Projecto de Lei N.º 640/XII/3.ª

Extingue o Arsenal do Alfeite, S.A. e determina a reintegração do Arsenal do Alfeite na orgânica da Marinha

Extingue o Arsenal do Alfeite, S.A. e determina a reintegração do Arsenal do Alfeite na orgânica da Marinha

Exposição de motivos

O Decreto-lei n.º 32/2009, de 5 de Fevereiro, extinguiu o Arsenal do Alfeite enquanto órgão de execução de serviços da Marinha e procedeu à sua transformação em sociedade anónima de capitais públicos (Arsenal do Alfeite, S.A.), integrada na EMPORDEF.

No preâmbulo desse diploma, foi invocada a necessidade de melhorar a “capacidade de gestão autónoma e flexível dos meios disponíveis e necessários para levar a cabo a reestruturação e modernização do seu aparelho industrial, não só para satisfazer melhor as crescentes exigências técnicas e tecnológicas dos novos meios navais, como também para pôr o seu conhecimento ao serviço de outros potenciais clientes nacionais e internacionais, em termos competitivos”.

Acontece porém que, passados mais de cinco anos sobre a criação da empresa Arsenal do Alfeite S.A., o balanço é marcadamente negativo. Na verdade, as melhorias que decorreriam da dita “empresarialização” não se fizeram sentir, e bem pelo contrário, a evolução recente tem sido no sentido da degradação das capacidades do Arsenal do Alfeite tendo em conta o objetivo central da sua existência.
Com efeito, a opção tomada em 2009 esquece a razão de existir do Arsenal do Alfeite, que é a sua relação indissolúvel com a Marinha Portuguesa. O Arsenal do Alfeite, que sucedeu em 1937 ao Arsenal da Marinha sedeado em Lisboa, foi criado para servir a Marinha Portuguesa, enquanto unidade industrial vocacionada para a manutenção dos navios da Marinha, dotada de capacidade para a construção de navios de pequeno porte, e com possibilidades de prestar serviços a entidades externas, nacionais e estrangeiras, quer públicas (designadamente à marinha de outros Estados) quer do sector privado (designadamente marinha mercante e de recreio).

Com a chamada “empresarialização”, o Arsenal passou a tratar a Marinha como um cliente. Ou seja, deixou de existir fundamentalmente em função das necessidades da Marinha, para passar a funcionar em função da estratégia traçada para a EMPORDEF em cujo universo foi incluído.

Porém, a Marinha não pode ser um mero cliente do Arsenal. Não apenas por ser quase o único, dado que a captação de outros clientes não deu até à data os resultados que se anunciavam, mas fundamentalmente porque o Arsenal foi criado para a Marinha. Como é repetidamente afirmado pelos mais altos responsáveis da Marinha, “não há Arsenal sem a Marinha e não há Marinha sem o Arsenal”. Com a reintegração do Arsenal no seu âmbito, a Marinha poderá saber com o que contar na resposta mais adequada e célere às manutenções/reparações, nomeadamente nos casos inopinados que possam surgir.

Por outro lado, o Arsenal do Alfeite não pode ser sacrificado ao sabor das crises que afetem a indústria da construção naval ou ao sabor de estratégias de desindustrialização ditadas a nível nacional e/ou internacional. E tendo presente o que se passou com a indústria aeronáutica, e o que se está a passar com a indústria naval, todos os receios são justificados.

As Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, outrora pertencentes à Força Aérea Portuguesa foram transformadas em sociedade anónima, para serem mais tarde privatizadas. Em resultado, deixaram de estar em mãos nacionais, passando a Força Aérea Portuguesa a ser um mero cliente, o que obrigou este Ramo das Forças Armadas a dotar-se dos seus próprios meios de manutenção de aeronaves. A OGMA, SA, enquanto integrante do grupo brasileiro EMBRAER, tem outros interesses que não a manutenção de aeronaves da Força Aérea Portuguesa.

Os Estaleiros Navais de Viana do Castelo, também integrados no grupo EMPORDEF, que asseguraram a construção dos Navios de Patrulha Oceânica (NPO) para a Marinha Portuguesa e que foram uma empresa de referência da construção naval em Portugal, e construíram apenas uma pequena parte do que estava previsto que construíssem para a Marinha, foram extintos e foram concessionadas as respetivas instalações a uma empresa que nem sequer dá garantias de se dedicar à indústria naval.

