Projecto de Lei N.º 603/XVI/1.ª

Extingue a Direção Executiva do SNS e atribui as suas competências à Administração Central do Sistema de Saúde, alterando a sua designação para Administração Central do Serviço Nacional de Saúde

do Serviço Nacional de Saúde

Exposição de motivos
A política de saúde do Governo PSD/CDS, na sequência do governo anterior, tem vindo a agravar as condições de acesso aos cuidados de saúde para uma grande parte da população. De facto, ao continuar a não resolver os problemas dos profissionais de saúde, ao perpetuar o baixo investimento em instalações e equipamentos e ao manter o subfinanciamento crónico das instituições do SNS, a para com a sua limitada autonomia, o Governo pretende limitar a capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde (SNS), garante fundamental dos cuidados de saúde no nosso país.

A política de favorecimento da prestação privada de cuidados de saúde, transferindo-lhe crescentes recursos do orçamento público, tem sido a fundamental prioridade do Governo. Um Governo que continua a degradar as condições de remuneração, carreira e trabalho dos profissionais de saúde, financiando os prestadores privados para os poderem contratar. Que resolve todos os problemas do acesso à saúde, como se vê nas medidas do chamado Plano de Emergência e Transformação da Saúde, com mais contratação ao setor privado e menos apoio aos serviços públicos.

O Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, da responsabilidade do anterior Governo, mas naturalmente acolhido pelo atual, consagra a entrada dos privados de forma crescente no SNS, aliás em contraste com a Constituição e a Lei de Bases da Saúde, razão pela qual o PCP já propôs a sua alteração em diversos aspetos fundamentais.

Uma das medidas do referido estatuto do SNS foi a criação da Direção Executiva, apresentada pelo Governo anterior como a grande panaceia para os males do SNS. Tal como dissemos aquando da sua criação, a Direção Executiva não veio resolver nenhum dos problemas fundamentais do SNS, introduzindo novas incoerências, que se manifestaram sucessivamente.

De facto, a Direção Executiva foi utilizada como instrumento para procurar esconder ou disfarçar as graves carências do SNS, justificar encerramentos, intermitentes ou definitivos, servindo de amortecedor político à política do Governo. Tratou-se de centralizar ainda mais poderes dentro da rede do SNS, sob a capa de uma intervenção técnica recheada de facto de decisões políticas de impactantes consequências.

A Direção Executiva tem sido utilizada como instrumento para acentuar a contratação de cuidados ao setor privado, abdicando de qualquer esforço para fortalecer a resposta dos serviços públicos, enquadrando-se assim perfeitamente nos principais objetivos da política do Governo.

O descrédito acrescentado pelas circunstâncias que levaram à demissão do Diretor Executivo anterior, seguido da nomeação de um novo diretor, um quadro do PSD com posições conhecidas de defesa de uma crescente integração do setor privado na política pública de saúde, vêm confirmando que a Direção Executiva é uma extensão do Gabinete da Ministra da Saúde. Mantém-se o padrão de partidarização da administração da saúde que tem caracterizado a atuação do Governo.

Para além das questões fundamentais atrás enunciadas, a criação da Direção Executiva não acautelou uma correta coordenação com outros relevantes organismos da administração pública da saúde, maxime, a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), multiplicando-se os critérios e procedimentos de decisão cruzada sem ganho visível para a eficiência do funcionamento do SNS.

É assim que, por exemplo, se exige que os contratos programa de cada estabelecimento do SNS, para efeitos de financiamento, sejam celebrados por este, em conjunto com a Direção Executiva, com a ACSS, numa clara concorrência de legitimidades. Em simultâneo, no que diz respeito a sistemas de informação e comunicação, decisivos para uma boa gestão de cada unidade e para o cumprimento do contrato programa, os estabelecimentos do SNS ficam sujeitos à contratualização da ACSS com uma outra entidade, os SPMS – Serviços Partilhados do Ministério da Saúde e ainda em articulação com a Direção Executiva.

Foi igualmente desastroso o processo de desmantelamento e extinção das Administrações Regionais de Saúde, centralizadas, no fundamental, a nível nacional na Direção Executiva, sendo que perderam pelo caminho informações e capacidades, que nalguns casos ainda hoje estão indefinidas, para além de um tratamento desrespeitoso dos seus trabalhadores.

Em suma, a criação da Direção Executiva correspondeu a um período em que se acentuou a desmotivação e a falta de valorização dos profissionais de saúde, se manteve um inaceitável número de utentes sem médico de família, avançando o Governo com a sua entrega a soluções precárias do setor privado, se multiplicaram encerramentos de serviços, se concretizou a desvalorização dos Cuidados de Saúde Primários no funcionamento das Unidades Locais de Saúde, se secundarizou a política de promoção da saúde e prevenção da doença.

