Exposição de Motivos
A proteção da Natureza constitui uma obrigação do Estado, estando consagrado no Artigo 9.º da Constituição que “defender a natureza e o ambiente” e “preservar os recursos naturais” constam entre as “tarefas fundamentais do Estado”.
O direito à conservação da Natureza e à sua fruição é um direito de toda a população, que não depende da distribuição territorial das áreas protegidas. A consagração constitucional como “tarefa fundamental do Estado” vai no sentido de considerar os recursos e espaços naturais como elementos centrais da integridade e soberania nacionais. O artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece ainda que “todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.”
Com a contínua degradação dos serviços dedicados à conservação da Natureza, levada a cabo pelos sucessivos governos, o Estado tem se afastado do cumprimento desta sua tarefa fundamental.
O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) tem sido alvo de uma política de desarticulação. Por um lado, retirando-lhe condições para cumprir com as suas atribuições fundamentais e desviando essas funções para outras entidades sem a mesma vocação. Por outro lado, alargando o âmbito das suas competências, sem que tanha havido o correspondente aumento de meios financeiros e humanos. A falta de trabalhadores e as limitações na gestão serviram de pretexto para, em vez de se resolver esses problemas, encontrar falsas soluções.
As sucessivas tentativas de privatização da gestão, visitação e fiscalização no interior das áreas protegidas inseriram-se na lógica da mercantilização dos recursos, assim colocando ao serviço de interesses privados o seu valor ecológico e o correspondente valor económico. Esta estratégia traduz uma total subversão da hierarquia de princípios que devem presidir à política de ambiente e à gestão do território e conduz inexoravelmente à degradação da riqueza natural e à espoliação da população do usufruto dessa riqueza.
Assim, a restruturação do ICNF tem vindo a apontar para um afastamento da Conservação da Natureza e das populações. As alterações introduzidas na orgânica d autoridade nacional de conservação da natureza e da biodiversidade, com a eliminação das estruturas diretivas próprias de cada área protegida, e a visão que aponta mais para uso recreativo das áreas protegidas e menos para a reabilitação e revitalização de vivências e atividades que estão intimamente ligadas a estes territórios, afastaram aquele organismo das áreas e das populações, o que potencia dificuldades de compreensão e consequentemente de integração de forma harmoniosa das atividades tradicionais na gestão da área protegida.
Um caminho que tem sido prosseguido por diferentes governos. Os governos PSD/CDS tentaram concessionar as áreas protegidas a privados, implementando uma taxa de visitação para os financiar. Os governos PS foram fundindo a gestão das áreas protegidas, afastando-a do terreno, sem autonomia financeira e de gestão, em cada uma das áreas protegidas.
Sendo importante o envolvimento das autarquias nestas áreas, só a salvaguarda do papel do Estado nas áreas protegidas garantirá que a utilização dos recursos naturais seja feita ao serviço do país e do povo, garantido a capacidade de adoção de políticas nacionais neste âmbito. Apesar de ligeiras melhorias nos últimos orçamentos, com a contratação de Vigilantes da Natureza, de viaturas e equipamentos para as áreas protegidas, a falta de investimento na área da conservação da Natureza é notória.
Não desvalorizando o papel que as áreas protegidas devem ter no incentivo à atividade turística, o afunilamento do conceito de usufruto destas áreas no apoio à atividade turística desvalorizará a necessária promoção de uso pelas atividades tradicionais e da promoção do papel das áreas protegidas na educação ambiental.
O PCP tem alertado para que a lógica de afastamento das pessoas do usufruto da Natureza conduz a que as áreas protegidas tenham cada vez menos a função de promoção do equilíbrio entre a atividade humana e os ecossistemas. Tem sido evidente a falta de preocupação em trazer vantagens para as populações e para as atividades populares e tradicionais. O conjunto de condicionalismos inseridos nos planos de ordenamento às atividades tradicionais acabam por funcionar como mecanismo que reserva importantes áreas naturais para apropriação por parte de interesses privados.
Só a salvaguarda do papel do Estado na conservação da Natureza e garantirá um caminho visando a defesa do meio ambiente, a valorização da presença humana no território, a defesa do ordenamento do território e a promoção de um efetivo desenvolvimento regional, com o aproveitamento racional dos recursos, criteriosas políticas de investimento público, de conservação da Natureza, o combate ao despovoamento, o respeito pelo sistema autonómico e pela autonomia das autarquias locais.
