A exigência e qualidade no ensino

 

 

Debate sobre a exigência e qualidade no ensino

Intervenção de Miguel Tiago na AR

Sr. Presidente,

Sr. Deputado Bravo Nico,

Sobre as fotografias que aqui nos trouxe, é curioso que não tenha trazido outras fotografias, porventura até mais fáceis de arranjar e sem ter de procurar muito, porque se encontram por todo o País, designadamente no Alentejo, em Viana, Montemor ou Arraiolos. Assim, não teria feito a figura que fez com as fotografias que mostrou e que, aliás, mais não são do que o cumprimento de um dever básico do Governo, onde o seu partido tem grandes responsabilidades.

Faltaram as escolas, algumas delas provisórias, que funcionam em barracões há mais de 28, 29 e 30 anos!

Portanto, o Governo não faz mais do que a sua obrigação. E eu teria vergonha de aqui vir dizer: «Somos os maiores porque arranjámos uma escola aqui, outra escola acoli»...!

Tenha vergonha, Sr. Deputado!

Nós não vamos na conversa fácil da direita acerca da exigência e do rigor. E sabe porquê, Sr. Deputado? Porque não é possível falar de qualidade do ensino sem termos na escola uma equipa de professores motivados, respeitados e dignificados na sua profissão.

Sobre isto, curiosamente, o PSD disse zero, mas também não pode falar porque prosseguiu políticas muito semelhantes - encetou, aliás, grande parte dos processos em torno da carreira dos professores a que o PS agora, tão orgulhosamente, vai dando desfecho.

Como é possível falar de qualidade - e esta é uma questão que se dirige tanto ao PS como ao PSD, mas que agora dirijo ao partido do Governo - quando ela existe para alguns (situação bem ilustrada pelas fotografias que exibiu), mas para outros não?!

Há escolas que têm todas as condições e outras que nem salas têm, ou que nem abrem no início do ano lectivo porque não têm orçamento ou auxiliares suficientes, como bem vimos nas notícias, Sr. Deputado.

Como é possível falar de qualidade sem democracia na gestão dos estabelecimentos de ensino, Sr. Deputado?

Como é possível falar de qualidade quando uns estudantes conseguem prosseguir os estudos porque têm capacidade para pagar as explicações e todos os materiais necessários e outros ficam-se na tal diversificação da oferta formativa que este Governo foi arranjando? Uma formação para os mais empobrecidos - a «2.ª escolha», como se poderia chamar.

Por último, Sr. Deputado, como pode falar de qualidade quando são os próprios professores que, assim que podem, debandam da escola porque já não aguentam a pressão que este Governo lhes tem colocado em cima, porque não conseguem cumprir a sua missão com dignidade, porque estão exauridos e exaustos pelo facto de este Governo não permitir que os professores façam o que escolheram fazer, que é ensinar?