Para o PCP é evidente que a resolução destes problemas exige uma inversão da política de saúde atualmente praticada, com a valorização do SNS, a diminuição dos custos com a saúde para as populações, a melhoria do acesso e da qualidade dos cuidados, a aposta nos Cuidados de Saúde Primários e no seu trabalho de promoção da saúde.

Entretanto, há décadas que o PCP entende como útil a existência de um organismo de cúpula no Serviço Nacional de Saúde, capaz de harmonizar políticas, avesso à centralização de competências, empenhado em processos de planeamento e articulação dos cuidados prestados pelas instituições do SNS. Isso não será possível com o modelo em vigor.

É por isso que, sem prejuízo de outras alterações ao diploma do Estatuto do SNS, se apresenta o presente projeto de lei que vise garantir uma indispensável coerência nos órgãos de administração superior da saúde. Trata-se de extinguir a Direção Executiva e atribuir as suas competências à atual ACSS, garantindo assim uma harmonização mínima no funcionamento da rede SNS.

Finalmente, o presente projeto de lei aproveita para corrigir uma entorse na nomenclatura deste organismo, impropriamente chamado de administração do sistema de saúde. A escolha da designação, nada inocente, visa consagrar a ideia de que a resposta pública e privada estão no mesmo patamar na consagração do direito à saúde.

Ora essa conceção não tem qualquer fundamento na Constituição ou na Lei, sendo mais um artifício para normalizar uma expressão de cunho neoliberal na abordagem da política de saúde.

É por isso que o PCP propõe que este organismo passe a chamar-se Administração Central do Serviço Nacional de Saúde, devolvendo-lhe o cunho constitucional primacial que se impõe.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º
Objeto

O presente diploma extingue a Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde e atribui as suas competências à Administração Central do Sistema de Saúde.

Artigo 2.º
Alteração de designação

1- A Administração Central do Sistema de Saúde passa a designar-se Administração Central do Serviço Nacional de Saúde (ACSNS).

2- A designação considera-se alterada em toda a legislação vigente e restantes documentos oficiais com a entrada em vigor da presente lei.

Artigo 3.º
Alteração ao Decreto-Lei n.º 52/2022, de 4 de agosto

O artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 52/2022, de 4 de agosto, na sua redação atual, passa a ter a seguinte redação:

“Artigo 9.º Administração Central do Serviço Nacional de Saúde 1- A Administração Central do Sistema de Saúde passa a designar-se Administração Central do Serviço Nacional de Saúde (ACSNS), mantendo as competências previstas no Decreto-Lei 35/2012, de 15 de fevereiro, na sua versão atual, e demais legislação em vigor, sem prejuízo das que lhe são atribuídas pelo presente diploma, designadamente:

a) [...];

b) [...];

c) [...];

d) Elaborar e concretizar o Plano Estratégico para o SNS, considerando as recomendações do Plano Nacional de Saúde, incluindo o planeamento e gestão de recursos financeiros, o planeamento de recursos humanos e da rede de instalações e equipamentos, incluindo sistemas de informação e comunicação;

e) [...];

f) [...];

g) [...];

h) [...];

i) [...];

j) Planear, dirigir e coordenar a formação contínua dos profissionais de saúde;

k) [anterior j)];

l) [anterior k)].

2 -As atribuições previstas no número anterior são exercidas sobre todas as unidades de saúde previstas no artigo 10.

º.

3- Cabe à ACSNS promover os concursos para provimento dos lugares de diretor executivo dos ACES e de presidente do conselho de administração dos hospitais, centros hospitalares, institutos portugueses de oncologia e sistemas locais de saúde (SLS), bem como homologar os seus resultados.

4- Cabe à ACSNS promover a eleição dos presidentes dos conselhos clínicos dos ACES e dos diretores clínicos, enfermeiros diretores e administradores não executivos em representação dos trabalhadores dos hospitais, centros hospitalares, institutos portugueses de oncologia e SLS, bem como homologar os seus resultados.

5 – Revogado.

6 – Revogado.” Artigo 4.º
Transmissão de responsabilidades e estrutura orgânica

1-A ACSNS sucede nas atribuições e competências, nos direitos, obrigações e na posição contratual da Direção Executiva do SNS.

2- O Governo procederá às alterações necessárias para garantir o pleno desempenho das atribuições e competências da ACSNS, designadamente em relação à sua estrutura e quadro de pessoal.

Artigo 5.º
Norma Revogatória

É revogado o anexo I do Decreto-Lei n.º 61/2022, de 23 de setembro, na sua redação atual.

Artigo 6.º
Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor 60 dias após a sua publicação.