Evolução e situação actual da indústria
transformadora portuguesa
Pedro Proença (CAE)
A partir da documentação constante do Tratado de Adesão à então CEE, hoje
denominada UE, podemos afirmar que o governo português se encontraria, nessa
data, empenhado em empreender uma política de industrialização do que os
negociadores da CEE terão tomado nota. O país rural saído de um esforço de
guerra colonial dez anos atrás parecia optar, enfim, por uma política
industrial. De então para cá, e até agora, tal opção não é notória e damos
razão aos que sustentam que, de facto o que existe é uma política
anti-industrial. Enquanto que em 1986, o peso do produto industrial no PIB era
de 29,5%, em 2005 esse peso já estaria abaixo dos 17%, isto é, em apenas vinte
anos, o produto industrial decresceu cerca de 42 %.
Há quem teime em observar que o fenómeno da perda de peso da indústria
transformadora nas economias, i.e., da produção material de bens, é um fenómeno
geral nos países mais desenvolvidos, designadamente na UE, o que é um facto,
devido, no essencial, ao maior protagonismo dos serviços. Porém, o ritmo a que
tal perda tem tido lugar, tem sido bem maior em Portugal do que na média da EU.
De facto, enquanto o peso médio da indústria transformadora da CEE era, em
1987, de cerca de 24% do VAB, em 2005 tal indicador rondava os 18% em Portugal.
Isto significa que, no espaço comunitário, o peso da indústria
transformadora no PIB, decresceu em cerca de vinte anos aproximadamente 25%.
Cotejando este valor com o que encontrámos para Portugal, verificamos, que a
taxa de perda é quase 70% superior em Portugal do que na EU. Tomando como
referência o peso da indústria transformadora no PIB à data da adesão, o nosso
país era, a seguir à RFA e à Espanha, o país com a maior contribuição
industrial para o PIB.
As estatísticas vêm confirmar os receios dos que se queixam da actuação
dos vários governos em relação ao sector da indústria transformadora. Dados do
INE para o 1º semestre de 2004 referem que 31% do emprego nacional é assegurado
pelo sector da indústria, construção, energia e água. Os serviços absorvem
56,3% e a agricultura e pescas 12,7%.
Mas a questão principal, não é tanto o peso da indústria no produto -
embora este indicador seja naturalmente muito importante em termos relativos,
constituindo o elemento que separa os países industrializados dos outros - mas
sim o tipo de indústria, em termos da sua produtividade, competitividade,
criação de valor e dinamização de toda a economia.
O Observatório das Ciências e das Tecnologias chama a atenção que (...)
os ramos de actividade económica devem ser agrupados em categorias de
Intensidade Tecnológica de acordo com a classificação da OCDE de 1997. Como
todas as classificações esta não será mais válida do que outras, todavia
importa sublinhar que o frequente aplauso de segmentos industriais (p. ex. do
sector eléctrico ou do têxtil) escondem realidades que não devemos aplaudir.
Diz a ANIMEE que "A Indústria do Equipamento Eléctrico e Electrónico em
Portugal, ocupa um lugar de destaque na economia portuguesa, sendo que em 2002
o volume de negócios desta indústria ascendia a cerca de 5,6 mil milhões de
Euros e representava mais de 8,5 % de todo o volume de negócios da Indústria
Transformadora nacional.
O que esta informação esconde é que ao lado de uma indústria idónea de concepção
e fabrico de transformadores, motores, integração de dispositivos sofisticados
e de alta tecnologia, concentrada em duas ou três fábricas, cresceu a indústria
da pequena montagem de componentes, tantas vezes de baixa tecnologia ou de tecnologia
corrente de que são exemplo as cablagens (para automóveis ou máquinas de lavar)
ou a montagens de dispositivos electrónicos que podem empregar muita gente, mas
que são relocalizáveis noutro lugar do mundo onde o homem possa ser explorado a
ritmo vertiginoso.
Também recentemente um jornal diário de informação genérica, que outrora
tinha um suplemento de economia, (DN), quis louvar uma etiqueta "Made in
Portugal" no fardamento militar italiano que é finalizado numa fábrica minhota.
Não referiu que os tecidos, as linhas de cozer, os botões, são fabricadas em
Itália, os moldes são desenhados em Itália e nem as agulhas de cozer saem da
indústria nacional. Tal como as cablagens é de temer que a todo o momento seja
deslocalizada.
É por isso que entendemos que a classificação das indústrias por
intensidade tecnológica tem a validade de verificarmos se estamos a falar de um
produto bem pago e pouco ameaçado, ou de um produto que muita gente sabe fazer.
