Projecto de Lei N.º 968/XII/4.ª

Estabelece um regime especial de acesso à pensão de invalidez e de velhice para os trabalhadores das pedreiras

Estabelece um regime especial de acesso à pensão de invalidez e de velhice para os trabalhadores das pedreiras

Exposição de Motivos

Cumprindo com a palavra dada e os compromissos assumidos juntos dos trabalhadores o PCP, em Julho de 2006, apresentou o Projeto de Lei n.º 297/X, que pretendia criar um regime especial de acesso à pensão de invalidez e de velhice para os trabalhadores das pedreiras. Nessa altura, o PCP fundamentou a iniciativa legislativa com o facto de estes trabalhadores, devido à exposição à sílica, ficarem com elevado grau de incapacidade para o trabalho. Nesse Projeto de Lei, o PCP demonstrava que a exposição à sílica provoca doenças pulmonares que, além de incapacitar para o trabalho levam, em muitos casos, à morte prematura.

Infelizmente, o Projeto de Lei n.º 297/X do PCP foi rejeitado - com o voto contra do PS e com a abstenção de PSD e CDS que, assim, inviabilizaram o Projeto de Lei.

Acontece que as condições de trabalho e penosidade não se alteraram desde então, antes pelo contrário e, por isso, em Fevereiro de 2011, o PCP apresentou o Projeto de Lei n.º 531/XI com os mesmos objetivos. Nesse projeto de Lei, o PCP reafirmou que além da diminuição dos salários, do aumento da precariedade, da verificação de trabalho ilegal ou não declarado e do pagamento à peça, aumentaram os riscos de doença destes trabalhadores. Nessa altura como agora, o aumento dos ritmos de trabalho e a introdução de novas máquinas aumentaram os riscos de exposição à sílica e ao ruído. Assim, há cada vez mais trabalhadores, e cada vez mais novos, com graves problemas de saúde - na coluna, com tuberculose, com problemas de audição e com sílica nos pulmões - que os incapacitam e colocam a sua saúde seriamente em risco.

Hoje, infelizmente, 9 anos decorridos da apresentação do primeiro Projeto de Lei do PCP, a realidade não é distinta e em alguns aspetos é mais grave. Não só se registam cada vez mais casos de trabalhadores que morrem antecipadamente devido a silicose, como se registam muitas mortes devido a doenças pulmonares crónicas que não permitem que muitos dos trabalhadores das pedreiras cheguem vivos à idade legal de reforma. Assim, o PCP retoma a presente iniciativa legislativa por considerar da mais elementar justiça criar um regime especial de acesso à pensão de invalidez e de velhice para os trabalhadores das pedreiras.

Importa relembrar que as condições de especial penosidade e o ambiente nocivo em que se desenvolvem certas atividades profissionais têm sido reconhecidas na legislação portuguesa desde o início da década 70. Foi nessa altura que começou por ser considerado o direito de antecipação da idade de acesso à pensão por velhice para os trabalhadores de interior na indústria mineira, tendo esse regime sido alargado a outras atividades de apoio nessa indústria, desde que exercidas no subsolo com “carácter habitual e predominante”.

Este regime especial foi posteriormente integrado num quadro normativo único (Decreto-Lei nº 195/95, de 28 de Julho) contemplando as disposições indispensáveis à concretização dos direitos reconhecidos aos trabalhadores das minas, o qual veio também permitir que, em casos excecionais e devidamente fundamentados, o regime especial criado pudesse ser igualmente aplicável aos trabalhadores do exterior das minas.

O Decreto-Lei nº 28/2005, de 10 de Fevereiro, veio determinar a extensão do regime criado pelo Decreto-Lei nº 195/95, de 28 de Julho, aos trabalhadores da Empresa Nacional de Urânio, SA. e, também por proposta do PCP, veio a Lei n.º 10/2010, de 14 de Junho, determinar que o Estado assuma a antecipação da idade da reforma por velhice mas também a necessidade de acompanhar e apoiar os trabalhadores e as suas famílias em caso de doença.

Desde há alguns anos que se coloca a necessidade de criar um regime legal que beneficie, de forma em tudo semelhante aos regimes até agora referidos, os trabalhadores das pedreiras existentes em Portugal.

