Projecto de Lei N.º 178/XVI/1.ª

Estrutura a orgânica e a forma de gestão das áreas protegidas

Exposição de Motivos

A proteção da Natureza constitui uma obrigação do Estado, estando consagrado no Artigo 9.º da Constituição que “defender a natureza e o ambiente” e “preservar os recursos naturais” constam entre as “tarefas fundamentais do Estado”.

O direito à conservação da Natureza e à sua fruição é um direito de toda a população, que não depende da distribuição territorial das áreas protegidas. A consagração constitucional como “tarefa fundamental do Estado” vai no sentido de considerar os recursos e espaços naturais como elementos centrais da integridade e soberania nacionais. O artigo 66.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece ainda que “todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.”

Com a contínua degradação dos serviços dedicados à conservação da Natureza, levada a cabo pelos sucessivos governos, o Estado tem se afastado do cumprimento desta sua tarefa fundamental.

O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) tem sido alvo de uma política de desarticulação. Por um lado, retirando-lhe condições para cumprir com as suas atribuições fundamentais e desviando essas funções para outras entidades sem a mesma vocação. Por outro lado, alargando o âmbito das suas competências, sem que tanha havido o correspondente aumento de meios financeiros e humanos. A falta de trabalhadores e as limitações na gestão serviram de pretexto para, em vez de se resolver esses problemas, encontrar falsas soluções.

As sucessivas tentativas de privatização da gestão, visitação e fiscalização no interior das áreas protegidas inseriram-se na lógica da mercantilização dos recursos, assim colocando ao serviço de interesses privados o seu valor ecológico e o correspondente valor económico. Esta estratégia traduz uma total subversão da hierarquia de princípios que devem presidir à política de ambiente e à gestão do território e conduz inexoravelmente à degradação da riqueza natural e à espoliação da população do usufruto dessa riqueza.

Assim, a restruturação do ICNF tem vindo a apontar para um afastamento da Conservação da Natureza e das populações. As alterações introduzidas na orgânica d autoridade nacional de conservação da natureza e da biodiversidade, com a eliminação das estruturas diretivas próprias de cada área protegida, e a visão que aponta mais para uso recreativo das áreas protegidas e menos para a reabilitação e revitalização de vivências e atividades que estão intimamente ligadas a estes territórios, afastaram aquele organismo das áreas e das populações, o que potencia dificuldades de compreensão e consequentemente de integração de forma harmoniosa das atividades tradicionais na gestão da área protegida.

Um caminho que tem sido prosseguido por diferentes governos. Os governos PSD/CDS tentaram concessionar as áreas protegidas a privados, implementando uma taxa de visitação para os financiar. Os governos PS foram fundindo a gestão das áreas protegidas, afastando-a do terreno, sem autonomia financeira e de gestão, em cada uma das áreas protegidas.

Sendo importante o envolvimento das autarquias nestas áreas, só a salvaguarda do papel do Estado nas áreas protegidas garantirá que a utilização dos recursos naturais seja feita ao serviço do país e do povo, garantido a capacidade de adoção de políticas nacionais neste âmbito. Apesar de ligeiras melhorias nos últimos orçamentos, com a contratação de Vigilantes da Natureza, de viaturas e equipamentos para as áreas protegidas, a falta de investimento na área da conservação da Natureza é notória.

Não desvalorizando o papel que as áreas protegidas devem ter no incentivo à atividade turística, o afunilamento do conceito de usufruto destas áreas no apoio à atividade turística desvalorizará a necessária promoção de uso pelas atividades tradicionais e da promoção do papel das áreas protegidas na educação ambiental.

O PCP tem alertado para que a lógica de afastamento das pessoas do usufruto da Natureza conduz a que as áreas protegidas tenham cada vez menos a função de promoção do equilíbrio entre a atividade humana e os ecossistemas. Tem sido evidente a falta de preocupação em trazer vantagens para as populações e para as atividades populares e tradicionais. O conjunto de condicionalismos inseridos nos planos de ordenamento às atividades tradicionais acabam por funcionar como mecanismo que reserva importantes áreas naturais para apropriação por parte de interesses privados.

Só a salvaguarda do papel do Estado na conservação da Natureza e garantirá um caminho visando a defesa do meio ambiente, a valorização da presença humana no território, a defesa do ordenamento do território e a promoção de um efetivo desenvolvimento regional, com o aproveitamento racional dos recursos, criteriosas políticas de investimento público, de conservação da Natureza, o combate ao despovoamento, o respeito pelo sistema autonómico e pela autonomia das autarquias locais.

