Intervenção de

Estatuto do Minist?rio P?blico e C?digo do Processo Penal<br />Interven??o da deputada Odete Santos

Senhor PresidenteSenhor Ministro da Justi?aSenhor Secret?rio de EstadoSenhores Deputados. Temos hoje em debate dois diplomas cuja an?lise conjunta permite avaliar em que sentido entende o Governo usar de um dos instrumentos - 1 apenas - de combate ? criminalidade.- o C?digo do processo Penal. Mas deste n?o pode dissociar-se a an?lise das solu??es constantes do Estatuto do Minist?rio P?blico.O Governo mant?m, e refor?a mesmo o modelo constante do C?digo de Processo Penal de 1987. Dever? apurar-se se o refor?o se faz sempre no sentido correcto.Governo pretende alterar a Lei Org?nica do Minist?rio P?blico. Importar? saber at? onde vai o Governo na defini??o da autonomia do Minist?rio P?blico. Importar? saber se no desenho do modelo de Minist?rio P?blico corresponde ?s exig?ncias de um Minist?rio P?blico dirigindo a investiga??o criminal a cargo das pol?cias agindo na depend?ncia funcional daquele.Importa saber se as altera??es pretendidas cumprem simultaneamente os objectivos de combater a criminalidade nomeadamente a criminalidade altamente organizada, aquela que insidiosa e impunemente mina os esteios da Democracia.Mas simultaneamente importa averiguar se os direitos liberdades e garantias dos cidad?os, v?timas e arguidos, t?m na legisla??o processual penal as garantias suficientes dos seus direitos fundamentais.? necess?rio que se reconhe?a que pouco e pouco se chegou a determinado modelo, em que muito pesou a crise da justi?a penal, o surto de novos e sofisticados fen?menos de criminalidade pr?prios de uma sociedade a contas com um neoliberalismo selvagem, geradora de factores crimin?genos entre os possidentes e que estrebucha, sem meios para combater esses novos e sofisticados fen?menos, que como um polvo, se alimentam da diminui??o dos direitos fundamentais dos cidad?os.Somos atirados para modelos em que ?s garantias dos direitos fundamentais dos cidad?os se sobrep?em crit?rios de efic?cia e oportunidade, com aquelas tornadas conflituantes, em nome da seguran?a que os cidad?os reclamam.Isto porque n?o se tomam medidas a montante e a jusante. Porque em nome do neoliberalismo, se esqueceu, a montante, que a Democracia tem v?rias vertentes- a econ?mica, a social, a cultural E que ? a Democracia, na sua plenitude, que eficazmente combate a criminalidade, a grande criminalidade, que vive do seu enfraquecimento.Porque, numa sociedade em crise, a jusante da interven??o da Justi?a penal, se cria um conflito artificial , fomentado por alguns, entre a seguran?a dos cidad?os e a reinser??o social do condenado.No meio situa-se a m?quina judici?ria, e quase que s? a ela se exige que garanta a seguran?a dos cidad?os.O modelo processual penal ? acossado, e em nome do que dizem ser um excessivo garantimos, vamos fazendo altera??es, que sempre teoricamente encontram justifica??o, mesmo para cercear os direitos das v?timas. Como aconteceu com o sistema de repara??o das v?timas de crimes, vazado no actual C?digo do Processo Penal.Em nome da pureza do princ?pio da ades?o deixaram-se milhares de v?timas sem a justa repara??o, que no C?digo do processo Penal de 1929 lhes estava garantida. Salienta-se, desde j? como positiva, a altera??o que nesta mat?ria, prop?e o Governo para o C?digo do Processo Penal.Em nome da efic?cia foi enfraquecendo a figura do Juiz de Instru??o surgido no modelo processual penal como garante dos direitos , liberdades e garantias.Acusada a fal?ncia dos Juizes de Instru??o, criou-se o modelo de direc??o da investiga??o constante do actual C?digo do processo Penal. Para o triunfo da qual se reivindicou como necess?rio dotar o Minist?rio P?blico de verdadeira autonomia, dot?