E é no sentido de assegurar uma gestão mais próxima e adequada das áreas protegidas que o Grupo Parlamentar do PCP apresenta a presente iniciativa, que tem por objetivo estabelecer a orgânica e as estruturas das áreas protegidas, tendo em conta as responsabilidades do Estado e a sua participação. Estabelece que cada área protegida dispõe, em razão da usa importância, dimensão e interesse público, de todos ou só de alguns órgãos e serviços. Determina o papel essencial dos Planos Especiais de Ordenamento do Território e a responsabilidade do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, determinando-se que cada área protegida de âmbito nacional corresponda a uma unidade orgânica de direção intermédia de administração central.
Os objetivos pretendidos implicam alterações ou a revogação de normas de diplomas com incidência na organização e funcionamento do ICNF, a saber: o Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de julho, o Decreto-Lei n.º 43/2019, de 29 de março, os Estatutos dos ICNF aprovados pela Portaria n.º 166/2019, de 29 de maio, e o Decreto-Lei n.º 116/2019, de 21 de agosto.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo-assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei estabelece a orgânica e as estruturas das áreas classificadas integradas na Rede Nacional de Áreas Protegidas, nos termos do Regime Jurídico da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (RJCNB), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de julho.
Artigo 2.º
Orgânica
- A cada área protegida de âmbito nacional corresponde uma unidade orgânica de direção intermédia da administração central, da dependência do Instituto de Conservação da Natureza, dotada de meios humanos, técnicos e financeiros adequados à sua função.
- Cada parque nacional, parque natural, reserva natural, ou paisagem protegida dispõe, em razão da importância, dimensão e interesse público, de todos ou alguns dos seguintes órgãos e serviços:
- Conselho Geral;
- Direção de gestão;
- Comissão científica,
- Serviços técnicos;
- Serviços administrativos e auxiliares.
- O regulamento de cada área protegida classificada estabelece as disposições quanto à constituição dos respetivos órgãos e serviços e quais os meios destinados a assegurar a respetiva administração e conservação.
- As áreas protegidas classificadas como monumento natural são diretamente administradas pelo Instituto da Conservação da Natureza e Florestas.
Artigo 3.º
Conselho geral
- O conselho geral é um órgão permanente, composto por um máximo de 15 elementos, sendo o presidente designado pelo Instituto da Conservação da Natureza e Florestas, que acumula com a função de diretor do parque, reserva ou outra área classificada, equiparado, para todos os efeitos legais, a diretor de serviços, com um mandato por três anos renovável.
- São membros do conselho geral:
- O representante do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, que preside;
- Um representante da comissão científica;
- Representantes designados pelos serviços da administração central mais diretamente interessados nas finalidades da respetiva instituição, a definir pelo Governo;
- Representantes das autarquias locais da respetiva área;
- Representantes das populações, designadamente de terrenos comunitários/baldios.
- Representantes designados por associações de defesa do ambiente e do património construído e instituições representativas dos interesses socioeconómicos.
- Os representantes das autarquias locais designam de entre os presidentes de câmara ou representantes das autarquias membros do conselho, o substituto do Presidente nas suas ausências e impedimentos.
- Compete ao conselho geral:
- Nomear os vogais da direção de gestão;
- Aprovar a proposta de orçamento e plano de atividades;
- Apreciar e emitir parecer sobre planos diretores e planos de ordenamento, projetos, empreendimentos ou quaisquer iniciativas na área do parque, reserva ou outra área classificada;
- Apresentar à direção sugestões de medidas ou normas tendentes a melhor atingir os fins do parque, reserva ou outra área classificada;
- Zelar pelo cumprimento e supervisão das atividades definidas;
- Elaborar e divulgar um Relatório anual de atividade.
- Os pareceres sobre os planos diretores e planos de ordenamento previstos na alínea c) do número anterior têm caráter vinculativo.
Artigo 4.º
Funcionamento do conselho geral
- O conselho geral reúne-se ordinariamente em cada dois meses ou extraordinariamente sempre que for convocado pelo presidente, por sua iniciativa ou a requerimento de um terço dos seus membros.
- As decisões do conselho são tomadas por maioria, tendo o Presidente voto de qualidade.
- Os membros do conselho geral têm direito a senhas de presença nos termos da lei geral.
Artigo 5.º
Direção de gestão
- A direção de gestão é designada pelo conselho geral nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 3.º, de entre os seus membros e é composto por:
- O diretor, que acumula com a função de presidência do conselho geral, designado nos termos do n.º 1 do artigo 3.º;
- Um representante dos municípios membros do conselho geral;
- Um representante dos restantes membros do conselho geral.
