Projecto de Lei N.º 183/XI-1.ª

Estatuto do Aluno do Ensino Básico e Secundário

Estatuto do Aluno do Ensino Básico e Secundário

 

 
Segunda alteração à Lei nº 30/2002, de 20 de Dezembro, que aprova o Estatuto do Aluno do Ensino Básico e Secundário, alterada pela Lei n.º 3/2008, de 18 de Janeiro
 
 
A disciplina e a indisciplina em ambiente escolar são frequentemente utilizadas pelos governos como pretextos para a justificação de grande parte dos problemas que se vivem no interior dos estabelecimentos de ensino. Concepções retrógradas de autoritarismo surgem como remédio para os graves problemas que se vivem na sociedade e se reflectem, incontornavelmente na própria Escola. O Estatuto do Aluno aprovado pela Lei nº 30/2002 consubstancia uma responsabilização do Estudante pelas incapacidades da Escola e da sociedade, mesmo que em grande parte dos casos, não lhe possam ser imputadas. A agilização de processos disciplinares, a atribuição de autênticas penas e sanções no ambiente escolar, como se de uma escola se não tratasse, vieram demonstrar a sua ineficácia para a resolução dos problemas concretos, apenas agravando os fenómenos de exclusão, sem que tenha sequer existido um impacto positivo no quadro das comunidades escolares, tendo em conta que os casos de violência e indisciplina continuam a verificar-se com semelhante intensidade.
 
A actuação política exclusivamente dirigida sobre o vector disciplinar e autoritário, não acompanhada por uma política consistente de investimento no Sistema Educativo, sem uma política de reforço da capacidade da Escola para responder às adversidades e aos problemas sociais e educativos que se lhe colocam, sem uma actuação perante a melhoria das condições materiais e humanas dos estabelecimentos de ensino e sem um forte e inequívoco combate à elitização e triagem sociais em ambiente escolar, não poderá nunca constituir a resposta necessária para os problemas que se vivem nas escolas portuguesas.
 
O actual Governo do Partido Socialista, sustentado pelo Grupo Parlamentar da maioria fez aprovar exclusivamente com os seus votos a primeira alteração a esse diploma, alterando-o para “Estatuto do Aluno dos Ensinos Básico e Secundário” e introduzindo um conjunto de medidas que motivou críticas na Assembleia da República e fortes lutas e movimentações estudantis, que continuam a fazer-se sentir.
 
Na verdade, as alterações introduzidas pelo actual Governo foram, praticamente, sem excepção, no sentido da agudização do carácter autoritário e sancionatório do Estatuto, agravando o seu pendor “penal”, agilizando procedimentos conducentes à sanção e demitindo o Estado perante a intervenção em ambiente escolar, culpabilizando o estudante e os seus comportamentos pelo abandono e insucesso escolares. No entanto, o Governo e o PS foram mais longe: introduziram novas regras para a determinação de faltas e para os seus decorrentes efeitos, norteados por uma tentação já habitual de branqueamento de resultados e realidades, ocultando insuficiências das escolas e desvalorizando a presença do estudante nas actividades lectivas. A introdução de um regime de faltas controverso, sem distinção entre faltas justificadas e faltas injustificadas para efeitos de uma prova de recuperação constituída tem como único propósito iludir as estatísticas do abandono e do insucesso. A consagração de um regime sem retenções, ao invés de ser conseguida através do reforço dos meios da escola, da capacidade do professor e do apoio social, é atingida através de manobras administrativas de reflexos meramente estatísticos. O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português defendeu sempre uma alternativa face às propostas do Governo do PSD/CDS, em 2002 e face à proposta do Governo do PS em 2007. Tendo em conta a situação criada nas escolas pelo actual estatuto do aluno, as incompreensões geradas e os problemas agudizados, o Governo foi forçado a reconhecer o erro que cometeu na aprovação deste Estatuto, depois de ter arrogantemente ignorado todos os contributos do PCP. A forma, porém, como o Governo, através do Ministério da Educação, decide subverter o que havia sido estabelecido na Lei é inaceitável e demonstrativa do carácter fortemente prepotente deste Ministério. Depois de ter imposto à Assembleia da República uma visão distorcida do papel das faltas, depois de ter, contra todos os restantes grupos parlamentares, imposto um regime de provas de recuperação complexo e aplicável a todas as situações de ultrapassagem de limite de faltas (justificadas ou injustificadas), veio o mesmo Governo, através de um Despacho do Ministério da Educação, tentar emendar o seu erro. Mais grave é o facto de o Governo ter tentado responsabilizar os professores e Conselhos Executivos das escolas por uma suposta má interpretação da Lei, quando estes se limitavam a cumpri-la linearmente. Uma vez mais, tentou o Ministério da Educação fugir às suas responsabilidades e iludir os seus erros para denegrir aqueles que, no seu dia-a-dia, são obrigados a cumprir o chorrilho legislativo que traduz nas escolas esta fúria do Governo contra a Escola de Abril.
 
