Intervenção de Bernardino Soares na Assembleia de República

"Este orçamento não está ainda aprovado e muito menos está em vigor"

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Debate conjunto, na generalidade, das propostas de lei n.os 103/XII/2.ª e 100/XII/2.ª)

Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:

No estertor do seu descrédito, o Governo procura aprovar o Orçamento do Estado para 2013. Um Orçamento que tudo agrava, que é um multiplicador do desemprego, um destruidor da economia, uma tenaz sobre os direitos e, como já dissemos aqui esta semana, uma verdadeira máquina de fazer pobres. Um Orçamento em que se comprova que, com este caminho, a austeridade não tem fim.

Ontem mesmo, e depois de muitas insistências da nossa parte, o Primeiro-Ministro confirmou que já estão previstas novas medidas adicionais, no valor de mais de 830 milhões de euros, que o Governo ainda não explicita quais sejam.

É, de facto, um Orçamento que só merece os elogios dos Van Zeller, Ulrich e companhia, sempre à espera de abocanhar mais uma fatia da riqueza coletiva, dos fundos do Estado e da vida dos portugueses.

Não pode ser senão pura hipocrisia a parte final do discurso de ontem do Sr. Primeiro-Ministro. Só pode ser hipocrisia política falar de «ansiedades das famílias que, com orçamentos apertados, educam os seus filhos» quando se carrega nos impostos, se reduzem as deduções com a educação e se corta drasticamente a ação social escolar.

Só pode ser hipocrisia política falar de «frustrações dos desempregados» quando se pratica uma política para o aumento do desemprego e se corta mais e mais no subsídio de desemprego e no subsídio social de desemprego.

Só pode ser hipocrisia política falar de «novas formas de pobreza» quando se cortam 1040 milhões de euros em pensões e prestações sociais na proposta de Orçamento, diminuindo reformas, complemento das reformas mais baixas dos idosos ou rendimento social de inserção.

Só pode ser hipocrisia política falar de «pequenos empresários que lutam todos os dias para pôr em movimento as suas empresas» — dizia, ontem, o Sr. Primeiro-Ministro — quando se destrói a procura interna de que estes pequenos empresários dependem e se mantém, por exemplo, o IVA da restauração em 23%.

Um bocadinho de pudor não lhe ficava mal, Sr. Primeiro-Ministro!

Da mesma forma virá, provavelmente, a seguir o Sr. Ministro do Estado e dos Negócios Estrangeiros, e líder do CDS, fazer a intervenção de encerramento pelo Governo. Entre recados mais ou menos velados para sossegar o CDS, e sobretudo, talvez, recados para o Ministro das Finanças, fará o já conhecido exercício de malabarismo político, dizendo que está mas pode não estar; que subscreve uma proposta de Orçamento mas que, se calhar, não está de acordo com ela. Porém, já não dá para disfarçar que o CDS é coautor desta desgraçada política, e dessa responsabilidade não se livrará.

O partido dos contribuintes, que nunca o foi, é hoje, mais do que nunca, o partido do roubo aos contribuintes, trabalhadores e reformados; o partido da lavoura, que nunca o foi, é hoje o partido do IVA para as atividades agrícolas, da falta de apoios e da abdicação em Bruxelas; o partido das pequenas e médias empresas, que nunca o foi, é hoje o partido do IVA na restauração a 23%, o partido da destruição da procura interna.

Acabou-se a propaganda e o ilusionismo político: o CDS é responsável pela situação em que está o País e pelas consequências desastrosas deste Orçamento.

Neste debate, ficou bem claro que ao PSD, para defender o Orçamento, resta um, e só um, último argumento: as responsabilidades passadas do PS na situação a que o País chegou. Não há mais nada, nenhum argumento, nenhuma fundamentação para defender este Orçamento por parte do PSD.

São, aliás, muito curiosas as intervenções do PSD, que sistematicamente fazem referência àquilo a que chamam a governação socialista desde 1995, sempre esquecendo Barroso, Santana e Portas. Acontece que o PSD e o CDS foram, durante estes anos, os melhores amigos da governação do PS.

E não foi só pela viabilização do Orçamento para 2010, por estes dois partidos, e do Orçamento para 2011 e dos PEC 1, 2 e 3 pelo PSD! Foi também assim de 1995 a 2001. Senão, vejamos: Orçamento para 1996 — viabilizado pela abstenção do CDS e do PSD/Madeira; Orçamentos para 1997, 1998 e 1999 — viabilizados com a abstenção do PSD; Orçamento para 2000 — viabilizado pelo CDS; Orçamento para 2001 — viabilizado pelo Deputado do CDS Daniel Campelo; Orçamento para 2002 — viabilizado pelo Deputado independente Daniel Campelo, que, aliás, rapidamente voltou para o CDS, provando que era tudo jogo combinado com o Dr. Paulo Portas, sendo hoje, até, Secretário de Estado do atual Governo.

É isto que a realidade nos diz: o PSD e o CDS foram os melhores ajudantes do PS nos anos em que este esteve no Governo e de que agora se queixam.

Já o PS vem agora apresentar propostas que há dias ou semanas rejeitou, quando apresentadas pelo PCP (antes assim que ao contrário). Mas não basta falar do crescimento económico e do combate ao desemprego, é preciso dizer se se defende ou não mais investimento público e aumento dos salários e das reformas para fomentar o crescimento económico e o combate ao desemprego.

