Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

«Este é o acordo do declínio nacional»

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No debate quinzenal, o Secretário-Geral do PCP afirmou que este governo fica na história pelo aumento da exploração de quem trabalha, pelo ataque brutal aos direitos e ás condições de vida dos trabalhadores e do povo português. Só a luta derrotará estas políticas que conduzem ao retrocesso social e civilizacional, concluiu Jerónimo de Sousa.
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Debate com o Primeiro-Ministro sobre diálogo social e reforma do Estado

Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Veio apresentar um acordo de concertação e vangloriar-se da capacidade de promoção do diálogo do seu Governo como se fosse um troféu de caça. Classificou-o de histórico, tal como outros antes de si nas mesmas circunstâncias o fizeram, aqui e lá fora.
O acordo vai ficar na história não pelas razões que invocou, mas pelo que representa tal acordo em termos do exemplo da parcialidade do Estado, por ser um traiçoeiro ataque de um Governo que tomou o partido dos grandes interesses mas também por ter adotado a via da renúncia humilhante de outros.
Trata-se de um acordo onde é claro o objetivo de forçar os trabalhadores a trabalharem mais por menos dinheiro, um acordo que dá mais poder ao capital para controlar e decidir da vida profissional, familiar e social dos trabalhadores.
Trata-se de um acordo para despedir mais facilmente e de forma mais barata todos os trabalhadores.
Trata-se de um ataque à contratação coletiva e aos direitos sindicais, que transfere dinheiro da segurança social para promover a precariedade e que, ao mesmo tempo, aponta para a redução da atribuição do subsídio de desemprego no valor e no tempo. É um acordo onde alguns ganham muito mas em que a maioria perde em toda a linha.
Sr. Primeiro-Ministro, quanto à equidade, a hipocrisia tem limites. É que houve uma parte que ganhou e outra que perdeu. E o Governo não se limitou a fazer aquilo para que, aparentemente, a Constituição o remete, que é procurar pontes, entendimentos. Não! Foi parte de uma parte, obrigando a que, nesse acordo, a exploração aumente e as injustiças se acelerem.
Não há uma medida para promover o crescimento ou o emprego, mas, sim, para aprofundar o modelo de desenvolvimento assente nos baixos salários.
Sr. Primeiro-Ministro, ontem fui a um grande supermercado. Olhei para aqueles trabalhadores e pensei que a Jerónimo Martins bem pode preparar-se para transferir mais uns milhões de euros amassados à custa do sacrifício e da exploração daqueles trabalhadores. Por isso, Sr. Primeiro-Ministro, não venha vangloriar-se.
O Sr. Primeiro-Ministro diz que o acordo celebrado com a concertação social é histórico. Pois fique sabendo, Sr. Primeiro-Ministro (e não é por razões de otimismo histórico), que um dia o seu Governo vai ser derrotado e os trabalhadores hão de conseguir recuperar as parcelas que eles perdem hoje, com a sua atitude, com o seu posicionamento. Não se iluda, pois, no futuro, quem vai ser derrotado é este Governo e a sua política e não os trabalhadores e os seus direitos.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Sempre que, nesta Casa, se discutiram as sucessivas alterações ao Código do Trabalho ouvia-se sempre a mesma conversa fiada de que se visava aumentar a competitividade, a produtividade e o emprego. Ora, ao longo de 30 anos, foi o que se viu…
Portanto, não venha mais uma vez aqui contar a história da carochinha, porque o que sabemos é que, com estas alterações, vai haver menos competitividade, menos produtividade, mais desemprego e mais injustiças. Este é que é o problema!
Sr. Primeiro-Ministro, quer convencer-me de que, por exemplo, uma empresa de restauração, um pequeno restaurante vai beneficiar alguma coisa?! O que eles pretendiam era que houvesse clientes e que houvesse possibilidades. Mas não! Dão-lhes este prémio, este presente envenenado.
De qualquer forma, tenho de reconhecer que os grandes grupos económicos vão ganhar à farta com as medidas que o Governo tomou.
Sr. Primeiro-Ministro, quero dizer-lhe que não se libertará desta mancha indelével, que é uma ofensiva sem precedentes contra os direitos individuais e coletivos dos trabalhadores.
Sr. Primeiro-Ministro, uma questão que também tem pertinência tem a ver com o Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Hoje, estamos a verificar que nesta caminhada de destruição do SNS encaixa perfeitamente um conjunto de alterações que têm vindo a tomar e que levam à desorganização dos serviços, à desmotivação dos profissionais, à revolta e à hostilidade dos utentes contra o Serviço Nacional de Saúde.
Veja o que está a acontecer com as urgências nos hospitais de Lisboa após o encerramento do Hospital Curry Cabral.
Com a transferência da urgência desse hospital para os Hospitais de Santa Maria e de São José a alteração que se verificou foi um aumento significativo de doentes a precisarem de internamento. As urgências destes hospitais vivem, neste momento, uma situação caótica.
Como o Sr. Primeiro-Ministro anda sempre em viagens, vá ver ao Hospital Garcia de Orta, vá ver ao Hospital de Torres Vedras, vá ver ao Hospital de Guimarães, vá ver ao Hospital de São José e ao de Santa Maria esse espetáculo dramático que é ver pessoas deitadas horas e horas à espera de uma alternativa, de um internamento.
Ainda por cima, este Governo desvaloriza profissional e socialmente os médicos, reduz os seus rendimentos, reduzindo de forma significativa o pagamento do trabalho extraordinário, levando a que centenas de médicos já estejam a entregar minutas de recusa do trabalho extraordinário para além do obrigatório ou por razões de idade.
Mais: fomos informados de que 700 médicos se preparam para se inscreverem no sentido de emigrarem para França.
Em relação ao ataque ao Serviço Nacional de Saúde, o presidente do BES Saúde dizia algo importante: «Melhor do que o negócio da saúde, só o negócio das armas». É essa a guerra que este Governo está a abrir aos trabalhadores, contra o Serviço Nacional de Saúde!

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