Qual o perfil de especialização industrial no quadro mais geral da
especialização da economia? Que evolução houve neste domínio nestes últimos vinte
anos marcados pela adesão à CEE? Verificamos que enquanto em 1994, a EU
detinha, em sectores avançados (indústria químicas, máquinas e equipamentos e
material de transporte) 55,6% do produto industrial, Portugal, no ano seguinte,
tinha sensivelmente para os mesmos sectores, 28,5% do produto industrial e
cerca de dez anos depois tinha para os mesmos sectores 19,1% do produto
industrial.
Devemos assinalar que indústrias de baixo valor acrescentado, como o
têxtil e o calçado, baixaram o seu peso no nosso produto industrial - baixaram
no mesmo período de 25% para 21% - mas ao mesmo tempo, sectores como os das
químicas também baixaram de 9,8% para 7,4% do produto industrial.
Numa outra abordagem, é interessante também verificar, que, em 2000, os
três primeiros sectores da indústria transformadora (em termos do respectivo
peso no VAB), eram, respectivamente, as máquinas e equipamentos, as indústrias
alimentares e as indústrias químicas, enquanto em Portugal, os três primeiros
sectores eram as indústrias alimentares, as indústrias de minerais não
metálicos (cimenteiras, cerâmicas e vidro) e a indústria têxtil.
Podemos portanto dizer, que até a relativamente pouco tempo, no fundamental,
o perfil industrial não sofreu alterações de monta, mesmo com o apoio de
importantes fundos específicos sendo também de assinalar que, nos últimos cinco
anos, se verifica uma ligeira melhoria da nossa produção industrial, entendida
na óptica do perfil de especialização dos produtos exportados (EU e extra-EU).
Tomando por base uma hierarquização que atende ao grau de intensidade
tecnológica, constata-se que entre 2001 e 2005, baixou significativamente o
peso de produtos de baixa tecnologia, de 44,6% para 38,3% do total das
exportações de produtos industriais e subiu ligeiramente o peso de produtos de
média-alta tecnologia de 30,7% para 30,8% ou com a média para o período de
31,06% e de alta tecnologia de 11,4% para 11,7%. Em contrapartida, aumentou o
peso de produtos de média-baixa tecnologia, de 13,3% para 19,2%, devido, no
essencial, à exportação de produtos petrolíferos. Trata-se também aqui, de
alterações muito ténues, embora todas elas indiquem uma tendência.
No que respeita à evolução da produtividade na indústria transformadora,
embora se trate de uma variável que deve ser sempre analisada com precaução,
seja porque é condicionada pela taxa de utilização das instalações industriais,
e portanto ligada ao desempenho económico-comercial, seja porque é muito
afectada pelo nível relativo dos preços, ela deve contudo, ser tida em atenção.
Actualmente, a produtividade do trabalho (PIB em PPC por hora de trabalho) na
indústria transformadora, é cerca de 59 % da média da EU-15.
A produtividade do trabalho na indústria transformadora, evoluiu
negativamente em Portugal, entre a data de adesão às Comunidades e inícios
deste século, não acompanhando a evolução média comunitária, facto ainda mais
grave, se tivermos em conta a baixa posição de que partimos. Verifica-se mesmo
uma descida contínua desta variável desde 2000, pelo menos até 2004
(inclusivé), o que acompanha todo o período depressivo dos últimos anos, com
uma real estagnação do PIB.
Neste quadro, a indústria transformadora, foi mais uma vez a grande
sacrificada. Neste quadro, é de perguntar onde tem estado o empenhamento dos
governos portugueses pela execução de uma política de industrialização,
conforme estava previsto no Tratado, e onde estão os resultados dos recursos
comunitários destinados à concretização de tais objectivos?
Nem uns nem outros se concretizaram, e é particularmente importante pôr
em destaque a responsabilidade dos sucessivos governos nacionais pela situação
em que se encontra a indústria transformadora, tendo em atenção, particularmente,
a situação a que podia ter chegado face aos importantes fundos de que dispusemos.
