1. Entre 9 de Novembro último e o final do ano abateram-se sobre as ilhas da Região Autónoma dos Açores graves temporais que, como é sabido, provocaram elevadíssimos prejuízos sociais, económicos e materiais.
No passado dia 27 de Dezembro o Governo central declarou, nos termos legais aplicáveis, a situação de calamidade pública no Arquipélago estabelecendo o prazo de 2 anos para que vigorem as medidas previstas na Resolução respectiva.
Entretanto o Governo Regional dos Açores, as Autarquias Locais e os serviços da administração pública regional têm desenvolvido as acções de emergência inadiáveis tendo em vista minorar os efeitos mais negativos dos temporais.
Para o PCP é essencial que os trabalhos de emergência prossigam num ritmo muito vivo, mas é também essencial aprofundar a análise da situação criada por forma a que da detecção de causas e da observação de consequências possam vir a surgir as medidas mais adequadas a diversos níveis.
O PCP tem procurado contribuir desde o primeiro minuto para que a acção dos órgãos regionais e de soberania se desenvolva de forma eficaz e muito embora mantenha essa posição de colaboração activa no combate a uma situação de calamidade, não pode deixar de, em termos de maior profundidade, apresentar um conjunto de observações, sugestões e propostas directamente ligadas às consequências dos temporais e às medidas a tomar no curto, médio e longo prazos.
2. Muito embora os efeitos dos temporais sejam visíveis em todas as ilhas da Região é inegável que, no plano social e no plano das consequências imediatas para as populações, as ilhas de S. Miguel e Flores foram as mais atingidas.
No que respeita a famílias desalojadas ou com as suas habitações e haveres destruídos ou gravemente danificados, o maior número de casos verifica-se nalgumas zonas de S. Miguel por duas causas fundamentais: ou por cheias provocadas por chuvas muito abundantes, ou pelo efeito destruidor do mar nos locais onde galgou a terra.
Para além da anormalidade dos factores naturais nos momentos dos desastres há que chamar a atenção para o facto de existirem situações sociais e ambientais que potenciem os efeitos negativos dos temporais atlânticos deste tipo.
Sublinhe-se, por exemplo, que o facto do parque habitacional na ilha de S. Miguel utilizado por famílias desprovidas de recursos não dispor, em centenas de casos, de um mínimo de condições, torna essas habitações altamente vulneráveis; sublinhe-se também que o facto de muitas e muitas famílias de trabalhadores terem sido empurradas, ao longo dos tempos, a construir as suas habitações em zonas não produtivas da orla marítima, zonas essas designadas por "calhau", transformam essas famílias e essas casas em vítimas certas sempre que o mar toma as proporções anormais que agora tomou.
Registe-se, por outro lado, que a inexistência de medidas em termos de política de ambiente, que garantam a limpeza e desobstrução dos cursos de água e que assegurem um elevado grau de permeabilidade dos terrenos, torna muito mais prováveis e frequentes as situações de cheias incontroláveis, como aconteceu nalguma localidades.
As medidas de emergência que estão a ser tomadas no que respeita a realojamento de famílias e compensação por percas não substituem, assim, medidas de fundo no plano da política de habitação, como não substituem medidas de fundo no plano das políticas de ambiente, do ordenamento do território, da protecção da orla marítima, dos caminhos de penetração, do aproveitamento dos recursos hídricos e outras.
3. São numerosas as infraestruturas destruídas ou gravemente danificadas.
Desde o dia 9 de Novembro que a principal ponte da estrada de maior tráfego da ilha das Flores (a ponte da Ribeira da Cruz) se encontra destruída, bem como a ponte da Ribeira Grande (já destruída em 1995) e que foi substituída por uma estrutura provisória novamente destruída.
São vários os portos de pesca que ficaram inoperacionais ou mesmo completamente destruídos, como é o caso do porto da Ribeira Quente, impedindo que parte importante da frota artesanal se faça ao mar.
São muitas as estradas profundamente danificadas e caminhos agrícolas destruídos.
Assumem especial importância e gravidade os prejuízos verificados em portos comerciais fundamentais como o de Ponta Delgada e o de São Roque do Pico, sem esquecer os estragos verificados em diversos outros.
Os prejuízos nos sistemas de transporte e distribuição de energia eléctrica e na rede de comunicações também são importantes e significativos.
Este tipo de estragos em infraestruturas essenciais à vida económica e social do Arquipélago introduz, em termos de custos, uma dimensão extremamente grave e vultuosa nas consequências dos temporais.
4. Os grandes prejuízos verificados na agricultura e lavoura, com destruição de culturas e de alimentação para o gado criou uma situação extremamente difícil que se prolongará pelo tempo e que se irá reflectir nos rendimentos de todo o próximo ano.
A redução da actividade piscatória, por inoperacionalidade de alguns portos, para além de criar a impossibilidade de dezenas de famílias garantirem de imediato o seu sustento, provocará uma redução significativa de capturas com importantes consequências na actividade económica.
