No debate na generalidade do Orçamento do Estado para 2014, Bruno Dias afirmou que o governo faz uma razia no investimento e pela venda ao desbarato das empresas e sectores públicos, liquidando assim as possibilidades do estado intervir na recuperação económica e do desenvolvimento do país, entregando no entanto de mão beijada ao capital, património e empresas que são de todos os portugueses e deviam estar ao serviço do país.
Aprova o Orçamento do Estado para 2014
(proposta de lei n.º 178/XII/3.ª)
Aprova as Grandes Opções do Plano para 2014
(proposta de lei n.º 177/XII/3.ª)
Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
O senhor dizia há pouco que, quem obstinadamente se recusa a reconhecer os erros do passado, está condenado a repeti-los.
Sr. Primeiro-Ministro, eu diria que assim se compreende melhor este Orçamento e esta vossa insistência em repetir a mesma política de desastre nacional.
É o caso da opção pela razia no investimento e pela venda ao desbarato de empresas e setores públicos. Com os cortes no investimento público e a insistência no programa de privatizações, o Governo liquida as possibilidades de o Estado intervir para a recuperação e o crescimento económicos e o desenvolvimento do País, entregando, no entanto, de mão beijada ao capital o património e as empresas que são de todos os portugueses e que deviam estar ao serviço do País.
O Orçamento do Estado prevê um corte de 1000 milhões de euros no investimento público, em cima dos cortes que já vêm de trás, com tudo o que isso implica de desemprego e recessão, mas também de condenação do País ao atraso e à dependência, um corte no investimento que se irá traduzir na incapacidade de manter ou recuperar setores produtivos, na incapacidade produtiva do País para satisfazer as suas necessidades e desenvolver-se.
O investimento público, a preços correntes, tem hoje níveis inferiores aos de 1995, aos de há 18 anos, altura em que representava 4,2% do PIB. Hoje, representa 1,9% do PIB. A queda, desde 2011, a preços correntes, foi praticamente de um terço. Com este Governo, o investimento tem um papel residual, com um prejuízo incalculável para o País e que levará anos a ser reparado.
Os senhores dizem que este é um Orçamento de esperança. Mas faltou acrescentar: Orçamento de esperança para quem, Sr. Primeiro-Ministro?
Para os grupos económicos, que se preparam para comprar setores estratégicos da nossa economia a preços de sucata? Para aqueles que já se movimentam para o negócio milionário da privatização dos correios na Bolsa de Valores ou para a entrega dos transportes públicos aos interesses privados? Aí, sim senhor, Sr. Primeiro-Ministro, pode falar de um Orçamento de esperança! Pode falar até de festa e abundância! Pode falar até de milagre económico!
Mas não é assim para os trabalhadores dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo — unidade industrial estratégica da construção naval no nosso País —, aos quais os senhores negam um futuro.
Não é assim para quem trabalha ou para quem trabalhou uma vida inteira nas empresas de transportes e comunicações, confrontados com um autêntico roubo à traição, verdadeiramente inqualificável, a abrir caminho à privatização dos serviços.
Para a imensa maioria do povo português, Sr. Primeiro-Ministro, este não é um Orçamento de esperança, é, sim, uma declaração de guerra. Não se admire, portanto, de encontrar a resposta todos os dias nas ruas, nas empresas e nos locais de trabalho deste País, como já hoje está a acontecer e vai continuar a acontecer e a aprofundar-se, à declaração de guerra que os senhores estão a fazer.
Por muito que isto o divirta, Sr. Primeiro-Ministro, isto é uma desgraça nacional que a vossa política apresenta ao País e que vai ter a resposta com a luta de quem trabalha!
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo,
Sr. Ministro da Economia,
Afirmou o Sr. Ministro da Economia este mês que é um soldado disciplinado dentro deste Governo. Ao recordarmos as palavras que proferia há uns meses sobre o IVA da restauração, quem o viu e quem o vê, Sr. Ministro, é caso para dizer que diferente que o senhor ficou desde que foi «à recruta»!
