Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

Estatuto da Ordem dos Economistas, Estatuto da Ordem dos Engenheiros e Estatuto da Ordem dos Engenheiros Técnicos

Altera o Estatuto da Ordem dos Economistas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 174/98, de 27 de junho, em conformidade com a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais
(proposta de lei n.º 294/XII/4.ª)
Altera o Estatuto da Ordem dos Engenheiros, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 119/92, de 30 de junho, em conformidade com a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais
(proposta de lei n.º 301/XII/4.ª)
Altera o Estatuto da Ordem dos Engenheiros Técnicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 349/99, de 2 de setembro, em conformidade com a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais
(proposta de lei n.º 302/XII/4.ª)

Sr. Presidente,
Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Economia,
Queria colocar uma questão muito concreta ao Sr. Secretário de Estado, que tem a ver com o envolvimento e a participação das Ordens profissionais neste processo legislativo, matéria a que o Sr. Secretário de Estado fez referência no grupo de trabalho interministerial e no trabalho que foi feito ao longo do tempo para apresentação destas propostas de lei.
A questão que lhe coloco tem a ver com o parecer das respetivas Ordens no tocante às propostas de lei sobre os estatutos que lhes diziam respeito. É que os preâmbulos destas propostas de lei são praticamente todos iguais: têm quatro parágrafos e em nenhum se diz que tenha sido ouvida a respetiva Ordem e na base de dados do processo legislativo da Assembleia não consta nenhum parecer das Ordens envolvidas nas respetivas discussões.
A seguir, vamos ter um debate sobre a Ordem dos Arquitetos e no preâmbulo da proposta já se diz que foi ouvida a Ordem dos Arquitetos.
Pergunto: há algum relatório, algum documento, algum parecer que a Assembleia da República possa obter por parte do Governo? Aliás, no cumprimento da lei, do Regimento da Assembleia, da Constituição da República, os senhores devem instruir os processos legislativos com os pareceres e com os documentos técnicos necessários para a discussão, e isto não está a acontecer.
Portanto, numa matéria com esta delicadeza, com esta sensibilidade, seria ainda mais necessário e expectável que o Governo apresentasse o relatório, o parecer por parte das Ordens profissionais, o que não aconteceu. Há alguma razão para isso, Sr. Secretário de Estado?
(…)
Sr. Presidente,
Sr.ª Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade,
Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Economia,
Srs. Deputados:
Começo não só por saudar os representantes das ordens profissionais presentes nas galerias com interesse nesta discussão, mas todos os profissionais, homens e mulheres, destas áreas do conhecimento e atividade — engenheiros, engenheiros técnicos, economistas.
Gostaria de dizer que, com estas propostas de lei, há, na nossa opinião, um ponto de partida nesta discussão — e já o temos dito noutras discussões relativas a ordens profissionais —, que tem a ver com a integração das ordens profissionais e o seu enquadramento legal na diretiva de serviços, do ponto de vista das opções e políticas comunitárias, e nas políticas de liberalização e precarização das profissões e do trabalho.
Consideramos, portanto, que esse é um mau ponto de partida porque, como já aqui foi dito, o facto de o Governo andar a toque de caixa da troica em relação à lei-quadro repercute-se, depois, nas propostas de lei que temos em presença.
Há um problema político que remete mesmo para a conceção do Estado e da democracia, que é o problema da tutela administrativa, que já decorre da lei-quadro e para o qual o PCP alertou na altura própria: é que o Estado, ao reconhecer o interesse público e a especificidade destas profissões, assim como a necessidade de ser consagrado um sistema de autorregulação com autonomia, decide delegar competências nas ordens profissionais, o que deveria implicar que se assumisse em pleno as consequências de tal opção, ou seja, a única tutela devia ser a da verificação da legalidade, e para isso não é necessário haver tutela do Governo.
