Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Estatuto do Bolseiro de Investigação

Actualização extraordinária das bolsas de investigação. Primeira alteração à Lei n.º 40/2004, de 18 de Agosto (Estatuto do Bolseiro de Investigação) Estatuto do Pessoal de Investigação Científica em formação (projectos de lei n.ºs 41/XI/1.ª e 42/XI/1.ª)
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Dificilmente, nos 4 minutos de que dispomos, conseguirei fazer uma apresentação profunda dos projectos de lei do PCP, sendo também difícil descrever a situação das pessoas que vivem na situação que é o motivo da apresentação destes projectos de lei do PCP.
Trata-se de pessoas que trabalham no sistema científico e técnico nacional e que são, muito provavelmente, o topo de gama da mão-de-obra qualificada nacional e que não sabem se amanhã terão as condições de trabalho que têm hoje. Têm um regime precário de prestação de trabalho que não é tido como tal, sem protecção na doença, sem subsídio de desemprego, sem direito a férias pagas, sem direitos de maternidade e paternidade, com remunerações que não são actualizadas há quase uma década e que, por isso mesmo, desvalorizam o seu trabalho. Esta é uma primeira nota que gostávamos de deixar aqui no Plenário.
Para o PCP, não é possível — e isso desmonta bem a propaganda do Governo — fingir que se aposta na ciência enquanto se desvalorizam aqueles que nela trabalham e que, de facto, produzem a ciência e o conhecimento em Portugal. É uma falácia julgar que é possível, de forma supra-estrutural, investir na ciência enquanto se continua, sistematicamente, a atacar os direitos mais elementares dos seus trabalhadores.
São cerca de 17 000 aqueles que hoje prestam trabalho científico em Portugal e, um pouco à semelhança do que se faz por todo o País, com recurso abusivo aos recibos verdes, também neste caso se dá cobertura a trabalho que é prestado e que reverte para o Estado e para outras instituições mas que não tem por base um contrato laboral, um vínculo.
Aquilo que o Governo afirma, no seu próprio Programa, reconhecendo a necessidade de integrar estes trabalhadores no regime geral da segurança social, denuncia bem a hipocrisia com que se tem vindo a encarar esta matéria: para umas coisas reconhece-se que são trabalhadores, para lhes reconhecer aqueles direitos mais elementares é necessário que haja o acesso ao regime geral da segurança social, mas para terem um vínculo, calma lá!, para terem um vínculo é que não!, devem continuar precários e docilmente precários, agora até com alguns direitos que são assegurados aos trabalhadores.
O que é preciso é valorizar a mão-de-obra qualificada do nosso País, para que um jovem ou um menos jovem, actualmente bolseiro, saiba se para o ano vai poder continuar a entregar o seu contributo intelectual no seu País, que é onde ele quer entregar, ao contrário de ser forçado a ir para o estrangeiro, procurando melhores condições, como acontece com muitos.
O outro projecto de lei que o PCP apresenta visa tão simplesmente a actualização do valor das bolsas. Desde 2002 que o valor das bolsas não é revisto, em relação a algumas delas até há mais tempo. Isto significa, contas simples, que já há uma perda de poder de compra de 20%. O que o PCP propõe é que seja feita uma actualização extraordinária mínima de 5% a 10%, em função do valor da bolsa. Julgamos ser da mais elementar justiça e é um desafio que deixamos também às restantes bancadas. (…)
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Aproximamo-nos do final deste debate e é importante deixar claro que o Governo, apesar da conversa e da propaganda em torno da ciência e da investigação e desenvolvimento, fazendo inclusivamente desses itens quase que bandeiras da sua política, desvaloriza sistematicamente os trabalhadores da ciência e bloqueia objectivamente a entrada de novos quadros no sistema científico e tecnológico. Foi o actual Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior que, em 2004, disse que o próprio país se desmoronaria enquanto estivessem bloqueados os acessos aos quadros no sistema científico e tecnológico nacional. E é esse mesmo Ministro que agora vem impor o recurso à figura do bolseiro de investigação científica para suprir todas as necessidades, das mais elementares às mais exigentes, desse mesmo sistema científico nacional. Esta é uma ilustração clara das contradições do Governo.
No entanto, não podemos deixar de responder às questões que foram aqui levantadas pelo Partido Socialista, o que farei muito brevemente, Sr. Presidente. Foi dito que ao Governo cabe governar e que a esta Assembleia caberá legislar. A Sr.ª Deputada Teresa Damásio não estará ainda muito por dentro da forma como esta Assembleia fiscaliza, intervém, recomenda e legisla, no sentido de condicionar e orientar, porque é essa também a sua função e porque a democracia é isso, ou seja, independentemente da maioria que se constituiu, chegar-se a acordo com as forças que aqui têm assento e que trazem os problemas do exterior.
Sr.ª Deputada, quando o Governo governa mal é dever desta Assembleia trazer aqui esses problemas para que sejam resolvidos. O Governo quer governar mas, enquanto continua a enganar os bolseiros e a dizer que vai apresentar uma proposta, que apresenta para o ano, que apresenta em Março, que apresenta em Junho ou em Julho e nunca apresenta proposta nenhuma, esta Assembleia deve ser chamada a intervir.
É o que o PCP tem feito desde há vários anos, sempre que o Governo falha na sua tarefa de governar em função dos interesses do País, não só dos interesses dos bolseiros de investigação científica, porque estamos a falar de uma camada de trabalhadores altamente qualificada que entrega de boa vontade uma mais-valia tremenda ao desenvolvimento nacional.
Bem sabemos que, para o PS, não havia investigação nem desenvolvimento, porque, não havendo sistema produtivo, não havendo produção nacional, pouco importa a ciência, a investigação e o desenvolvimento. Contudo, esse não é o interesse nacional, e se o Governo governa de forma adversa ao interesse nacional cabe a esta Assembleia legislar, orientar e intervir.

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