Mesmo que o PS não volte atrás, como já fez outras vezes, na recusa de uma nova e gravosa revisão constitucional, que agora nega, o certo é que enquanto não rejeitar em definitivo o pacto de agressão que assinou, que impede a política de que precisamos, enquanto estiver com um pé dentro e um pé fora, é responsável pelo afundamento do País.

A alternância sem alternativa que o PS propõe não serve ao País, porque é a continuação dos 36 anos de política de direita e da aplicação do pacto de agressão que o PS assinou com a troica.

Sabemos bem que a bancada do Partido Socialista fica muito incomodada quando a criticamos; acha-se no direito de não ser criticada e quer que critiquemos exclusivamente o PSD e o CDS. Ficar à espera que o Governo vá andando com o seu caminho de destruição para que lhe caia depois o poder no regaço pode ser uma boa tática para o PS, mas é um contributo objetivo para a destruição ainda maior do País, que é o que acontecerá se este Governo prosseguir até 2015, como o PS deseja, a sua política de terra queimada.

Um partido responsável, como o PS repetidamente afirma ser, não é aquele que permite que o País continue a caminhar para o caos, porque do caos nunca vêm soluções. Um partido responsável é aquele que tudo faz para interromper esse caminho para o desastre, e esse é o compromisso do Partido Comunista Português.

A questão da refundação do chamado Estado social ou, como disse ontem o Primeiro-Ministro, do reequilíbrio das funções e estruturas do Estado é apenas um eufemismo para entregar setores essenciais de serviços públicos aos privados, que deixariam de garantir os direitos dos portugueses e passariam a garantir os lucros do setor privado. Esta ofensiva tem de ser rejeitada, e não só recusando a revisão da Constituição. É que muito se pode fazer à revelia da Constituição, como hoje estão a fazer com a contratação coletiva ou com a negação de medicamentos essenciais, à revelia do que está na Constituição mas que estão a ser aplicados na vida real.

É certo que esta conversa da refundação visa também, lateralmente, desviar um pouco as atenções da gravidade do Orçamento, sim. Ela é também a confissão de que o caminho em curso com a política atual desemboca num segundo resgate, desejado pelo Governo e pelo grande capital. Mais do que isso, é a tentativa de rasgar a Constituição, de rasgar os fundamentos do regime democrático saído da revolução de Abril de 1974.

O Governo apresenta falsas opções e argumentos neste debate. É a velha conversa de que se não cumprimos o programa de agressão não temos dinheiro para pagar salários e pensões. Nunca há risco para as PPP ou para os benefícios fiscais do capital; o risco é sempre para quem trabalha! Com este programa, que não cria riqueza, é que não haverá dinheiro para nada, nem sequer para pagar a dívida.

Depois, o Governo fala do equilíbrio da balança externa. Mas como? À custa da recessão e procurando fazer esquecer que o crescimento das exportações é feito, no fundamental, nos produtos refinados, que não têm grande valor acrescentado, no ouro e metais preciosos, que são vendidos pelos portugueses para conseguirem sobreviver, e nos produtos farmacêuticos, que faltam nas farmácias portuguesas e que engrossam as exportações do País.

Quanto ao financiamento do Estado, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, em que é indispensável a renegociação, diz o Sr. Primeiro-Ministro que o BCE não pode tratar os países como se fossem bancos. Ó Sr. Primeiro-Ministro, o problema é que o BCE trata os bancos como se fossem países e ajuda-os a terem enormíssimas margens de lucro!

É falsa a opção, com que querem convencer os portugueses, de que ou aceitam mais impostos ou admitem ter menos serviços públicos. A fatia de leão dos impostos está a ir para os juros e para as rendas dos grupos económicos privados, não está a ir nem para a saúde nem para a educação, que levam cortes em cima de cortes. Aliás, se uma coisa é alternativa à outra, porque é que o Governo está a fazer as duas ao mesmo tempo: cortam nos serviços públicos e cobram mais impostos?

O Estado gastou mais do que devia nos últimos anos. Mas para onde foi esse dinheiro? Para a saúde? Para a educação? Para as reformas? Não, Sr. Primeiro-Ministro, foi para o BPN e para o BPP, para recapitalizar a banca, para os benefícios do offshore da Madeira, para as manobras da Jerónimo Martins, fugindo ao pagamento dos impostos. Foi para aqui que foi o dinheiro e não para beneficiar os portugueses.

Sr.ª Presidente, Srs. Deputados:

Não é com esta política que vamos lá. A votação deste Orçamento é da responsabilidade de todos e cada um dos que vão votar. Foi por não quererem assumir essa responsabilidade, individual e coletiva, que recusaram a nossa proposta de votação nominal. Mas desenganem-se, Srs. Deputados da maioria: serão responsabilizados pelos portugueses pela grave opção que aqui vão tomar.

Podem ter a certeza de que esta história não acaba aqui. Este Orçamento não está aprovado e muito menos está em vigor.

Pela nossa parte, continuaremos a lutar contra ele até ao último minuto, e muitos portugueses assim farão também. A greve geral do dia 14 será um momento decisivo da luta contra esta política e contra este Orçamento. Contem connosco para derrotar este Orçamento, este Governo e a política de direita que prossegue, porque essa é a melhor forma de honrar o mandato para que os portugueses nos elegeram.

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