Sucede entretanto que, com a extinção dos ENVC, foi anunciada publicamente pelo Ministro da Defesa Nacional a extinção do grupo EMPORDEF, devendo as empresas que o integram ser privatizadas ou internalizadas.

No caso do Arsenal do Alfeite, excluída que deve ser, em absoluto, a possibilidade de privatização, só resta a internalização, a qual, só pode logicamente ser concretizada
com a reintegração na Marinha. Foi essa a proposta feita pelo PCP em 2013 com a apresentação do Projeto de Lei n.º 354/XII. É essa a proposta que, com razões acrescidas, agora se apresenta através do presente projeto de lei.

Importa garantir em absoluto que o Arsenal do Alfeite não siga os passos das OGMA e dos ENVC, e se mantenha ao serviço da Marinha. E se é verdade que ainda ninguém ousou até à data pôr em causa a relação preferencial do Arsenal com a Marinha, não é menos verdade que a situação atual é marcada por uma enorme incerteza. Essa incerteza, decorre por um lado, da insuficiente dotação financeira da Marinha, que põe em causa a sua capacidade operacional e lhe nega os meios financeiros para proceder à renovação necessária e à manutenção adequada dos navios de que dispõe. A LPM em vigor, apesar de não corresponder às prioridades e às possibilidades do país, não foi aplicada, o que criou sérias dificuldades à Marinha na gestão dos seus meios navais.

Essa incerteza decorre por outro lado, da incapacidade demonstrada até à data pela Arsenal do Alfeite S.A., de obter receitas para além das que decorrem da manutenção dos navios da Marinha. As consequências desta situação não deixam de se fazer sentir, com o défice financeiro e a perda de capacidades do Arsenal (que são essenciais para a Marinha), com a destruição de postos de trabalho e a criação de uma situação de instabilidade e desmotivação dos trabalhadores, que têm, apesar de tudo, dado provas notáveis de dedicação, qualificação e profissionalismo.

O PCP considera que não há outra solução segura, para o Arsenal e para a Marinha, que não seja a sua reintegração orgânica. O Arsenal do Alfeite deve voltar a ser da Marinha, como sempre foi até 2009. E esta opção não constitui um retrocesso relativamente às medidas de modernização e de captação de clientes por parte dessa estrutura empresarial. O Arsenal deve ser um estabelecimento fabril das Forças Armadas, integrado na Administração Direta do Estado sob tutela do Ministério da Defesa Nacional e na orgânica da Marinha.

O estatuto do pessoal do Arsenal do Alfeite deve igualmente ser salvaguardado. O pessoal do quadro permanente das Forças Armadas que preste serviço no Arsenal, deve fazê-lo em regime de comissão normal, nos termos do Estatuto dos Militares das Forças Armadas. Quanto ao pessoal civil, deve ser-lhe aplicável o regime de contrato de trabalho em funções públicas.

Nestes termos, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º
Extinção da Arsenal do Alfeite, S.A.

Pela presente lei, é extinta a sociedade anónima de capitais públicos “Arsenal do Alfeite S.A.”, e determinada a reintegração dessa estrutura empresarial no âmbito da Marinha.

Artigo 2.º
Processo de extinção

A extinção da “Arsenal do Alfeite S.A.”, efetua-se com a transmissão de todo o património ativo e passivo da sociedade para a Marinha.
Artigo 3.º
Natureza jurídica

1. O Arsenal do Alfeite é um estabelecimento fabril das Forças Armadas, integrado na administração direta do Estado como órgão de execução de serviços da Marinha.

Artigo 4.º
Estatuto do pessoal

1. Os militares do quadro permanente, no ativo ou na situação de reserva na efetividade de serviço, podem prestar serviço no Arsenal do Alfeite em comissão normal, nos termos do Estatuto dos Militares das Forças Armadas.

2. O estatuto profissional dos trabalhadores civis do Arsenal do Alfeite rege-se pelo regime de contrato de trabalho em funções públicas.

Artigo 5.º
Regulamentação

O Governo, no prazo de 180 dias após a aprovação da presente lei, promove as alterações à Lei Orgânica da Marinha necessárias à sua execução, ouvido o Chefe de Estado Maior da Armada.

Artigo 6.º
Norma revogatória

São revogados os Decretos-Leis n.º 32/2009, e n.º 33/2009, de 5 de Fevereiro.

Assembleia da República, em 24 de julho de 2014

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