Intervenção de David Costa na Assembleia de República

Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social

apreciação parlamentar do Decreto-Lei n.º 172-A/2014, que altera, ao abrigo e no desenvolvimento da Lei n.º 30/2013 — Lei de Bases da Economia Social, de 8 de maio, o Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de fevereiro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 9/85, de 9 de janeiro, 89/85, de 1 de abril, 402/85, de 11 de outubro, e 29/86, de 19 de fevereiro
(apreciação parlamentar n.º 123/XII/4.ª)

Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
O Decreto-Lei que hoje aqui apreciamos, da autoria do Governo PSD/CDS, altera o Estatuto das IPSS e revela bem o que esta política de direita quer fazer do Estado e ao Estado.
Com este Decreto-Lei, o PSD e o CDS vêm criar condições de governamentalização dos princípios de ação das instituições sem ter em conta a sua diversidade de campos de ação, transmitindo responsabilidades cuja competência é do Estado, nomeadamente das suas funções sociais, para as instituições particulares de solidariedade social, ao arrepio da Constituição.
Para que fique bem claro, nada move o PCP contra o trabalho meritório destas instituições, bem pelo contrário.
O PCP bate-se, e sempre se bateu, por uma rede de serviços públicos com qualidade, universal e de proximidade para todos os cidadãos. Consideramos da maior importância a ação destas instituições como complemento das redes públicas na saúde, na educação e na proteção social, entre outras, redes públicas a que o Estado está obrigado constitucionalmente. Tal posição defende a igualdade de acesso aos equipamentos numa rede capaz de responder às necessidades da população.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputado, devemos ser rigorosos — o que aqui está em apreciação não é o objeto destas instituições, mas sim a relação que o Estado com elas estabelece.
Em bom rigor, o âmbito restrito de atuação para que o Decreto-Lei em apreço remete, subordinando a sua ação aos princípios orientadores de economia social definidos na Lei n.º 30/2013, aprovada pelo PSD e pelo CDS, assume um carácter muito redutor quanto aos princípios que norteiam a diversidade das instituições existentes, o que configura uma tentativa de governamentalização inaceitável, assim como a delimitação estatutária das IPSS imposta pelo mesmo Decreto representa uma interferência na vida das entidades que devem estar sujeitas aos seus estatutos e à participação dos seus sócios.
Em suma, estamos perante um Decreto que evidencia claramente uma segmentação e uma delimitação das instituições abrangidas.
É evidente que, numa primeira nota, o Governo pretende condicionar os princípios de ação de muitas instituições organizadas numa lógica associativa mais vasta e que assenta na ação organizada e voluntária de defesa de interesses e direitos específicos de setores da população, os quais, simultaneamente, prestam solidariedade social na falta de uma rede pública adequada, como, por exemplo, as associações de idosos, de reformados ou de defesa de políticas de promoção setorial.
É evidente que, numa segunda nota, o caminho iniciado, numa primeira fase, pelo Partido Socialista, com a cedência de equipamentos estratégicos e fundamentais para o Estado assumir as suas responsabilidades, é um caminho agora aprofundado com legislação que se insere na privatização de importantes funções sociais do Estado e na adoção de politicas de pendor assistencialista e caritativa, transferindo responsabilidades e competências para as IPSS, pretendendo que intervenham com menos meios financeiros do Estado, sujeitando-as a formas de gestão empresarial.
E tudo isto à custa da disponibilidade voluntária dos seus dirigentes e sem ter em conta os direitos dos trabalhadores das IPSS e as necessidades de quem necessita do apoio destas instituições.
É evidente, numa última nota, que o Governo, com a aprovação deste Decreto-Lei, que altera e delimita os estatutos das IPSS e a prossecução desta política, engana as instituições, criando-lhes a ilusão de que, através de um protetorado de economia social, as mesmas podem substituir-se ao Estado sem constrangimentos economicistas e em contradição com a sua finalidade expressa no dever moral de justiça e de solidariedade.

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