Intervenção de

Estado da democracia - Intervenção de Bernardino Soares na AR

Interpelação ao Governo sobre política geral centrada no estado da democracia e nas condições do exercício de direitos e liberdades fundamentais

 

Sr. Presidente,
Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares,

A minha defesa da honra justifica-se pela circunstância de ter referido a presença, que entende criticável, de uma jornalista, que é da redacção do jornal Avante, na direcção do Sindicato dos Jornalistas.

Esta intervenção do Sr. Ministro é bastante ilustradora daquilo que é a postura do Governo em relação à liberdade de imprensa, à liberdade de associação e à liberdade de exercício dos direitos sindicais.

Porventura, o Governo gostaria que aqueles que estão no Index dos comunistas não pudessem ser eleitos para determinados cargos, mas, para desgraça do Sr. Ministro e, porventura, do Partido Socialista - veja bem! -, mesmo sendo a jornalista em causa membro da redacção do Avante e, assumidamente, militante do PCP, mereceu a confiança da classe jornalística, que a elegeu para a direcção do Sindicato dos Jornalistas!

Mas o Sr. Ministro e o PS não convivem bem com este exercício da liberdade democrática que os jornalistas tiveram, que foi o de quererem eleger uma direcção que, para além de outras coisas, também tinha um membro que, por acaso, é militante comunista e da redacção do jornal Avante.

Isso incomoda muito o Governo do Partido Socialista, mas, pelos vistos - e bem! -, não incomodou nada os jornalistas que elegeram a direcção deste sindicato

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

Não posso deixar de começar por dizer ao Sr. Deputado Ricardo Rodrigues e à bancada do Partido Socialista que, para dizer as alarvidades que o Sr. Deputado disse na sua última intervenção, foi preciso que muitos democratas, e entre eles muitos comunistas, lutassem muitos anos!

Sem argumentos de fundo, o PS virou-se para o recurso habitual: para a ingerência na vida interna do PCP, para o anticomunismo primário e mesmo para insultuosas referências feitas ao meu camarada Carlos Carvalhas, devendo ter vergonha de ter dito o que disse nesta Casa!  Não esperávamos que, apesar das dificuldades que reconhecemos ao Governo e ao PS nestas matérias, o PS descesse tão baixo, tivesse uma intervenção que não desdenharia a qualquer elemento da extrema-direita em matéria de anticomunismo e de ataque ao PCP!

Mas, apesar das tentativas por parte do Governo e do PS de desvalorizarem a perigosa evolução da limitação do exercício de direitos e liberdades fundamentais, a realidade vai-se impondo de forma contundente.

Demonstrámos com esta interpelação que a gravidade dos ataques aos direitos, liberdades e garantias fundamentais exige que soem as campainhas de alerta entre todos os que prezam a democracia plena que a Revolução de Abril anunciou.

O avanço de actuações antidemocráticas não é hoje um conjunto de casos isolados ou de excessos esporádicos, nem se pode reconduzir à ideia de que seria uma consequência inevitável de um mundo globalizado e supostamente moderno em que teríamos de abdicar dos direitos em favor da segurança ou da sempre invocada competitividade empresarial. Antes integram uma política e correspondem ao efeito directo e indirecto de um conjunto de orientações repressivas e antidemocráticas da parte do Governo. Para o PCP, a democracia abrange as vertentes política, económica, social e cultural, e o Governo ataca fortemente os direitos em geral ao praticar uma política que acentua a desigualdade ao nível económico e social e também ao nível cultural.

Mas, para que isso seja verdadeiramente eficaz, o Governo - e o poder económico, cujos interesses serve... - precisa de dar um passo adiante, precisa de atacar os direitos e as liberdades dos que protestam, dos que resistem e dos que lutam, precisa de comprimir as garantias dos cidadãos.

O empobrecimento em curso da democracia é real em diversas vertentes: no mundo do trabalho, com a perseguição de dirigentes sindicais a partir dos governos civis e das forças policiais, inclusivamente com a «pesca à linha».