Se existe uma vitória dos estudantes que denunciaram persistentemente as consequências desse regime, não deixa de se verificar uma solução encontrada à pressa e aplicada contornando os mais elementares processos legislativos da Democracia Portuguesa.
 
Por considerar que, quer a forma, quer a solução encontradas pelo Governo são desajustadas do papel da Escola Pública e da realidade escolar portuguesa, o Grupo Parlamentar do PCP, apresenta um conjunto de alterações ao actual Estatuto no sentido de intervir concretamente sobre os seus aspectos mais graves, sem prejuízo de uma avaliação global negativa que faz do diploma no seu conjunto.
 
Passados oito anos da sua aplicação os resultados estão à vista: não resolveu o problema da violência em meio escolar; não contribuiu para o combate ao abandono e ao insucesso escolar; não criou uma escola mais saudável e democrática. Pelo contrário, aumentaram os procedimentos burocráticos e punitivos para lidar com estes problemas, cresceu o volume de trabalho burocrático dos professores, mantém-se a abordagem de primeira linha, sem procurar combater o problema na raiz.
 
Durante o ano lectivo de 2008/2009, 2326 crianças foram acompanhadas pelo Instituto de Apoio à Criança através dos Gabinetes de Apoio ao Aluno e à Família, sinalizadas entre 21.558 alunos de 21 agrupamentos de escola. Os principais problemas detectados foram o “Mau comportamento fora da sala de aula (911) ”, “Situações Socioeconómicas débeis (894) ”, “Disfuncionalidade familiar (814) ”, e “Abandono escolar (787) ”.
Este retrato é bem revelador que estes problemas têm raiz na pobreza e exclusão social, nas desigualdades sociais, em milhares de famílias que vivem sem o mínimo de condições de dignidade. Problemas desta natureza são resolvidos com mais protecção social, com reforço das condições materiais e humanas das escolas no acompanhamento destes comportamentos ao primeiro sinal, com intervenção integrada e estruturada. Os problemas de violência em meio escolar, absentismo, abandono, e insucesso escolar serão sempre agravados com o caminho autoritário e securitário. A resposta passa pela inclusão dos alunos e nunca pela sua exclusão da escola e da sociedade em geral.
 
 
Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projecto de Lei:
 
 
Artigo 1.º
Alterações à Lei nº 30/2002, de 20 de Dezembro, que aprova o Estatuto do Aluno do Ensino Básico e Secundário, alterada pela Lei n.º 3/2008, de 18 de Janeiro
 
Os artigos 16º, 17.º, 19.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 28.º, 48.º, 49.º, 50º, 51.º e 55º da Lei n.º 30/2002, de 20 de Dezembro, alterada pela Lei n.º 3/2008, de 18 de Janeiro passam a ter a seguinte redacção:
 
 
Artigo 16.º
[…]
1 — […].
2 — São registadas no processo individual do aluno as informações relevantes do seu percurso educativo, designadamente as relativas a comportamentos meritórios e a medidas disciplinares aplicadas e seus efeitos.
3 — […].
4 — […].
 
 
Artigo 17.º
[…]
 
1- […].
2- […].
3- […].
4- O facto de o aluno não se fazer acompanhar do material necessário às actividades escolares é alvo de registo exclusivamente no âmbito da avaliação contínua, sem lugar à marcação de falta.
 
Artigo 19.º
[…]
 
1- São faltas justificadas as dadas pelos seguintes motivos:
a) […];
b) […];
c) […];
d) […];
e) […];
f) Assistência na doença a membro do agregado familiar;
g) […];
h) […];
i) […];
j) […];
k) […].
2) […];
3) […];
4- [...].
5- […].
6- […].
 