E é no sentido de assegurar uma gestão mais próxima e adequada das áreas protegidas que o Grupo Parlamentar do PCP apresenta a presente iniciativa, que tem por objetivo estabelecer a orgânica e as estruturas das áreas protegidas, tendo em conta as responsabilidades do Estado e a sua participação. Estabelece que cada área protegida dispõe, em razão da usa importância, dimensão e interesse público, de todos ou só de alguns órgãos e serviços. Determina o papel essencial dos Planos Especiais de Ordenamento do Território e a responsabilidade do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, determinando-se que cada área protegida de âmbito nacional corresponda a uma unidade orgânica de direção intermédia de administração central.

Os objetivos pretendidos implicam alterações ou a revogação de normas de diplomas com incidência na organização e funcionamento do ICNF, a saber: o Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de julho, o Decreto-Lei n.º 43/2019, de 29 de março, os Estatutos dos ICNF aprovados pela Portaria n.º 166/2019, de 29 de maio, e o Decreto-Lei n.º 116/2019, de 21 de agosto.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo-assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei estabelece a orgânica e as estruturas das áreas classificadas integradas na Rede Nacional de Áreas Protegidas, nos termos do Regime Jurídico da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (RJCNB), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de julho.

Artigo 2.º

Orgânica

  1. A cada área protegida de âmbito nacional corresponde uma unidade orgânica de direção intermédia da administração central, da dependência do Instituto de Conservação da Natureza, dotada de meios humanos, técnicos e financeiros adequados à sua função.
  2. Cada parque nacional, parque natural, reserva natural, ou paisagem protegida dispõe, em razão da importância, dimensão e interesse público, de todos ou alguns dos seguintes órgãos e serviços:
    1. Conselho Geral;
    2. Direção de gestão;
    3. Comissão científica,
    4. Serviços técnicos;
    5. Serviços administrativos e auxiliares.
  3. O regulamento de cada área protegida classificada estabelece as disposições quanto à constituição dos respetivos órgãos e serviços e quais os meios destinados a assegurar a respetiva administração e conservação.
  4. As áreas protegidas classificadas como monumento natural são diretamente administradas pelo Instituto da Conservação da Natureza e Florestas.

Artigo 3.º

Conselho geral

  1. O conselho geral é um órgão permanente, composto por um máximo de 15 elementos, sendo o presidente designado pelo Instituto da Conservação da Natureza e Florestas, que acumula com a função de diretor do parque, reserva ou outra área classificada, equiparado, para todos os efeitos legais, a diretor de serviços, com um mandato por três anos renovável.
  2. São membros do conselho geral:
    1. O representante do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, que preside;
    2. Um representante da comissão científica;
    3. Representantes designados pelos serviços da administração central mais diretamente interessados nas finalidades da respetiva instituição, a definir pelo Governo;
    4. Representantes das autarquias locais da respetiva área;
    5. Representantes das populações, designadamente de terrenos comunitários/baldios.
    6. Representantes designados por associações de defesa do ambiente e do património construído e instituições representativas dos interesses socioeconómicos.
  3. Os representantes das autarquias locais designam de entre os presidentes de câmara ou representantes das autarquias membros do conselho, o substituto do Presidente nas suas ausências e impedimentos.
  4. Compete ao conselho geral:
    1. Nomear os vogais da direção de gestão;
    2. Aprovar a proposta de orçamento e plano de atividades;
    3. Apreciar e emitir parecer sobre planos diretores e planos de ordenamento, projetos, empreendimentos ou quaisquer iniciativas na área do parque, reserva ou outra área classificada;
    4. Apresentar à direção sugestões de medidas ou normas tendentes a melhor atingir os fins do parque, reserva ou outra área classificada;
    5. Zelar pelo cumprimento e supervisão das atividades definidas;
    6. Elaborar e divulgar um Relatório anual de atividade.
  5. Os pareceres sobre os planos diretores e planos de ordenamento previstos na alínea c) do número anterior têm caráter vinculativo.

Artigo 4.º

Funcionamento do conselho geral

  1. O conselho geral reúne-se ordinariamente em cada dois meses ou extraordinariamente sempre que for convocado pelo presidente, por sua iniciativa ou a requerimento de um terço dos seus membros.
  2. As decisões do conselho são tomadas por maioria, tendo o Presidente voto de qualidade.
  3. Os membros do conselho geral têm direito a senhas de presença nos termos da lei geral.

