Do Decreto-Lei n.º 75 /2010, de 23 de Junho de 2010, que «Procede à alteração ao Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril»
Publicado no Diário da República n.º 120, Série I, de 23 de Junho de 2010
A importante luta dos professores em defesa da Escola Pública e da dignidade e valorização da sua carreira profissional, levada a cabo de forma persistente e com todo o empenho das suas estruturas sindicais, traduziu-se em resultados políticos de grande relevo. Isto é válido, quer no que respeita ao resultado final global da negociação que veio verter, no novo estatuto, um importante conjunto de reivindicações centrais nesse processo de luta dos professores, quer no que diz respeito às alterações no quadro da correlação de forças na Assembleia da República.
O fim da divisão da carreira é certamente a mais evidente vitória, mas não serão insignificantes alguns avanços, tias como a dispensa de realização da prova de ingresso pela generalidade dos docentes contratados que se encontram no sistema, ou, ainda o modelo de avaliação de desempenho que, no entanto, acaba por ser subvertido pelo modelo de gestão escolar que vigora e pelas quotas constantes no SIADAP e aqui aplicáveis.
No entanto, independentemente dos resultados obtidos pela luta dos professores, subsistem injustiças e normas que não salvaguardam os direitos, nem respeitam a dignidade profissional dos professores portugueses. Além disso, os direitos dos jovens professores e daqueles que, mesmo não sendo jovens, se encontram em exercício da profissão através de contratos a tempo determinado, continuam sem a devida salvaguarda, nomeadamente no que toca à integração na carreira e, mesmo, ao índice remuneratório em que se encontram.
Do conjunto de reivindicações dos professores, destacam-se as que não foram incluídas nas questões negociadas e outras tantas que foram alvo de rejeição ao longo do processo de negociação com o Governo. O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português solidarizou-se desde o início com a justa luta dos professores portugueses e com cada uma das exigências que colocaram. Por isso mesmo, no seguimento desse comportamento assumido, o PCP não pode deixar de tornar a trazer para a Assembleia da República a discussão em torno das questões mais importantes e mais injustas que persistem no Estatuto da Carreira Docente.
A manutenção da prova de ingresso na profissão, a não contagem de todo o tempo de serviço prestado e o injusto reposicionamento na carreira que daí decorre, as características do regime de avaliação - nomeadamente, a impossibilidade de eleição do professor relator -, as regras e critérios para elaboração dos horários de trabalho e a sua não adequação às exigências que se colocam ao exercício da profissão docente, os conteúdos das componentes lectiva e não lectiva, ou a inexistência de qualquer regime para vinculação de docentes, entre outras questões, permanecem na lista das intervenções necessárias. Intervenções que são indispensáveis, não apenas para satisfação das reivindicações dos professores portugueses, mas essencialmente, para a dignificação do papel da Escola Pública e para a sua capacitação no sentido do cumprimento das suas responsabilidades, ainda mais num quadro tão exigente como o que decorre do alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos.
A Escola Pública de qualidade depende, em grande medida, das condições objectivas em que os profissionais da educação e outros profissionais das escolas desempenham as suas tarefas. A funcionalização do professor, a existência de constrangimentos burocráticos e administrativos que constituem verdadeiros obstáculos à sua plena motivação e ao seu progresso intelectual e profissional são claros entraves à realização integral da sua tarefa na formação de homens e mulheres integrados na sociedade, educados para a democracia e com uma formação cultural e cívica adequada. Ao invés, a burocratização do papel do professor, a instrumentalização da gestão escolar e das relações entre professores, a incoerência de algumas das tarefas docentes, a imposição de ritmos absurdos de trabalho e de actividades não lectivas que sobrepõe às lectivas contribuirá apenas para a degradação da qualidade do ensino, para a limitação do desenvolvimento profissional do pessoal do docente e, em última análise, para o empobrecimento paulatino da Escola Pública, cada vez mais transformada num depósito de crianças e jovens. Um depósito onde se reproduzem ou até intensificam as assimetrias sociais e económicas que se verificam na sociedade, quando, na realidade, a Escola Pública deve ser o espaço onde, por excelência, se criam as condições para uma vivência sã, num contexto de ensino -aprendizagem livre das imposições economicistas e libertado dos constrangimentos políticos que visam, no essencial, a sua desfiguração e desmantelamento progressivos.
O ataque desferido contra os direitos dos professores não é, de forma alguma, dissociável do ataque aos direitos dos trabalhadores da Administração Pública e à generalidade dos trabalhadores portugueses. É precisamente nesse sentido que a desvalorização da função docente e a limitação à progressão na carreira e ao cumprimento pleno dos deveres e direitos dos profissionais se enquadram numa estratégia de ataque às funções sociais do Estado que parece longe de ter o seu fim à vista. Valorizando o alcance dos resultados obtidos pelos professores, da dinâmica de massas que atingiu a sua luta e a sageza da negociação sindical, não deixará o Grupo Parlamentar do PCP de trazer à Assembleia da República este ou qualquer outro estatuto de carreira, como, aliás, tem feito ao longo da presente legislatura, enquanto persistirem injustiças e imposições prejudiciais à Escola, aos professores, aos estudantes e às suas famílias.
Nestes termos, ao abrigo do artigo 169.º da Constituição da República e do artigo 189.º do Regimento da Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do PCP requer a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de Junho, que «Procede à alteração ao Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de Abril» (publicado no Diário da República n.º120, Série I, de 23 de Junho de 2010).
Assembleia da República, em 9 de Julho de 2010