É reconhecida a especial penosidade de trabalho dos trabalhadores que desempenham a sua atividade nas designadas “minas a céu aberto” ou “em galeria”. Não obstante a evolução tecnológica registada nas últimas décadas a verdade é que o problema, para os trabalhadores das pedreiras, não tem apenas e diretamente a ver com a natureza desgastante ou a dureza da sua profissão. De facto, o que há sobretudo a sublinhar e a atender nesta atividade é o ambiente de trabalho e a perigosidade do ar respirado, em condições que fazem aproximar esta situação daquelas em que trabalham os trabalhadores de interior da indústria mineira.

Isto mesmo foi aliás expressamente reconhecido pelo Centro Nacional de Proteção contra os Riscos Profissionais (CNPRP) desde há bastantes anos. Concretamente, no seio do CNPRP, designadamente do seu Departamento de Avaliação e Prevenção de Risco Profissionais (DAPRP) têm sido produzidos estudos que permitem concluir que, “inerente ao funcionamento das empresas de exploração de pedreiras existe o risco generalizado da silicose” e igualmente o da surdez.

Em 2001 era o próprio Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social quem tornava públicos quadros confirmativos daqueles riscos e que, pela sua relevância, entendemos dever reproduzir no que respeita ao risco da silicose.

Tipo de trabalho ou operação N C
-mg/m3- VLE
-mg/m3- C/VLE
Perfuração com “ROC DRILL” 22 1,04 0,1 10,4
Taqueio (com martelos pneumáticos) 21 1,51 0,1 15,1
Pá carregadora 12 0,33 0,1 3,3
Britador primário 30 0,56 0,1 5,6
Britador secundário 16 0,68 0,1 6,8
Britador terciário 4 0,40 0,1 4,0
Crivagem 10 0,83 0,1 8,3
Moinho 7 1,07 0,1 10,7
Silos 4 0,84 0,1 8,4
Cabina de comando 16 0,33 0,1 3,3
Máquina de bujardar (em pedra) 4 0,77 0,1 7,7
Martelo picador (em pedra) 4 0,78 0,1 7,8
Trabalho manual em pedra (a fazer cubos, guias, picar pedra) 6 0,34 0,1 3,4

em que:
N – é o número de amostras colhidas de poeiras respiráveis em cada situação;
C – é a concentração média em quartzo (sílica livre cristalina) encontrada para cada situação, expressa em mg/m3;
VLE – é o Valor Limite de Exposição para as poeiras respiráveis de quartzo, estabelecido pela Norma Portuguesa (NP-1796, de 1988) que, atualmente, é de 0,1 mg/m3. Este valor não deve ser ultrapassado;
C/VLE – é a relação (quociente) entre a concentração de quartzo (c) encontrada e o respetivo Valor Limite de Exposição (VLE).

Face aos elementos fornecidos pelos estudos realizados pelo Departamento de Avaliação e Prevenção de Riscos Profissionais, plasmados neste quadro, o Centro Nacional de Proteção Contra os Riscos Profissionais concluía que, no que respeita à silicose, foi “detetado um risco muito elevado em todas as situações estudadas, variando de um mínimo de 3,3 até um máximo de 15,1 vezes superior ao valor limite de exposição legalmente estipulado”.

Também no que respeita à surdez, todas as situações estudadas pelo mesmo Departamento, com exceção de uma, apresentam igualmente valores superiores ao Valor Limite de Exposição.

Para os trabalhadores dos tipos de
Trabalho ou operações N Lep,d
-dB(A)- VLE
-dB(A)- Lep,d-VLE
-dB(A)-
Perfuração com “ROC DRILL” 19 101,9 90 11,9
Taqueio (com martelos pneumáticos) 24 101,3 90 11,3
Pá carregadora 3 93,0 90 3,0
Camião (transporte da pedreira para a britagem) 4 91,4 90 1,4
Britador primário 18 98,1 90 8,1
Britador secundário 12 98,7 90 8,7
Britador terciário 10 91,0 90 1,0
Crivagem 10 95,6 90 5,6
Moinho 7 95,4 90 5,4
Silos 2 98,3 90 8,3
Cabina de comando 11 84,7 90 - 5,3
Máquina de bujardar (em pedra) 3 99,0 90 9,0
Martelo picador (em pedra) 3 97,5 90 7,5
Trabalho manual em pedra (a fazer cubos, guias, picar pedra) 4 94,2 90 4,2

em que:
N – é o número de medições de ruído efetuadas em cada situação;
LEP,d – é o valor de ruído médio encontrado em cada situação, designado por Nível de Exposição Pessoal Diária de cada trabalhador durante um dia de trabalho, expresso em dB(A);
VLE – é o Valor Limite de Exposição que, segundo o Dec. Regulamentar nº 9/92, de 28 de Abril é para o LEP,d = 90 dB(A). Este valor não deve ser ultrapassado;
LEP,d-VLE – é a diferença entre estes dois parâmetros, em dB(A).