 
Artigo 22.º
[…]
 
1 - Verificada a existência de faltas dos alunos, a escola pode promover a aplicação da medida ou medidas disciplinares previstas no artigo 26.º que se mostrem adequadas, considerando igualmente o que estiver contemplado no regulamento interno.
2 - Sempre que um aluno atinja um número total de faltas injustificadas correspondente a duas semanas no 1.º ciclo do ensino básico ou o dobro de tempos lectivos semanais, por disciplina, nos restantes ciclos e níveis de ensino, deve o Director de Turma, o professor da disciplina em causa e, se necessário, o Conselho de Turma, ponderar a aplicação de uma das seguintes medidas:
a) O cumprimento de um plano de acompanhamento especial e a consequente realização de uma prova de recuperação;
b) A retenção do aluno inserido no âmbito da escolaridade obrigatória, a qual consiste na sua manutenção, no ano lectivo seguinte, no mesmo ano de escolaridade que frequenta;
3 - [Revogado].
4 – Para efeitos do disposto no nº 2 do presente artigo, o professor da disciplina pode, sempre que considerar útil ou necessário, submeter o aluno a processos específicos de avaliação complementar, elaborados e concebidos segundo cada situação específica.
5 – [Revogado].
6- Os efeitos das faltas previstos nos números anteriores não são aplicáveis a trabalhadores-estudantes, que atestem comprovadamente essa situação junto da escola ou agrupamento de escolas.
 
Artigo 23.º
[…]
 
A violação pelo aluno de algum dos deveres previstos no artigo 15.º ou no regulamento interno da escola, em termos que se revelem perturbadores do funcionamento normal das actividades da escola ou das relações no âmbito da comunidade educativa, constitui infracção, passível da aplicação de medida disciplinar, nos termos dos artigos seguintes.
 
 
Artigo 24.º
Finalidades das medidas disciplinares
 
1- Todas as medidas disciplinares prosseguem finalidades pedagógicas e de integração, visando, de forma sustentada, o cumprimento dos deveres do aluno, a preservação do reconhecimento da autoridade e segurança dos professores no exercício da sua actividade profissional e, de acordo com as suas funções, dos demais funcionários, visando ainda o normal prosseguimento das actividades da escola, a correcção do comportamento perturbador e o reforço da formação cívica do aluno, com vista ao desenvolvimento equilibrado da sua personalidade, da sua capacidade de se relacionar com os outros, da sua plena integração na comunidade educativa, do sentido de responsabilidade e das suas aprendizagens.
2 – [Revogado].
3 - As medidas disciplinares devem ser aplicadas em coerência com as necessidades educativas do aluno e com os objectivos da sua educação e formação, no âmbito, tanto quanto possível, do desenvolvimento do plano de trabalho da turma e do projecto educativo da escola, e nos termos do respectivo regulamento interno.
4- [Revogado].
 
Artigo 25.º
[…]
 
Na determinação da medida disciplinar aplicável deve ser tido em conta, a gravidade do incumprimento do dever violado, a idade do aluno, o grau de culpa, o seu aproveitamento escolar anterior, o meio familiar e social em que o mesmo se insere, os seus antecedentes disciplinares e todas as demais circunstâncias em que a infracção foi praticada que militem contra ou a seu favor.
 
 
Artigo 26.º
Medidas disciplinares
 
1- [Revogado].
2- São medidas disciplinares, sem prejuízo de outras que, obedecendo ao disposto no artigo anterior, venham a estar contempladas no regulamento interno da escola:
a) A advertência;
b) A ordem de saída da sala de aula;
c) A realização de tarefas e actividades de integração escolar;
d) A repreensão registada;
e) A realização de trabalhos suplementares com peso avaliativo.
 
3- […].
4- A aplicação da medida disciplinar prevista na alínea b) do número 2, é da exclusiva competência do professor respectivo e implica a permanência do aluno na escola, competindo aquele, determinar, o período de tempo durante o qual o aluno deve permanecer fora da sala de aula, se a aplicação de tal medida acarreta ou não a marcação de falta ao aluno e quais as actividades, se for caso disso, que o aluno deve desenvolver no decurso desse período de tempo.
5- Anterior nº 6.
6- A aplicação de medidas disciplinares previstas em qualquer das alíneas do número 2 é comunicada ao encarregado de educação.
 
 
Artigo 28.º
[…]
 
A aplicação das medidas disciplinares previstas nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 26.º da presente lei é cumulável entre si.
 
 
 
 
Artigo 48.º
[…]
 
1- A decisão final do procedimento disciplinar, devidamente fundamentada é proferida no prazo máximo de dois dias úteis, a contar do momento em que a entidade competente para o decidir o receber, devendo constar da decisão a indicação do momento a partir do qual a execução da medida disciplinar começa a produzir efeitos.
2- [Revogado].
3- [Revogado].
4- [...].
 