A destruição, em vários casos, de estabelecimentos comerciais também provocará consequências económicas importantes.
As indústrias directamente derivadas de certas produções agrícolas (beterraba, tabaco, por exemplo) também sentirão os efeitos negativos dos temporais.
Estas consequências directas na economia regional também introduzem, por si sós, uma dimensão muito séria na presente situação.
5. Face ao exposto levanta-se para o Partido Comunista Português uma questão central e de decisiva importância: como fazer face a toda esta situação, nos seus múltiplos e diversificados aspectos, sem impossibilitar a Região Autónoma dos Açores de utilizar os recursos a que constitucionalmente tem direito no seu processo de desenvolvimento?
Como se sabe a economia regional açoriana vive um difícil momento de adaptação a todo um novo quadro envolvente; o desemprego disparou em 93 e é hoje mais alto do que no resto do País; o custo de vida é gravosamente mais elevado; os trabalhadores açorianos por conta de outrem ganham, em média, menos de 10% do que no Continente; as situações de pobreza e de pobreza extrema permanecem e têm-se agravado; a criação de novos postos de trabalho tem sido profundamente insuficiente; a situação de habitação das famílias sem recursos é muito grave.
A recente alteração do quadro político institucional regional, a queda do PSD e a inexistência de maiorias absolutas na Assembleia Legislativa Regional, abriram uma perspectiva de evolução política que não pode ser contrariada, com uma situação objectiva de carência de recursos.
A Região Autónoma dos Açores precisa urgentemente de novas políticas económicas e sociais, não sendo aceitável que a actual situação derivada dos temporais seja utilizada para evitar os debates e as decisões que são urgentes.
Assim sendo é necessário encontrar as orientações e os meios que possibilitem, simultaneamente, a resolução dos graves problemas criados pelos temporais, a adopção de medidas que diminuam, no futuro, os efeitos negativos de tais situações e o lançamento de políticas económicas e sociais que enfrentem, verdadeiramente, os graves problemas regionais existentes.
6. Com este quadro de preocupações o PCP propõe:
a) Que seja reforçado no ano de 1997 o auxílio financeiro de emergência por forma a que atinja uma percentagem mais significativa da avaliação dos estragos e não os 20% actualmente atribuídos.
b) Que sejam elaborados programas de compensação de rendimentos para os trabalhadores, produtores e comerciantes cujas actividades foram paralisadas ou prejudicadas significativamente.
c) Que sejam elaborados programas de reordenamento do território e de cobertura de carências habitacionais básicas que permitam, para além das acções de realojamento imediato, melhorar o parque habitacional e proteger as famílias carenciadas do efeito das catástrofes naturais.
d) Que sejam elaborados programas de desobstrução dos cursos de água e tomadas medidas de fundo de normalização da protecção das povoações e da orla marítima, diminuindo, no grau possível, os pontos mais vulneráveis.
e) Que sejam elaborados projectos de recuperação dos portos, pontes, rede viária, rede de saneamento e outras infraestruturas, privilegiando projectos aptos a enfrentar melhor as situações de tempestade.
f) Que todos os programas e projectos referidos atrás sejam candidatáveis a fundos comunitários sem que as acções fundamentais previstas no PEDRA II tenham que ser adiadas ou anuladas.
g) Que o processo tendente à elaboração e aprovação de uma lei de finanças regionais, substitutiva do actual relacionamento financeiro entre a Região e o Estado, seja acelerado, por forma a que o PMP 97 - 2000 possa ter os níveis de financiamento indispensáveis.
7. O PCP continuará a desenvolver todos os esforços quer a nível dos Órgãos de Soberania, quer na Assembleia Legislativa Regional, quer no Parlamento Europeu, onde tudo fará para reforçar o poder negocial do Governo português, no sentido das medidas apontadas e outras do mesmo tipo poderem vir a ser adoptadas e executadas.
Para o PCP é essencial que a solidariedade nacional tenha expressões efectivas, como é essencial que a autonomia regional seja escrupulosamente respeitada na preparação e na execução das medidas necessárias. É também essencial que os órgãos da União Europeia demonstrem essa solidariedade e abertura para que sejam criados acessos extraordinários a fundos comunitários. Não é suficiente pretender-se apenas reprogramar fundos comunitários já atribuídos, sendo indispensável garantir acessos a novos fundos.
Os temporais de 1996 não poderão ser invocados como razão "para que sejam adiados alguns sonhos". Ao contrário os temporais de 96 abriram muitas feridas que ajudam a mostrar e a compreender que são urgentes e inadiáveis novas políticas económicas e sociais na Região Autónoma dos Açores.
O Partido Comunista Português reafirma uma vez mais a sua inteira solidariedade para com as populações dos Açores e o seu empenhamento em contribuir, por todos os meios, para o desenvolvimento global, harmónico e equilibrado daquela Região Autónoma.