(...)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
O sistema educativo está, neste momento preciso momento em que falamos, numa situação de pressão política e administrativa que se faz sentir sobre todos os agentes da comunidade educativa.
Os estudantes usufruem de um sistema que se degrada anualmente, fruto das políticas aplicadas à escola pública, quer seja, agora, pelo PS, quer seja, antes, pelo PSD, às vezes alternadamente com o CDS.
As condições materiais das escolas estão em fase de cada vez mais avançada deterioração; algumas crianças desenvolvem, hoje, actividades em contentores, outras em edifícios que representam autênticos riscos e perigos; o número de auxiliares de acção educativa não garante sequer a segurança no interior das escolas; os serviços de cantina, de papelaria e de bar são concessionados a empresas privadas e perdem qualidade a um ritmo galopante.
Ao mesmo tempo, os estudantes são confrontados com um sistema que promove o individualismo e a exclusão social, que selecciona, através de um sistema em que os exames nacionais são a peça-chave, quem tem e não tem direito a prosseguir os estudos em função da sua posição social e económica.
Entre as escolas verifica-se um fosso alarmante: umas dispõem de todas as condições para a concretização dos seus projectos educativos, enquanto que outras não têm sequer salas de aula, e nas que têm chove lá dentro.
Já percebemos que o PS, pelos vistos, tem a perspectiva de favorecer as autarquias em que detém o poder, porque vem aqui dizer que nas autarquias comunistas é normal a escola estar degradada. Portanto, nas autarquias em que a escola é muito boa, e das quais o Sr. Deputado do PS nos mostrou fotografias, o louvor é dirigido ao Governo, mas nas autarquias em que a escola, por acaso, ainda não foi requalificada, porque o Governo aí não investiu, a culpa é da autarquia!
Ou seja, onde a coisa corre bem os louros são do Governo, onde corre mal a culpa é da autarquia. Isso revela uma coisa, Sr. Deputado: que este Governo escolhe onde investe para favorecer as autarquias do PS.
E revela outra coisa, que é uma incongruência intolerável: quando a bancada do Partido Comunista lhe dirige perguntas escritas sobre intervenção física nas escolas onde a mesma se revela necessária, o Governo responde sempre da mesma maneira, como aconteceu agora, por exemplo, relativamente ao Salão Nobre do Conservatório Nacional de Lisboa, dizendo «isso não é connosco, é com a empresa Parque Escolar, EPE, é com uma empresa que criámos para tratar disso». Mas quando corre bem é com o Governo, já não é com a empresa!
A política do Governo tem tornado a escola num espaço de competição, de individualismo, de alienação colectiva, promovendo a formação de «banda estreita» para os estudantes das famílias mais pobres e o prosseguimento de estudos para as camadas mais ricas da população. A escola vai-se, assim, tornando no meio de reprodução das assimetrias sociais do sistema. Os estudantes são, cada vez mais, números estatísticos em vez de seres humanos.
O apoio a alunos com necessidades educativas especiais foi reduzido a alunos com deficiência, sinalizados apenas através de um sistema absurdo de funcionalidade, com base em critérios exclusivamente médicos. A escola inclusiva é, por isso mesmo, cada vez mais uma miragem. E não há escola de qualidade, Srs. Deputados, se não for de qualidade para todos.
Os professores encontram-se sob a maior ofensiva de sempre aos seus direitos e à dignidade da sua profissão. Exaustos e desmotivados, dão o seu melhor para um projecto cada vez mais diferente daquele em que acreditaram quando escolheram a sua profissão. Perdidos em burocracias e em cadeias hierárquicas impostas à força, aplicam o seu esforço na organização administrativa da avaliação, em função de critérios em que não acreditam, assim preterindo, à força, a actividade docente, a preparação das aulas e o processo de ensino.
Os professores são hoje confrontados com um processo de avaliação que lhes exige que adoptem uma postura que sempre combateram: considerar o aluno como um produto. E não há qualidade de ensino, Srs. Deputados, sem a dignificação dos professores e a gestão democrática das escolas.
Os estudantes, porém, não são peças numa linha de montagem e os professores não são máquinas industriais. Ignorar isso é ignorar os mais elementares princípios da pedagogia.
Os funcionários das escolas vêem-se confrontados com a desvalorização do seu trabalho, com a ausência total de meios, havendo escolas que não abriram no início do ano lectivo por ausência do número suficiente destes profissionais.
Falar de rigor quando aos professores e alunos não são dados os instrumentos fundamentais para o cumprimento dos seus papéis, falar de igualdade quando uns frequentam escolas com tudo e outros escolas sem nada, falar de desenvolvimento quando o abandono e o insucesso atingem quase metade da população escolar em cada ano, falar de tecnologia quando o que o Governo faz é angariar clientes para empresas privadas é, no mínimo, ridículo, e isso torna-se cada vez mais evidente e mais claro aos olhos de toda a gente.
Romper com essa política não se fará com mais exames, como propõe a direita, nem com aquilo a que o PS, o PSD e o CDS insistem em chamar exigência mas, sim, com um verdadeiro investimento político e económico que envolva todos os agentes educativos, que assegure nas escolas uma gestão verdadeiramente democrática e que elimine as diferenças abismais que se verificam entre os estabelecimentos de ensino.
Essa política só será possível quando o Governo considerar efectivamente a escola como uma extensão do Estado e não como uma empresa e quando assumir as suas responsabilidades constitucionais perante o ensino.
Isso significa que a qualidade está intimamente relacionada com o papel do Estado. Por isso mesmo, quando dizemos que defendemos uma escola pública, gratuita, democrática e de qualidade para todos é porque consideramos que a escola pública não pode ter qualidade se não for gratuita, se não for democrática e se não for para todos.

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