Relativamente
aos fundos estruturais aplicados na indústria durante os vinte anos de adesão,
na vigência dos três programas (PEDIP I; PEDIP II; POE/PRIME), independentemente
das especificidades de cada um, convém e é possível fazer as seguintes apreciações
gerais:
- Foram elevadíssimas as verbas aportadas à indústria
durante tal período. - Numa 1ª fase (PEDIP I), tais verbas foram aplicadas
dominantemente em investimentos materiais - equipamentos, máquinas, etc. e
infra-estruturas tecnológicas. - Numa 2ª fase (PEDIP II, POE e PRIME) os
investimentos já foram repartidos com mais equilíbrio entre factores
tangíveis e factores intangíveis - melhorias na organização e gestão das
empresas, melhoria da qualidade dos produtos, aperfeiçoamento das redes de
comercialização e "marketing", etc. - Ajudaram a atrair investimento directo estrangeiro,
dominantemente comunitário, mas não só, que veio e continua a captar
enormes parcelas de tais fundos - vejam-se os casos da industria
automóvel, electrónica, têxtil e outras - e que, em muitas situações, entretanto
já saiu de Portugal. - Uma parte relevante destes fundos, regressa aos
países de origem, sob a forma de pagamento de equipamentos e outros bens
ai adquiridos, no quadro da aplicação empresarial dos fundos. - Os fundos privilegiaram sobretudo as médias e as
grandes empresas (que só constituem cerca de 5 % do tecido empresarial
industrial) em desfavor das micro e pequenas, independentemente do maior
número de projectos avançados por estas ultimas em valor absoluto; por
exemplo, no caso do Sistema de Incentivos a Modernização Empresarial
(SIME) que teve grande aplicado na indústria, só 40% dos projectos foi
destinada a micro e a pequenas empresas, o que correspondeu a 19,6 % dos
incentivos, enquanto que este grupo de empresas representava cerca de 95 %
do total das empresas; de ter em atenção que na industria transformadora a
situação e semelhante. - Os fundos estruturais aplicados na esfera industrial
- no Estado, nas associações e institutos e nas empresas - introduziram
nalguns poucos milhares de empresas, reais e significativas melhorias no
seu desempenho, em termos de produtividade e competitividade potenciais,
que não desempenho real na e da economia. E isto, porque no fundamental - As empresas abrangidas, logo à partida as mais
capazes e saudáveis, constituíam e constituem ainda como que ilhas -
nalguns casos e nalguns sectores poderão ser contudo já grandes ilhas - no
quadro empresarial nacional - Em períodos diferentes, devido a circunstâncias
diversas ao longo destes vinte anos, as politicas macroeconómicas
recessivas, sejam de matriz comunitária, sejam de matriz nacional, sejam
enfim da potenciação destas duas - criação de condições de pre-adesão e
adesão ao Euro, o PEC, - atenuaram fortemente e nalguns anularam mesmo os
aspectos positivos de tais investimentos.
Como é bem sabido, o Estado português detinha, sob a sua tutela directa,
devido à posse dos activos, um conjunto muito importante de empresas públicas e
participadas da esfera industrial, conjunto importante, quer pelo carácter
estratégico de muitos dos seus produtos e produções - siderurgia integrada,
grande indústria naval, refinação de petróleo, químicas e petroquímicas de
base, produção de bens de equipamentos pesados, designadamente para os
transportes e a produção de energia mas não só, indústria aeronáutica,
indústrias de explosivos industriais e de material de guerra, para só
referirmos os principais - seja pela elevada rendibilidade das empresas que lhe
serviam de base - caso das cimenteiras, cervejeiras e dos tabacos.
Tais empresas, para além do peso muito significativo que detinham no
produto industrial, no emprego e na FBCF, foram importantes escolas de gestão,
de engenharia, de formação de técnicos e de pessoal operário durante gerações,
possuíam muitas delas centros de pesquisa aplicada, utilizavam tecnologias
avançadas, e desenvolviam actividades de elevado valor acrescentado, dado, o
carácter capital intensivo das suas actividades e, simultaneamente, a elevada
qualificação dos seus trabalhadores, contribuindo desta forma, para valorizar o
perfil de especialização da nossa indústria, face ao carácter atrasado da
grande maioria das outras actividades industriais detidas fundamentalmente na
esfera privada.
A privatização do sector público, no que concerne às empresas públicas,
começou em 1989, exactamente por uma empresa industrial - a UNICER - embora a
parte dominante das privatizações de empresas públicas industriais, tenha tido
lugar entre 1992 e 2000, havendo contudo ainda alguns rabos, que estão
presentemente a ser esfolados, como são os casos da PORTUCEL e da GALP.
As privatizações apresentam uma dinâmica própria no processo de
reconstituição monopolista português, constituindo um objectivo estratégico
antigo da direita e do grande capital, sempre com a prestimosa ajuda do PS,
processo que teve o seu ponto alto com a 2ª revisão constitucional em 1989.
Neste domínio, o das privatizações, houve um casamento perfeito entre os interesses
da grande burguesia nacional, qualquer que fosse o suporte partidário utilizado,
e as orientações estratégicas do grande capital europeu, escondido por detrás
do biombo das instituições europeias.