Artigo 5.º

Direção de gestão

  1. A direção de gestão é designada pelo conselho geral nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 3.º, de entre os seus membros e é composto por:
    1. O diretor, que acumula com a função de presidência do conselho geral, designado nos termos do n.º 1 do artigo 3.º;
    2. Um representante dos municípios membros do conselho geral;
    3. Um representante dos restantes membros do conselho geral.
  2. Compete à direção de gestão:
    1. Dirigir o pessoal do parque, reserva ou outra área classificada;
    2. Determinar os horários e demais regras de funcionamento das diferentes áreas do parque, reserva ou outra área classificada;
    3. Preparar e executar planos e programas anuais e plurianuais de gestão e investimento, submetendo-os previamente à apreciação do conselho geral;
    4. Autorizar atos ou atividades condicionadas na área protegida, tendo em conta os planos de ordenamento e o regulamento aprovados;
    5. Submeter ao conselho geral a proposta de orçamento e plano de atividades para cada ano;
    6. Assegurar a execução das diretrizes e recomendações dimanadas dos órgãos próprios da Rede Nacional de Áreas Protegidas e, bem assim, as do conselho geral;
    7. Ordenar o embargo e a demolição de obras, bem como fazer cessar outras ações realizadas em violação da legislação em vigor;
    8. Apresentar aos órgãos próprios de gestão da Rede Nacional de Áreas Protegidas as sugestões e relatórios que respeitem à sua competência e à do conselho geral;
    9. Assegurar junto das entidades que representam as diligências e contributos relevantes para o desenvolvimento do trabalho.
    10. Representar a área protegida;
  3. São competências do diretor:
    1. Coordenar as atividades da Direção de gestão e assegurar a execução das suas decisões:
    2. Presidir ao conselho geral;
    3. Zelar pela dinamização dos trabalhos que apoiem o conselho geral.

Artigo 6.º

Funcionamento da direção de gestão

  1. A direção de gestão reúne ordinariamente em cada 15 dias ou extraordinariamente sempre que for convocado pelo diretor ou a requerimento de um dos seus membros.
  2. As decisões da direção são tomadas por maioria.

Artigo 7.º

Comissão científica

A comissão científica é um órgão consultivo para as questões culturais e científicas relativas a cada parque, reserva ou área classificada, cujos membros são designados pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas e é constituída por representantes indicados por instituições cientificas e de investigação, do ensino superior e por associações culturais e ambientais e especialistas de mérito comprovado nos domínios da conservação do património e dos valores e objetivos de cada área e que constarão do regulamento próprio.

Artigo 8.º

Funcionamento da comissão científica

  1. Os membros da comissão científica escolhem, anualmente, de entre os seus membros, um presidente.
  2. A comissão científica reúne-se ordinariamente em plenário duas vezes por ano e extraordinariamente sempre que convocada pelo seu presidente, por iniciativa deste ou a requerimento por um mínimo de dois terços dos seus membros.
  3. A comissão científica pode funcionar por secções sempre que se verifique a sua utilidade.
  4. Os membros da comissão científica que residam fora das áreas dos parques, reservas ou outras áreas classificadas têm direito ao pagamento das deslocações e ajudas de custo nos termos da lei geral.

Artigo 9.º

Serviços técnicos

  1. Cada área protegida é dotada de serviços técnicos de apoio considerados indispensáveis ao seu funcionamento.
  2. Aos serviços técnicos compete assegurar o funcionamento dos equipamentos, a execução técnica e física da gestão e das decisões da direção, bem como resolver todas as questões de ordem técnica dos parques, reservas ou outras áreas classificadas.

Artigo10.º

Serviços administrativos

  1. Cada área protegida é dotada de serviços administrativos de apoio considerados indispensáveis ao seu funcionamento.
  2. Aos serviços administrativos e auxiliares compete assegurar o expediente, a contabilidade e a gestão do património de cada parque, reserva ou outra área classificada.

Artigo 11.º

Planos Especiais de ordenamento do território

  1. Os Planos Especiais de Ordenamento do Território (PEOT) são instrumentos de política sectorial da responsabilidade da administração central que consistem em planos com incidência territorial.
  2. Os Planos estabelecem regimes de salvaguarda de recursos e valores naturais e o regime de gestão compatível com a utilização sustentável do território, desenvolvendo e concretizando, nos respetivos domínios de intervenção, as diretrizes definidas nos programas nacionais da política de ordenamento do território.
  3. Os Planos traduzem um compromisso recíproco de compatibilização com o programa nacional e com os planos regionais de ordenamento do território, prevalecendo sobre os planos municipais e intermunicipais relativamente aos quais tenham incidência espacial.

Artigo 12.º

Gestão de bens

Os bens do domínio público ou privado do Estado situados nas Áreas Protegidas de âmbito nacional e com relevância para a prossecução dos seus fins podem ser acompanhados na sua gestão pelo ICNF, em termos a definir por Resolução do Conselho de Ministros.

Artigo 13.º

Regulamentação

O Governo procede à regulamentação da presente lei e às adaptações legislativas necessárias à sua implementação.

Artigo 14.º

Norma revogatória

São revogados:

  1. O Decreto-Lei n.º 116/2019, de 21 de agosto;
  2. O n.º 4 do Artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de julho.

Artigo 16.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

  • Ambiente
  • Projectos de Lei
  • Áreas protegidas