[Procede à sétima alteração à Lei n.º 63-A/2008, de 24 de novembro, que estabelece medidas de reforço da solidez financeira das instituições de crédito no âmbito da iniciativa para o reforço da estabilidade financeira e da disponibilização de liquidez nos mercados financeiros]
(proposta de lei n.º 181/XII/3.ª)
Sr. Presidente.
Sr.ª Ministra de Estado e das Finanças,
A questão que quero colocar-lhe é muito rápida.
Se para justificar os assaltos e os roubos aos portugueses a pretexto do pacto de agressão, se diz que «quem paga é quem manda», por que razão agora, que são os portugueses a pagar os desmandos e as aventuras da banca e, inclusivamente, os prejuízos, não são os portugueses que mandam na banca?!
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
Ao longo dos últimos anos, os portugueses viram milhares de milhões de euros serem desviados do financiamento do Estado, dos serviços públicos, dos salários, das pensões, para o apoio a instituições bancárias que, pela exposição à crise do sistema financeiro ou por desmandos, aventuras, fraudes e crimes, ficaram em situação de risco.
Não deixa de ser, logo à partida, irónico que sejam aqueles que louvam o capitalismo, a suposta redução do papel do Estado na economia, os primeiros a clamar pelo Estado quando o lucro capitalista está em risco.
Não deixa de ser curioso também que sejam estes que justificam os lucros, por vezes obscenos, com a existência de um risco subjacente à atividade a mostrar que, afinal, não existe qualquer risco, pois, quando ele surge, o Estado, com o dinheiro de quem trabalha, rapidamente o elimina.
É um perverso mecanismo, este, de pôr o Estado, o dinheiro daqueles que vivem do seu trabalho, que descontam para ter saúde, educação, cultura, ambiente, proteção social, a acorrer a instituições privadas que contraem dívida acima da sua capacidade ou não apresentam capital regulamentar, como lhes é exigido, apesar de, no passado ou, mesmo, em passados recentes, terem realizado distribuição de dividendos correspondentes a lucros que, afinal de contas, não existiam.
É uma traição àqueles que pagam impostos para um conjunto de direitos que lhes é cada vez mais negado e que acabam por ver esses mesmos impostos a salvar os que sempre viveram da especulação.
A proposta de lei que o Governo aqui apresenta não elimina nenhuma das críticas que o PCP faz aos mecanismos de recapitalização da banca com recurso a investimento público. O Governo pretende criar a ilusão de que o processo — que é sujo e imoral por natureza — pode parecer «limpinho» e que é possível o Estado salvar os lucros dos acionistas da banca privada de forma moral. Não é possível moralizar um desvio desta natureza!
Além disso, fica claro que o novo regime não se aplica aos processos de recapitalização já em curso.
Desde já, suscitamos aqui duas questões.
Primeira questão: mesmo que o processo de recapitalização do Banif tivesse ocorrido na vigência desta proposta de lei, como poderia o Governo assegurar que os acionistas do banco quereriam participar na sua recapitalização? E o que sucederia se não participassem por não considerarem rentável o negócio, como, aliás, sucedeu no passado?
Segunda questão: o regime excecional criado na lei surge sempre que o banco em causa possa colocar, com a sua insolvência, o sistema financeiro nacional em situação de instabilidade. Ora, esse mesmo foi o pretexto para justificar a desastrosa intervenção do Estado no BPN, acordada entre PS, PSD e CDS. Ou seja, apesar da aparente moralização introduzida pela proposta de lei, esta não moralizaria nenhum dos casos referidos, dois dos mais flagrantes casos de recapitalização com recurso a investimento público em Portugal.
Se um banco português de grande dimensão viesse a necessitar de intervenção estatal, nenhum plano de reestruturação seria necessário, nenhum travão ou condição seria introduzido, por via desta proposta, ao investimento público pela simples razão de que, rapidamente, seria invocada a excecionalidade pelo facto de serem instituições com peso na estabilidade do sistema financeiro nacional — uma vez mais, a mesma desculpa utilizada para a chamada «nacionalização do BPN».
Em 2012 e em 2013, o Estado português acorreu a capitalizar a banca, em 4500 milhões de euros para o BCP e para o BPI e mais 1100 milhões de euros para o Banif. Até agora, o Estado despendeu 9000 milhões de euros para processos de recapitalização e para cobrir os custos dos ativos tóxicos do BPN. Só em 2012, o Estado gastou mais a recapitalizar bancos do que no funcionamento de todo o ensino básico e secundário (incluindo salários de professores e funcionários) e seis a sete vezes mais do que gasta, num ano, em ação social escolar no ensino superior. São meros exemplos.
Esta situação não pode continuar, com mais ou com menos regulamentação. A solução não é saber o que exige o Estado à banca para a recapitalizar com recursos do povo, a solução é parar de o fazer.
Esta proposta de lei anuncia-se, como já foi referido pela Sr.ª Ministra, no seguimento de uma comunicação da Comissão Europeia. Na mesma altura em que a Comissão Europeia quer impedir que os Estados apoiem a produção cultural porque entende que apoiar a produção cultural é uma distorção nos mecanismos da livre concorrência, a mesma Comissão não só permite como estimula e encoraja o apoio direto dos Estados aos acionistas da banca.
Numa altura em que, a pretexto do défice, da dívida, da ocupação estrangeira pela troica, surgem constantes apelos ao rigor, à contenção e à austeridade, como é possível permitir que a banca, com mais ou menos condições, possa ser capitalizada com recurso a financiamento público? Como é possível que a disciplina e o rigor não se estendam à relação do Estado com a banca? A banca desempenha um papel demasiado importante para que possa estar confiada a privados. A história prova-o e a situação nacional comprova-o!
Parafraseando um ditado, «o Estado pode tirar a banca privada da lama, mas não pode tirar a lama da banca privada».