.
É por tudo isto, e porque é preciso salvar a produção nacional, que o PCP propõe: a manutenção de um quadro de regulação do mercado no plano europeu, acompanhado de medidas que garantam um preço justo à produção e a proteção do mercado nacional face à entrada de leite estrangeiro; uma regulamentação efetiva e fiscalização da atividade especulativa das cadeias de distribuição alimentar, impondo limites ao uso das marcas brancas, bem como estabelecendo «quotas» de vendas da produção nacional; e a intervenção das estruturas do Ministério da Agricultura, para garantir que os preços a estabelecer nos «contratos» tenham em conta os valores dos fatores de produção.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
O que está em causa é o direito do País produzir, mas a União Europeia e as políticas deste Governo querem negar essa possibilidade, nomeadamente em relação a um setor que é autossuficiente.
O Sr. Deputado Abel Baptista fez aqui algumas críticas e relembrou as responsabilidades do PS nesta matéria, com as quais nós concordamos. No entanto, referindo-se ao PSD e ao CDS, disse que o Ministro Sevinate Pinto conseguiu adiar as quotas, mas dando a entender que estavam contra elas.
Curiosamente, em 2013, quando o PCP apresentou no Parlamento Europeu uma proposta alternativa ao relatório que estava em discussão, propondo prolongar as quotas para além de 2015, os senhores e os Deputados que estavam no Parlamento Europeu votaram contra. Por isso, não é verdade o que o Sr. Deputado aqui disse.
Já o Sr. Deputado Pedro Lynce falou em retroceder, mas isso era o que os senhores deviam fazer. O País e o setor podem estar à beira do abismo, mas os senhores seguem sempre em frente.
As soluções que o Governo nos tem apresentado de mais organização, de mais concentração e de mais trabalho na transformação e na exportação não resolveram os problemas. Este é o setor mais organizado do País, um dos mais organizados da Europa e é o que mais se modernizou. Contudo, está a atravessar este problema. Aliás, a concentração na transformação e na distribuição foi precisamente o que levou a este problema, asfixiando, assim, o setor produtivo.
Os senhores falam em transformação, mas nada fazem para que uma empresa como a Renoldy, situada em Alpiarça — empresa, essa, que ouvimos em comissão —, não seja encerrada. A Renoldy é uma empresa de transformação e a Jerónimo Martins, sendo uma empresa da área da distribuição, quer entrar no âmbito da transformação, querendo controlar, mais uma vez.
Como é que podem falar em exportação se o setor não consegue competir no seu próprio território, no seu País? Com o leite que entra de fora, como é que consegue competir com outros países? Por isso, o que apontam como solução não é efetivamente a solução.
Os Srs. Deputados poderão dizer, agora que se tornam evidentes os efeitos do fim das quotas, que até não concordavam com elas, mas, quando tinham responsabilidades governativas, não trabalharam afincadamente para que houvesse efetivamente uma regulamentação das quotas leiteiras e para que o País tivesse direito a produzir. Por isso, tanto o PS, como o PSD e o CDS, ficarão associados ao fim deste importante setor do nosso País.

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