-lo dos meios t?cnicos e humanos necess?rios para verdadeiramente dirigir a investiga??o criminal, sem o que se corriam riscos de policializa??o da mesma. Com todos os perigos, ? mesma inerentes.A entrega da direc??o da investiga??o ao Minist?rio P?blico, magistratura que muito justamente reivindicava a consagra??o constitucional da sua autonomia, indispens?vel a quem, pela pr?pria Constitui??o, tem o Estatuto de defensor da legalidade democr?tica, entrou no texto Constitucional atrav?s da revis?o de 1989.Mas continuavam a faltar os pressupostos que confeririam ao Minist?rio P?blico na direc??o da investiga??o o papel de defensor da legalidade. Faltavam os meios t?cnicos e humanos, como ainda continuam a faltar.Os que desconfiavam da fartura, quando ao Minist?rio P?blico fora entregue ? direc??o da investiga??o, julgaram poder respirar quando se consagrou constitucionalmente a sua autonomia.Logo surgiu o contraponto. Uma altera??o da Lei Org?nica do Minist?rio P?blico viria a tentar limitar a fiscaliza??o pelo Minist?rio P?blico dos ?rg?os de pol?cia criminal, ? actividade processual destes.As consequ?ncias que daqui se poderiam extrair, ficaram bem patentes num famoso diploma dito- e mal dito- de combate ? corrup??o, atrav?s do qual se permitiam actividades extra- processuais da Pol?cia Judici?ria sem controle do Minist?rio P?blico. Como bem se anotou no Ac do Tribunal Constitucional que considerou inconstitucional o pr?- inqu?rito.Chegados ao ano de 1998, e depois de rejeitadas propostas do PCP para que a revis?o constitucional consagrasse expressamente maior autonomia do Minist?rio P?blico, nomeadamente atrav?s da constitucionaliza??o da Constitui??o do Conselho Superior do Minist?rio P?blico, ao qual n?o pertenceriam personalidades designadas pelo Ministro da Justi?a.Era isto que constava de projectos de lei anteriormente apresentados pelo PCP, PS e CDS, que unanimente consideraram que a inclus?o daqueles entidades contrariava a autonomia pois representavam um cord?o umbilical de liga??o ao executivo.Estranha-se dada a posi??o ent?o assumida pelo PS, enquanto oposi??o, que no Estatuto agora proposto, n?o tenho retomado a sua iniciativa legislativa- o Projecto de Lei 78/VI. E n?o vale dizer que o Tribunal Constitucional n?o julgou inconstitucional, em sede de fiscaliza??o preventiva de constitucionalidade do diploma que viria a ser a Lei 23/92. ? que o Tribunal Constitucional tamb?m n?o disse que era inconstitucional n?o incluir representantes do Governo no Conselho. A Constitui??o n?o o exige, deixando para a lei a defini??o da composi??o do mesmo.E o que importa saber ? se o PS mant?m o que disse em 1992 relativamente ? necessidade, como garantia da autonomia, de excluir a representa??o do Executivo do Conselho Superior do Minist?rio P?blico.O PCP apresentar?, na especialidade, uma proposta de altera??o, retomando o seu Projecto de Lei 88/VI. Saber-se-? ent?o quais s?o os limites ? autonomia desejados pelo Partido Socialista.E isto n?o ser? de somenos import?ncia na an?lise das propostas de lei, nomeadamente na an?lise da Proposta relativa ao Estatuto do Minist?rio P?blico.A quest?o da autonomia n?o ? de somenos import?ncia na reflex?o sobre a constitui??o do Departamento Central de Investiga??o e Ac??o Penal.Vem justificada a cria??o deste Departamento com o facto de o Minist?rio P?blico para verdadeiramente dirigir a investiga??o em crimes de grande complexidade, necessitar de concentra??o de meios que o municiem em rela??o a criminalidade altamente organizada.Esta foi, ali?s, a justifica??o para a cria??o do NAT.Como tive ocasi?o de assinalar a proposta constitui um modelo de Minist?rio P?blico um tanto diferente daquele por que v?nhamos clamando. N?o ?, no entanto, um modelo completamente diferente. Porque os meios proporcionados ao Minist?rio P?blico com a cria??o do DCIAP, tornam poss?vel o exerc?cio de uma verdadeira direc??o da investiga??o criminal. Investiga??o que continuar? a cargo dos ?rg?os de pol?cia criminal, a quem, ali?s, nomeadamente ? Pol?cia Judici?ria, devem ser concedidos meios que n?o t?m, para a investiga??o de crimes de extraordin?ria complexidade.Sem os meios que ? justo prever que o DCIAP proporcionar?, teremos um Minist?rio P?blico completamente desmuniciado, apondo assinaturas em volumosos processos, sem poder de facto dirigir a