Ora, o que o Governo apresenta com estas propostas é o contrário, é a tutela administrativa por parte do Governo sobre as Ordens para as quais delega responsabilidades.
No caso da Ordem dos Engenheiros, essa tutela do Governo implica a homologação dos regulamentos dos estágios, das especialidades, das especializações, da admissão e qualificação… Todos estes regulamentos têm de ser sujeitos à homologação do Governo.
Pergunto aos Srs. Membros do Governo qual é a importância, qual é a vantagem, qual é o interesse. Por que é que o Governo tem direito de veto em relação a estes regulamentos?
Aliás, é conhecida a multiplicidade das especialidades de engenharia, é conhecida a diversidade do trabalho que é desenvolvido quer pelos engenheiros, quer pelos engenheiros técnicos em domínios que vão desde o ambiente à floresta, à agronomia, até à aeronáutica e à química, etc., etc., e face a isto é, no mínimo, incompreensível que ainda por cima seja determinada uma tutela administrativa, a ser exercida pelo membro do Governo responsável pelo setor da construção. Não faz sentido, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo.
Quanto ao envolvimento e participação das Ordens, nós não afirmámos que as Ordens estiveram à margem da discussão. Nada disso! Nós perguntámos pelo relato, pelo registo, pela sistematização desse debate e desse trabalho. Não tem nada a ver com os pareceres «frios» ou com os relatórios «quentes» que o Sr. Secretário de Estado tenha na gaveta, não tem nada a ver com isso. Essa é, aliás, uma visão redutora e empobrecida da participação e a não compreensão disso, que o Sr. Secretário de Estado, ele próprio, manifestou na sua intervenção, é preocupante e dá razão para, diria, alguma tristeza. É porque um Parlamento que é confrontado com uma proposta que passou por algum tempo de maturação e debate e nós não sabemos que debate foi esse é a mesma coisa que uma Assembleia da República publicar apenas leis sem dar publicidade ao processo legislativo. É exatamente a mesma coisa! Nós precisamos saber, de uma forma aprofundada, como é esse processo de debate e de trabalho conjunto que os senhores alegam, porque nós já estamos muito para além do tempo da tradição oral, Srs. Membros do Governo.
Por outro lado, três referências curtas em relação a estas propostas de lei.
A possibilidade de serem as ordens e associações públicas profissionais a regular matérias de restrição ao acesso e exercício das profissões não nos parece a melhor solução, porque é matéria de direitos, liberdades e garantias definida pela Constituição da República, que apenas deve estar sujeita à intervenção legislativa e não à intervenção que consta, como primeira missão, no artigo 3.º da proposta de estatuto da Ordem dos Engenheiros. Temos, pois, uma divergência nesta matéria.
Em relação aos estágios e aos estagiários, o PCP tem uma preocupação de fundo que, sistematicamente, vimos manifestando, que tem a ver com uma proposta que apresentámos aquando da discussão da lei-quadro para garantir a remuneração do trabalho dos estagiários sempre que esse trabalho seja feito com elementos objetivos que permitam identificar as situações em que tal acontece. Nós adiantámos esses elementos.
Temos preocupação relativamente ao parecer e ao conteúdo das preocupações manifestadas pela Comissão Nacional da Proteção de Dados em relação às questões do Estatuto da Ordem dos Economistas, nomeadamente, e ao tratamento de dados pessoais que está vertido em três ou quatro artigos desse Estatuto e à forma como isso é publicitado.
Finalmente, uma última palavra sobre o papel da concentração normativa no plano técnico e científico, sobre a formação académica e o exercício da profissão respetiva, da parte de engenheiros e engenheiros técnicos, apenas para referir que, particularmente neste domínio, algum dia, a Assembleia da República e o País terão de fazer um debate mais aprofundado sobre as implicações e as consequências concretas do que tem sido e está a ser, no País, o Processo de Bolonha, em termos de qualificações e diferenciação de profissões. Teremos de fazer este debate e os Srs. Deputados compreendem e concordam, seguramente, com a pertinência desta observação.

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