Artigo 49.º
Execução das medidas disciplinares
 
1- Compete ao director de turma ou ao professor titular de turma, o acompanhamento do aluno na execução da medida disciplinar a que foi sujeito, devendo aquele articular a sua actuação com os pais e encarregados de educação e com os professores da turma, em função das necessidades educativas identificadas e de forma a assegurar a co-responsabilização de todos os intervenientes nos efeitos educativos da medida.
2- A competência referida no número anterior é especialmente relevante aquando da execução da medida disciplinar de actividades de integração na escola.
3- [Revogado].
4- Na prossecução das finalidades referidas no n.º 1, a escola conta com a colaboração dos serviços especializados de apoio educativo e dos gabinetes pedagógicos de integração escolar, que funcionam nos termos do artigo seguinte.
 
Artigo 50.º
[…]
1 — […].
2 — [Revogado].
3 – […].
4 – […].
 
Artigo 51.º
[…]
 
Entre o momento da instrução do procedimento disciplinar ao seu educando e a sua conclusão, os pais e encarregados de educação devem contribuir para o correcto apuramento dos factos e diligenciar para que a execução de eventual medida disciplinar prossiga os objectivos de reforço da formação cívica do educando, com vista ao desenvolvimento equilibrado da sua personalidade, da sua capacidade de se relacionar com os outros, da sua plena integração na comunidade educativa, do seu sentido de responsabilidade e das suas aprendizagens.
 
Artigo 55.º
[...]
 
1 - A aplicação de medida disciplinar prevista na presente lei, não isenta o aluno e o respectivo representante legal da responsabilidade civil a que, nos termos gerais de direito, haja lugar, sem prejuízo do apuramento da eventual responsabilidade criminal daí decorrente.
2 – […].
3 – Quando o comportamento do aluno menor de 16 anos, que for susceptível de desencadear a aplicação de medida disciplinar, se puder constituir, simultaneamente, como facto qualificável de crime, deve a direcção da escola comunicar tal facto à comissão de protecção de crianças e jovens ou ao representante do Ministério Público junto do tribunal competente em matéria de menores, conforme o aluno tenha, à data da prática do facto, menos de 12 ou entre 12 e 16 anos, sem prejuízo do recurso, por razões de urgência, às autoridades policiais.
4 – […].
 
Artigo 2.º
Aditamento à Lei nº 30/2002, de 20 de Dezembro, que aprova o Estatuto do Aluno do Ensino Básico e Secundário, alterada pela Lei n.º 3/2008, de 18 de Janeiro
 
São aditados os artigos 49.º- A e 55.º-A à Lei n.º 30/2002, de 20 de Dezembro, alterada pela Lei n.º 3/2008, de 18 de Janeiro, com a seguinte redacção:
 
Artigo 49.º-A
Gabinete Pedagógico de Integração Escolar
 
1- O Gabinete Pedagógico de Integração Escolar, adiante designado por GPIE, é, em todas os agrupamentos com escolas do segundo e terceiro ciclos do ensino básico e do ensino secundário da rede pública, composto por um psicólogo, um profissional das ciências da educação, um animador sócio-cultural, um assistente social, um professor da escola, um funcionário da escola e um representante da associação de estudantes.
2- O GPIE pode, sempre que entenda oportuno, chamar a participar outros agentes educativos, nomeadamente um representante da Associação de Pais e Encarregados de Educação.
3- Ao GPIE compete, em articulação com os órgãos pedagógicos e de gestão da escola:
a) O acompanhamento da execução de medidas disciplinares, no prosseguimento dos objectivos da integração e da boa vivência escolares;
b) A realização, promoção ou dinamização de iniciativas próprias, no âmbito do combate à exclusão, à violência e à indisciplina e da promoção de um ambiente de cidadania, participação e responsabilidade;
c) O acompanhamento social e pedagógico do aluno, a pedido deste ou por recomendação do conselho de turma.
 
Artigo 55.º- A
Adaptações Terminológicas
 
A secção II do capítulo V da Lei n.º 30/2002, de 20 de Dezembro, alterada pela Lei n.º 3/2008, de 18 de Janeiro, passa a ter a seguinte epígrafe: «Medidas disciplinares».
 
Artigo 3.º
Norma revogatória
 
São revogados os artigos 27.º, 43.º e 47.º da Lei n.º 30/2002, de 20 de Dezembro, alterada pela Lei n.º 3/2008, de 18 de Janeiro.

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