investiga??o criminal.Ponto ? que a este refor?o de meios correspondam tamb?m meios de refor?o da magistratura judicial. Um Juiz de prov?ncia a quem ? remetido um processo de extraordin?ria complexidade, tamb?m mais n?o far? do que apor um visto sobre uma assinatura do Minist?rio P?blico.Mas ponto ? tamb?m que se esbatam as possibilidades de governamentaliza??o do Minist?rio P?blico do DCIAP.O que deste modo se coloca n?o ? uma quest?o concreta, ? uma quest?o te?rica sobre a autonomia do Minist?rio P?blico. E o modelo da mesma definido na Lei.Ora, de acordo com a proposta, os Magistrados do Minist?rio P?blico no DCIAP s?o nomeados em comiss?o de servi?o renov?vel.Esta forma de nomea??o criando depend?ncias, a juntar ? ainda que mitigada liga??o ao executivo, pese embora o novo e mais transparente regime proposto relativamente ?s Directivas recebidas por uma magistratura hierarquizada, ? inaceit?vel por poder prefigurar riscos de depend?ncia em rela??o ao Governo . N?o est? em causa um Governo determinado, um PGR particularizado, mas um modelo de autonomia que queremos mais alargado.E aqui se entronca o Estatuto do Minist?rio P?blico com as altera??es que v?m propostas para o C?digo do Processo Penal.A nova criminalidade, as exig?ncias de celeridade da justi?a penal- tantas vezes levadas a tal ponto que impediriam a realiza??o da Justi?a - conduzem ? inevitabilidade das propostas de processos abreviados. Com a amplia??o de poderes do Minist?rio P?blico na determina??o da medida da pena.Somos colocados nesta mat?ria, em nome da seguran?a dos cidad?os, perante uma de duas op??es: ou se aceitam solu??es que levem a aproximar o momento do cometimento do facto delituoso do momento em ? pronunciada a senten?a, ou continuam a avolumar-se as exig?ncias de penas mais graves, e de uma execu??o de penas radicada na pura vindicta, sem quaisquer finalidades de reinser??o social do condenado.? inevit?vel a aceita??o da 1? hip?tese, j? que a 2? poder? redundar em espirais de viol?ncia que se abateriam sobre as v?timas e sobre os cidad?os em geral.No entanto, a aceita??o dos processos abreviados n?o pode fazer esquecer que estamos a criar uma justi?a para pobres. Uma justi?a expedita, a qual rapidamente cair? com a sua m?o pesada sobre o arguido que n?o disp?e dos meios complexos que permitir? ? criminalidade altamente organizada, alongar o processo, subtrair-se ? ac??o da Justi?a, para comparecer em julgamento, quando comparecer, longos anos ap?s, quando esbatidas as consequ?ncias sociais do crime.Por isso, porque apesar de o processo abreviado poder impedir a continua??o da habitua??o criminosa, e , se conjugada com uma verdadeira pol?tica de reinser??o social, poder restituir mais rapidamente o infractor ? vida em comunidade, porque apesar disso,n?o podem os desfavorecidos ver diminu?das elementares garantias, discordamos em absoluto que em nome da efic?cia ,se impe?a, por exemplo, o arguido de requerer a instru??o. Cremos mesmo, que esta ? uma solu??o inconstitucional. Os processos abreviados devem merecer uma especial aten??o.Mas a proposta de altera??es do C?digo do Processo Penal deve merecer ainda especial aten??o, j? que estando em causa o estatuto das duas magistraturas, deve obter-se um diploma consensual, que n?o d? origem a clivagens que v?o emperrar a m?quina judicial.Parece que esta proposta n?o teve um parto normal.A verdade ? que h? que compatibilizar as exig?ncias de maior efic?cia no combate ? criminalidade para protec??o das v?timas, com os direitos fundamentais do cidad?o de que o Juiz ? o ?ltimo garante.E nem todas as solu??es propostas realizam tal desiderato.Deve merecer total rejei??o a proposta de altera??o do n? 3 do artigo 356? do C?digo do Processo Penal.Na verdade, quer permitir-se que possam ser lidas em audi?ncia as declara??es prestadas perante o Minist?rio P?blico, quando actualmente apenas podem ser lidas as prestadas perante o Juiz.Esta solu??o parece-me inadmiss?vel. Porque nas declara??es prestadas perante o Minist?rio P?blico a defesa n?o teve possibilidade de