Intervenção de Rita Rato na Assembleia de República

Estatuto do Aluno dos Ensinos Básico e Secundário

Segunda alteração ao Estatuto do Aluno dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pela Lei n.º 30/2002, de 20 de Dezembro (projectos de lei n.os 180/XI/1.ª e 191/XI/1.ª)
Sr. Presidente, Sr. Deputado José Manuel Rodrigues, A primeira pergunta que gostaria de lhe deixar é esta: se estas medidas são tão boas, por que é que há oito anos que não funcionam? Porque, de facto, o Sr. Deputado falou-nos aqui de agilização do regime sancionatório, mas, desde 2002, que o caminho tem sido este. O CDS nunca rompeu o caminho do autoritarismo e do securitarismo aberto pelo Partido Socialista. Quando diz aqui que a esquerda se enganou, eu respondo-lhe que não foi a esquerda! Foi a «esquerda do Partido Socialista», que, muitas vezes, nem se considera esquerda. A «esquerda do Partido Socialista», em 2007, quando falou do aprofundamento do caminho do autoritarismo e da punição, insistiu no caminho aberto em 2002 pelo CDS e pelo PSD. Portanto, convém fazer um exercício de memória e recordar que as alterações propostas pelo PS, em 2007, em nada combateram as propostas feitas pelo CDS e pelo PSD, em 2002!! Quero saudá-lo, desde já, pelo reconhecimento de que são necessárias equipas multidisciplinares nas escolas — aliás, o PCP foi o primeiro partido a propor aqui, na Assembleia, que se criassem essas equipas multidisciplinares —, mas permita-me que lhe diga que, com a ajuda do CDS na aprovação do Orçamento do Estado, se calhar, vai ser difícil constituir essas equipas, porque não sei onde é que o Ministério da Educação vai ter orçamento para concretizar esta medida tão importante para combater a violência, o insucesso e o absentismo na escola. Gostaria ainda de lembrar-lhe que, no ano lectivo de 2008-2009, cerca de 2400 crianças foram acompanhadas pelo Instituto de Apoio à Criança, através dos Gabinetes de Apoio ao Aluno e à Família. Os principais problemas detectados nestas 2400 crianças foram situações socioeconómicas débeis, disfuncionalidade familiar e abandono escolar. Este retrato é bem claro de que o caminho que tem de ser percorrido é no sentido da valorização da acção social escolar e nunca da limitação do direito de acesso a essa acção escolar. Portanto, a pergunta que aqui lhe deixo, Sr. Deputado, é esta: entende que a medida hoje proposta pelo CDS-PP de retirada da acção social escolar aos alunos é uma medida eficaz de combate às situações socioeconómicas débeis ou é, antes, uma medida de combate à exclusão e às desigualdades sociais?! (…) Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Odete João, Ao ouvi-la, de repente, até parece que não existem nem Ministério da Educação nem Governo responsáveis pela política educativa! A Sr.ª Deputada encaminha todas as decisões prioritárias do processo educativo para a autonomia das escolas e fala-nos aqui das equipas disciplinares, que já existem e que devem ser reforçadas, no âmbito da autonomia de cada escola. Pergunto-lhe, Sr.ª Deputada, se entende que é uma prioridade fundamental e se as escolas têm, hoje, orçamento e financiamento possível para contratarem psicólogos, para contratarem assistentes sociais, para contratarem animadores socioculturais?... Entende a Sr.ª Ministra que a realidade das escolas é esta? Para além de fazerem face a um orçamento para adquirir, por exemplo, livros para o Plano Nacional de Leitura, onde é que as escolas ainda vão arranjar orçamento para tomar medidas tão importantes e tão decisivas? Esta é uma responsabilidade do Ministério da Educação e o Governo tem de assumir esta responsabilidade no sentido de dotar a escola destes meios. A Sr.ª Deputada disse aqui que este não é um processo acabado. Não é, certamente, Sr.ª Deputada! Enquanto existirem, nas escolas, mais de 6500 funcionários não docentes, contratados através de contratos emprego-inserção, este processo não está acabado. Estes funcionários desempenham tarefas fundamentais para o bom ambiente escolar, desempenham tarefas permanentes, mas têm um contrato precário e, ao fim de 12 meses de estarem nas escolas e de estarem integrados no ambiente escolar, acabam por ter de sair, por ter de abandonar e por serem substituídos! Outra questão que gostaria de lhe colocar era a de saber se o PS está disponível para viabilizar uma política de combate ao desemprego e de valorização do emprego com direitos. Enquanto existirem nas escolas mais de 40 000 professores contratados entre AEC (actividades de enriquecimento curricular) e ensino regular, certamente não é com a