A privatização das empresas públicas e participadas (estas últimas
dominantemente através da IPE, entretanto também criminosamente extinto) da
área industrial, constitui um ataque ao nosso desenvolvimento e à nossa
capacidade económica, mau grado os falsos objectivos apresentados na Lei-quadro
das Privatizações, como sejam o de "Modernizar as unidades económicas e
aumentar a sua competitividade e contribuir para as estratégias de reestruturação
sectorial ou empresarial" bem como de "reforçar a capacidade
empresarial nacional".
Embora algumas ex-empresas públicas continuem pujantes e com um papel
importante na economia industrial - casos da Cimpor, Tabaqueira, Unicer e
Centralcer, Portucel nas suas diversas repartições - a grande maioria foi
desmembrada, teve a sua actividade reduzida ou profundamente reduzida ou foi
mesmo pura e simplesmente extinta. Estão no primeiro caso a QUIMIGAL e empresas
associadas, a LISNAVE, a SN, a Sociedade Portuguesa de Explosivos.
Estão no segundo
caso, a quase totalidade das empresas produtoras de bens de equipamento pesados
e de material de transporte - Sorefame/Bombardier, Mague, Cometna, Construções
Técnicas, Fundição de Oeiras entre outras.
O desaparecimento ou o afrouxamento produtivo destas empresas e doutras
que não referimos, foi devastador para a base industrial nacional. Redução da
capacidade nacional, redução do VAB, empobrecimento do perfil industrial.
A questão da produção nacional, com vista à satisfação das necessidades
dos cidadãos, das empresas e do Estado é uma questão vital. Durante os vinte
anos da permanência de Portugal no espaço comunitário, a produção nacional cada
vez menos responde às necessidades nacionais, vindo-se a agravar, como já
observámos, os diferentes défices. Se exceptuarmos o défice energético, com
outras origens e estrutura, a grande maioria das dificuldades tem a ver com a
insuficiência de produtos industriais, designadamente produtos industriais
transaccionáveis com grande importância no quadro do comércio externo.
Relativamente ao espaço comunitário, enquanto o grau de cobertura das
importações pelas exportações era, em 1985, superavitário, com o valor de 103%,
em 2002 esse grau de cobertura era somente de 65%, o que é bem o retrato do
aumento da nossa dependência face ao exterior.
O saldo da balança comercial entre Portugal e a EU-15, o qual reflecte
dominantemente a troca de produtos industriais - dado que os produtos
energéticos são muito pouco relevantes a nível da EU, e os produtos agrícolas,
embora tenham algum significado, só atingem cerca de 5% das entradas da EU -
passou de um saldo positivo de 0,1 mil milhões de euros em 1985, para um saldo
negativo de 10,5 mil milhões de euros em 2002.
Actualmente a situação agravou-se, tendo sido o défice em 2005, a preços
correntes, de 15,8 milhões de euros e até Agosto de 2006, de 8,4 mil milhões de
euros, também a preços correntes, sendo cerca de 75% destes valores
correspondentes a produtos industriais. Em termos mais gerais, é de lembrar que
o défice comercial total, já atinge 12,6% do PIB.
Efectivamente, em vez de Portugal ter entrado no anunciado e paradisíaco
mercado de 340 milhões de habitantes, foi a CEE que entrou em Portugal, como
claramente o demonstram os números apresentados. Simultaneamente, o
afunilamento das nossas relações comerciais com a EU é patente e profundo.
Enquanto, relativamente às importações da CEE, estas significavam em
1986, 62,3% do total das nossas importações, em 2002 já tinham atingido o valor
de 76,9%, tendo, de alguma maneira, estabilizado a partir daí até aos dias de
hoje, embora naturalmente com ligeiras oscilações.
Ao mesmo tempo, as exportações só subiram de 75,5% para 79,6% no mesmo
período, e tal como as entradas, têm estado estabilizadas nos últimos 3 ou 4
anos.
Neste domínio, a situação da Espanha atinge valores muito elevados,
particularmente no que concerne às importações/entradas, as quais, neste
momento, se aproximam de 40% do total das entradas provenientes da EU.
Julgamos evidenciada a necessidade económica
de Portugal reinstalar muita da grande indústria transformadora perdida, ou
aliás sistematicamente destruída, o que não vai ser fácil, quer pela perda de
"know-how", pela fraca quantidade de técnicos dos diversos escalões, e porque
não pode ser a construção civil a recorrente bóia de salvação da animação da
economia com os seus estádios de futebol, auto-estradas e aeroportos.