contraditar. As mesmas foram prestadas perante quem investiga para recolher prova para a acusa??o.Compreende-se que a proposta tem como pano de fundo debilidades ou algumas dificuldades sentidas na investiga??o.Mas a investiga??o tem de ser melhorada, por forma a n?o necessitar de suprir defici?ncias com a viola??o do princ?pio do contradit?rio.Mas tamb?m outras dificuldades pr?ticas de funcionamento da Justi?a Penal se vislumbram noutras propostas apresentadas.Estamos a falar na solu??o dada ao artigo 40? que pretende contornar a declarada inconstitucionalidade de interven??o no julgamento do Juiz que tenha tido qualquer interven??o na investiga??o.Estamos a falar da proposta relativa ao artigo 398? n? 2 que viola o princ?pio do acusat?rio pois permite-se que o Juiz que discorda da san??o proposta pelo Minist?rio P?blico, julgue, ele mesmo, o arguido em processo sumar?ssimo.Compreendemos a necessidade de acelerar o processo penal.J? nos parece, por?m inadmiss?vel que em nome dessa celeridade se restrinja o direito constitucionalmente consagrado de recurso, estabelecendo-se a inadmissibilidade de recurso em rela??o ao despacho judicial que aprecia quest?es como a compet?ncia do Tribunal e a falta de legitimidade do Minist?rio P?blico.Como nos parece que est?o em causa, simultaneamente os direitos dos cidad?os e o estatuto da magistratura judicial, como garante daqueles direitos quando se impede o Juiz, durante o inqu?rito, de aplicar ao arguido medida de coac??o de natureza diferente.Parece-nos que se acentua demasiado a fun??o passiva do Juiz de Instru??o defendida por alguns como solu??o ?ptima para o processo penal. S?-lo-? para a celeridade, mas n?o para o cidad?o.E ? tamb?m uma viol?ncia para o cidad?o poder ser submetido a julgamento sem que nenhum ind?cio exista contra si. O que poder? acontecer dada a impossibilidade constante da Proposta, de o Juiz rejeitar a acusa??o por falta de ind?cios. ? claro que tamb?m esta proposta vem justificada com base no princ?pio do acusat?rio. Mas a verdade ? que, quando conv?m, se esquece este princ?pio.Cremos que, de facto, o Processo Penal convive muito mal com a figura do Juiz de instru??o.A proposta de lei tem propostas positivas, e j? atr?s se assinalaram. A que se juntam as propostas relativamente ao processo de ausentes, falida que est? a contum?cia. Ela mesmo respons?vel pelo enfraquecimento da imagem da Justi?a Penal perante os cidad?os.Como positivo ? o retorno no caso de pequenos delitos.O que hoje estipula o C?digo do processo penal- pris?o at? apresenta??o em julgamento- em nada contribuiu, com a perman?ncia dos cidad?os nas esquadras, para a seguran?a dos cidad?os.Diga-se em abono da verdade que a autoriza??o legislativa que deu origem ao actual C?digo obrigava a manter o sistema anterior- Levantamento do auto de not?cia e liberta??o do arguido com a sua notifica??o para comparecer no julgamento em determinado dia e hora. Obrigava a isto por que a al?nea da autoriza??o legislativa foi alterada na Assembleia.Mas o anterior Ministro da Justi?a ignorou deliberadamente a autoriza??o da Assembleia, e com tal atitude obrigou muitos cidad?os a permanecerem injustificadamente na esquadra. Determinado, desta forma, a necessidade de cria??o dos Tribunais de turno necess?rios para que os cidad?os que cometem pequenos delitos ( cerca de 90% dos que comparecem nos Tribunais de turno) n?o permane?am desnecessariamente presos).Enfim, e a terminar, Senhor Presidente, Senhores Deputados, Senhor Ministro da Justi?a, Senhor Secret?rio de Estado, a efic?cia tem de ser temperada com um sistema que garanta as v?timas, os cidad?os, e que respeite o Estatuto das duas Magistraturas.As solu??es propostas lan?am algumas d?vidas que consideramos pertinentes. modelo do processo penal n?o pode ser, nem ?, o mais importante meio de combate ? criminalidade.Combata-se substantivamente a criminalidade. E n?o teremos de andar ?s arrecuas, descobrindo onde ? que se pode cortar mais uma fatia nas garantias.Disse.

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