Ora, há, no distrito de Lisboa, 50 dirigentes sindicais identificados e constituídos arguidos por participação em processos legais, ao abrigo do direito de manifestação, e que, depois, são sucessivamente absolvidos porque esta acção policial é orientada para a intimidação da sua acção e não tem qualquer fundamento na legalidade.

Há uma instrumentalização das forças de segurança por patrões sem escrúpulos. Hoje, assistimos ao escândalo de haver administrações de empresas e patrões a darem ordens directamente às forças de segurança como se fossem a sua própria milícia privada nos conflitos laborais.

Temos a limitação do exercício do direito à greve, de actividade sindical nas empresas, mesmo quando, de forma absolutamente exemplar a nível europeu, o movimento sindical português cumpre escrupulosamente todas as regras atinentes ao exercício destes direitos e impede até qualquer tentativa de aproveitamento por forças externas das suas acções.

Esta é uma estratégia de intimidação que procura o cerceamento do exercício destes direitos. Nunca vimos um caso como, por exemplo, o da empresa MB Pereira da Costa, em que o patrão violou sucessivamente disposições e decisões dos tribunais, a polícia a poder defender o património da empresa, que servia para pagar aos trabalhadores.

Só lá foi a polícia quando foi para bater nos trabalhadores, que procuravam defender os seus justos direitos.

Assim se amplia o desequilíbrio de forças entre patrões e trabalhadores. Ficou no papel, afinal, aquela afirmação escrita no Programa de Governo: «o Estado de direito não pode ficar à porta das empresas».

Com este Governo fica mesmo, e fica bem longe da porta, pelo menos a 100 metros de distância!!

Na escola, o Governo patrocina e até determina as mais abstrusas violações de direitos elementares de participação e associação. É a pedagogia do cassetete, onde devia haver a pedagogia da participação.

Na Administração Pública, o Governo quer impor a partidarização como regra, legalizando aquilo que hoje são os abusos que comete, onde quer ter o poder arbitrário sobre a contratação, sobre o salário, o despedimento ou a perseguição, transformando em letra morta as regras constitucionais sobre a imparcialidade da Administração. E até em relação aos jornalistas, como constatámos durante este debate, o Governo tem um princípio que todos já compreendemos.

Os jornalistas têm liberdade sindical, mas não podem usá-la se quiserem eleger algum comunista para a direcção do seu próprio sindicato.

É isto que incomoda o Governo nesta sua intervenção.

Na justiça e segurança interna, onde vai avançando paulatinamente a ofensiva contra a autonomia real do Ministério Público e o condicionamento do processo judicial, a par de uma degradação das condições de trabalho das forças de segurança, a quem se impõe, a partir do Governo, cada vez mais, uma linha de actuação repressiva e distanciada do respeito pelos direitos fundamentais.

Constitui matéria de enorme sobressalto democrático a intenção do Governo de submeter a uma tutela política, através do secretário-geral do SISI, a actuação policial e a coordenação da investigação criminal.

O Governo quer avançar a passos largos para a consagração da ideia do «inimigo interno» como padrão de actuação em matéria de justiça e administração interna.

Direitos básicos, como o direito de manifestação, são progressivamente questionados, como ainda agora vimos com a resposta do Sr. Ministro em relação à identificação de pessoas por suspeição de crimes no exercício dos seus direitos políticos.

Os governos civis e outras autoridades querem submetê-los a uma inaceitável autorização e a inaceitáveis condicionamentos.

Por nós, Sr. Presidente, Srs. Deputados, este assunto não começou e não termina hoje. Continuará a estar na primeira linha das nossas preocupações. Esta interpelação do PCP é, simultaneamente, um aviso e um alerta.

É um alerta a todos os democratas para a necessidade de defenderem a democracia e é um sério aviso ao Governo e ao poder económico, de que terão pela frente, na sua ofensiva antidemocrática, a acção e a resistência do PCP.

 

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