É que, quando o Sr. Ministro aparece como soldado milagreiro dessa espécie de cruzada ou guerra santa pelas grandes empresas, fica a pergunta de onde está, afinal, a defesa pela mudança de fundo que o País exige e que o senhor defendia em relação ao IVA da restauração, relativamente ao qual os senhores o dia inteiro não têm uma única palavra.
Daí a primeira pergunta que eu gostava de lhe colocar: Sr. Ministro, consegue V. Ex.ª dizer, mesmo que seja baixinho, «IVA da restauração»?
Em relação a essa reforma histórica do IRC, que o senhor proclama, gostava de perguntar onde é que V. Ex.ª arranjou tempo para, nessa reforma, incluir um aumento do pagamento especial por conta de 1000 € para 1750 €, um aumento de 75% que penaliza e aumenta a asfixia financeira sobre as micro, pequenas e médias empresas.
E, por favor, não venha dizer, como a Sr.ª Ministra das Finanças fez, que esta reforma vem potencialmente beneficiar um universo de 330 000 empresas, sendo que, segundo o INE, empresas em Portugal há 300 000. Não queremos acreditar que, de acordo com as sociedades relevantes para efeitos de análise do INE, aquilo que os senhores apresentam como benéfico é maior do que aquilo que existe na economia portuguesa! Porque aquilo que existe, de facto, na economia real são micro e pequenas empresas que hoje têm a «corda na garganta» e não têm problemas de pagar muitos impostos sobre os lucros que não têm, pois é sobre os lucros que não têm que se coloca o problema. E aí está, de facto, o problema da procura interna.
Os senhores não só dizem, como até escrevem, e passo a ler: «O consumo privado das famílias, que representa 66,3% do PIB, é uma variável macroeconómica muito importante, cujo contributo para a estabilização e recuperação da economia e do emprego não deve ser negligenciada. Refira-se que houve uma queda acumulada de cerca de 9% do consumo privado em 2011 e 2012, prevendo-se que ainda se volte a verificar uma queda substancial este ano, apesar dos sinais mais recentes de alguma estabilização». Acabei de ler, Sr. Ministro, as Grandes Opções do Plano que estão aqui em discussão.
Perante estas vossas pias palavras, é preciso confrontar com os números da crua realidade e chegar à conclusão de que 90% dos trabalhadores do Estado, funcionários públicos, e das empresas do Estado, cerca de 635 000 trabalhadores vão ter um corte nos salários de 2,5% a 12% e com este corte são particularmente penalizados os trabalhadores com salários entre 600 € e 1500 € mensais e que 302 000 aposentados, cerca de metade dos atuais aposentados do Estado, irão sofrer um corte médio de 10%, com as medidas deste Orçamento do Estado.
Pergunto: o Sr. Ministro encontrou por aí algures a procura interna que anuncia para a importância de dois terços da economia nacional ou continua a prometer ao País um crescimento baseado nas exportações, que não responde a esses dois terços da nossa economia?
Os senhores dizem que não podemos ter um crescimento económico apoiado na dívida. De facto, a vossa receita é muito diferente: é de recessão económica ou, então, de estagnação económica consoante o milagre, é o encerramento de empresas, é o aumento do desemprego, é a maior dívida de sempre, que afinal só serve para manter o pipeline dos juros para a banca. Essa tal transformação estrutural que os senhores anunciam não é substituir importações por produção nacional, é substituir importações por fome, Sr. Ministro.
O Governo aderiu em força à política do «Não pagamos!». Não pagamos salários, não pagamos subsídios, não pagamos reformas, complementos de reforma, pensões de sobrevivência, abonos de família, prestações sociais. Perguntam ao Governo e este responde: «Não pagamos!».
Até na manutenção da rede ferroviária que está sob a tutela de V. Ex.ª, Sr. Ministro da Economia, o vosso lema é «Não pagamos!» e é sintomático e simbólico que este debate do Orçamento aconteça no último dia de funcionamento da Linha do Vouga, cujo encerramento está anunciado para a noite de hoje.
Sr. Ministro, pergunto-lhe: o que é que o discurso de V. Ex.ª tem que ver com a realidade do País?