- Compete à direção de gestão:
- Dirigir o pessoal do parque, reserva ou outra área classificada;
- Determinar os horários e demais regras de funcionamento das diferentes áreas do parque, reserva ou outra área classificada;
- Preparar e executar planos e programas anuais e plurianuais de gestão e investimento, submetendo-os previamente à apreciação do conselho geral;
- Autorizar atos ou atividades condicionadas na área protegida, tendo em conta os planos de ordenamento e o regulamento aprovados;
- Submeter ao conselho geral a proposta de orçamento e plano de atividades para cada ano;
- Assegurar a execução das diretrizes e recomendações dimanadas dos órgãos próprios da Rede Nacional de Áreas Protegidas e, bem assim, as do conselho geral;
- Ordenar o embargo e a demolição de obras, bem como fazer cessar outras ações realizadas em violação da legislação em vigor;
- Apresentar aos órgãos próprios de gestão da Rede Nacional de Áreas Protegidas as sugestões e relatórios que respeitem à sua competência e à do conselho geral;
- Assegurar junto das entidades que representam as diligências e contributos relevantes para o desenvolvimento do trabalho.
- Representar a área protegida;
- São competências do diretor:
- Coordenar as atividades da Direção de gestão e assegurar a execução das suas decisões:
- Presidir ao conselho geral;
- Zelar pela dinamização dos trabalhos que apoiem o conselho geral.
Artigo 6.º
Funcionamento da direção de gestão
- A direção de gestão reúne ordinariamente em cada 15 dias ou extraordinariamente sempre que for convocado pelo diretor ou a requerimento de um dos seus membros.
- As decisões da direção são tomadas por maioria.
Artigo 7.º
Comissão científica
A comissão científica é um órgão consultivo para as questões culturais e científicas relativas a cada parque, reserva ou área classificada, cujos membros são designados pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas e é constituída por representantes indicados por instituições cientificas e de investigação, do ensino superior e por associações culturais e ambientais e especialistas de mérito comprovado nos domínios da conservação do património e dos valores e objetivos de cada área e que constarão do regulamento próprio.
Artigo 8.º
Funcionamento da comissão científica
- Os membros da comissão científica escolhem, anualmente, de entre os seus membros, um presidente.
- A comissão científica reúne-se ordinariamente em plenário duas vezes por ano e extraordinariamente sempre que convocada pelo seu presidente, por iniciativa deste ou a requerimento por um mínimo de dois terços dos seus membros.
- A comissão científica pode funcionar por secções sempre que se verifique a sua utilidade.
- Os membros da comissão científica que residam fora das áreas dos parques, reservas ou outras áreas classificadas têm direito ao pagamento das deslocações e ajudas de custo nos termos da lei geral.
Artigo 9.º
Serviços técnicos
- Cada área protegida é dotada de serviços técnicos de apoio considerados indispensáveis ao seu funcionamento.
- Aos serviços técnicos compete assegurar o funcionamento dos equipamentos, a execução técnica e física da gestão e das decisões da direção, bem como resolver todas as questões de ordem técnica dos parques, reservas ou outras áreas classificadas.
Artigo10.º
Serviços administrativos
- Cada área protegida é dotada de serviços administrativos de apoio considerados indispensáveis ao seu funcionamento.
- Aos serviços administrativos e auxiliares compete assegurar o expediente, a contabilidade e a gestão do património de cada parque, reserva ou outra área classificada.
Artigo 11.º
Planos Especiais de ordenamento do território
- Os Planos Especiais de Ordenamento do Território (PEOT) são instrumentos de política sectorial da responsabilidade da administração central que consistem em planos com incidência territorial.
- Os Planos estabelecem regimes de salvaguarda de recursos e valores naturais e o regime de gestão compatível com a utilização sustentável do território, desenvolvendo e concretizando, nos respetivos domínios de intervenção, as diretrizes definidas nos programas nacionais da política de ordenamento do território.
- Os Planos traduzem um compromisso recíproco de compatibilização com o programa nacional e com os planos regionais de ordenamento do território, prevalecendo sobre os planos municipais e intermunicipais relativamente aos quais tenham incidência espacial.
Artigo 12.º
Gestão de bens
Os bens do domínio público ou privado do Estado situados nas Áreas Protegidas de âmbito nacional e com relevância para a prossecução dos seus fins podem ser acompanhados na sua gestão pelo ICNF, em termos a definir por Resolução do Conselho de Ministros.
Artigo 13.º
Regulamentação
O Governo procede à regulamentação da presente lei e às adaptações legislativas necessárias à sua implementação.
Artigo 14.º
Norma revogatória
São revogados:
- O Decreto-Lei n.º 116/2019, de 21 de agosto;
- O n.º 4 do Artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de julho.
Artigo 16.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.