desvalorização do trabalho destes profissionais que estamos a caminhar no sentido da integração. Pergunto, pois: está o PS disponível para combater o desemprego e a precariedade e para reconhecer a valorização do trabalho destes funcionários e o trabalho com direitos? (…) Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Em 2002, o Governo PSD/CDS alterou o Estatuto do Aluno, responsabilizando quase exclusivamente o estudante pelas incapacidades da escola e da sociedade. Agudizaram o carácter autoritário e sancionatório do Estatuto e agravaram o seu pendor «penal», agilizaram procedimentos sancionatórios e desresponsabilizaram о Estado perante a intervenção nas escolas. «O que se pretende é conquistar os alunos para a escolarização e para a aprendizagem e não penalizá-los e castigar num sentido pura e simplesmente punitivo.» «A suspensão do aluno entender-se-ia melhor passando sempre pela intervenção do conselho de turma, em vez de f icar sob a alçada de uma só pessoa.». «Não creio que se resolvam os problemas da autoridade do professor e da indisciplina pela imposição de um regulamento.». Estas palavras não são do PCP, eram do Partido Socialista, que depressa chegado ao Governo esqueceu estas palavras e foi ao encontro da direita. Chegaram mesmo mais longe: novas regras 27 DE MARÇO DE 2010 33 para a determinação de faltas e efeitos decorrentes, desvalorização das insuficiências materiais e humanas das escolas e desvalorização da presença do estudante nas actividades lectivas. A introdução de um regime de faltas sem distinção entre faltas justificadas e injustificadas para efeitos de uma prova de recuperação e um regime sem retenções cumpriam o objectivo de manipular as estatísticas do abandono e do insucesso escolar. A opção política do Governo PS de uma intervenção dirigida exclusivamente ao vector disciplinar e autoritário, em detrimento de uma política de investimento no sistema educativo, de reforço da capacidade da escola para responder às adversidades e aos problemas sociais e educativos, de melhoria das condições materiais e humanas dos estabelecimentos de ensino, de um sério combate à elitização e triagem social veio, passados oito anos, provar que este é um caminho sem saída. Sobrevive o problema da violência, do abandono e do insucesso escolar. A escola não é hoje mais democrática e inclusiva. Pelo contrário, cresceram as burocracias, punições e sanções, cresceu o volume de trabalho burocrático dos professores, porque sobrevive à abordagem superficial sem procurar combater o problema na raiz. A escola não é uma fortaleza e os problemas mais gerais da sociedade tendem a ultrapassar os muros das escolas e a reproduzir no seu seio efeitos preocupantes. É por isso que urge a tomada de medidas integradas de reforço de apoio económico e social às famílias e nunca o inverso. É por isso que é urgente dotar as escolas dos meios humanos necessários ao seu funcionamento: mais funcionários e vigilantes, mais professores, mais professores de ensino especial, mais psicólogos, mais assistentes sociais, mais animadores sócio-culturais! É urgente reduzir a dimensão das turmas, criar gabinetes pedagógicos de integração escolar que acompanhem a aplicação das medidas correctivas no âmbito do Estatuto do Aluno, concretizar a gestão democrática das escolas, envolvendo a participação de todos os parceiros educativos na resolução dos problemas. É urgente a formação de professores e funcionários na prevenção e gestão de conflitos; é urgente uma política de financiamento do ensino básico e secundário que dote as escolas de condições materiais e técnicas para a criação de espaços lúdicos, recreativos, desportivos e de convívio; é urgente uma política de valorização do trabalho pedagógico do professor, de estabilidade do corpo docente e não-docente, de respeito pelo seu trabalho e reconhecimento dos seus direitos. O PS, o PSD e o CDS-PP apenas vêem o problema da violência e do insucesso escolar com os óculos do «securitarismo» e do autoritarismo, ao mesmo tempo que insistem na desresponsabilização do Estado, como ficou bem claro neste Orçamento de Estado. A quebra de investimento público na educação, o congelamento das prestações sociais, a entrada de apenas um por cada dois funcionários públicos que se reformem não preocupam a direita e o Governo. O PCP uma vez mais afirma que só uma intervenção estruturada e integrada que olhe às condições sociais, económicas e culturais da sociedade e da escola podem construir uma escola mais democrática e inclusiva.

  • Educação e Ciência
  • Assembleia da República
  • Intervenções