De acordo com as respostas dadas ao Grupo Parlamentar do PCP, em Março de 2008 existiam, de acordo com o CNPRP, 903 beneficiários de pensão devido a doença profissional decorrente da sílica ou surdez.

A “Coleção Estatísticas – Segurança e Saúde – Continente, 2013” do Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia, no que às indústrias extrativas se refere, indica que 8.145 trabalhadores estavam expostos a fatores de risco em termos físicos.

A Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho refere que “A extração de pedra é uma das indústrias em que o trabalho é mais perigoso: a probabilidade de os trabalhadores das pedreiras sofrerem um acidente de trabalho mortal é duas vezes superior à dos trabalhadores da construção e treze vezes superior à dos trabalhadores das indústrias transformadoras”

Também refere esta Agência Europeia que “As poeiras existem em todas as pedreiras e resultam dos processos de trabalho próprios, nomeadamente o desmonte, o corte, a perfuração, a fragmentação e a trituração da pedra. As poeiras que contenham sílica cristalina podem causar silicose.

A exploração de pedreiras é uma atividade ruidosa. As fontes de ruído incluem as trituradoras de pedra, as correias transportadoras, as detonações e os motores dos veículos pesados. O ruído contínuo ou abruptamente elevado pode levar a perda de audição.”

Reconhece-se que a implantação de medidas adequadas de prevenção de segurança, higiene e saúde no trabalho, a par de uma nova atitude laboral e de uma fiscalização mais eficiente, pode contribuir para um combate eficaz às condições que determinam a existência de riscos de surdez tão elevados como os detetados na indústria das pedreiras em Portugal. Mas, necessariamente, uma coisa é intervir no sentido de controlar e diminuir os valores limites de exposição, outra bem diferente é eliminá-los.

Este facto contribui, no plano do ruído e dos seus efeitos sobre a audição, para o agravamento de uma situação laboral particularmente penosa que tem o seu máximo expoente na falta de qualidade permanente do ar respirado pelos trabalhadores.

A realidade mostra e confirma ser manifestamente impossível alterar o ambiente de trabalho próprio deste tipo de unidades industriais. A existência permanente de concentrações muito elevadas de quartzo no ar respirado nas diferentes situações de trabalho constitui um facto absolutamente incontornável que, em princípio, nunca poderá ser eliminado nem reduzido a limites adequados e legais, através da utilização de técnicas ou condições especiais de exercício das diversas tarefas desempenhadas nas pedreiras. Mas convém também ter em atenção que a concentração de sílica livre cristalina em suspensão aérea existe não só nas zonas diretas de trabalho mas igualmente em todas as imediações, mesmo quando os trabalhadores não estão a operar, incluindo os tempos e horários de pausa.

Este é, sem qualquer dúvida, um ambiente perigoso para a saúde dos trabalhadores, entendendo-se facilmente a existência de altíssimos níveis de graves doenças respiratórias, em especial a silicose, que atingem a generalidade dos trabalhadores e que fazem com que muitos deles, em especial os que sempre trabalharam nas pedreiras, não sobrevivam até à idade legal de reforma.

Torna-se assim bem claro que se está perante um quadro laboral onde imperiosamente têm que ser aplicados, por razões de elementar equidade e justiça, os dispositivos legais previstos no Decreto-Lei n.º 195/95, de 28 de Julho, para os trabalhadores das minas.

A situação dos trabalhadores das pedreiras motivou a apresentação de uma Petição dirigida à Assembleia da República, subscrita por mais de cinco mil cidadãos, e que precisamente propunha a “criação de um regime especial de acesso antecipado à pensão por velhice aos 55 anos para os trabalhadores das pedreiras”.

No âmbito da elaboração do relatório a que essa Petição deu origem, o Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social remeteu à Assembleia da República uma informação onde sublinha o quadro legal existente para situações do tipo das que são alvo da referida Petição e recorda que a respetiva resolução é possível e deverá constar de lei própria, em obediência ao artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 329/93, de 25 de Setembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 9/99, de 8 de Janeiro.

No contexto desta informação, foi também sublinhada a necessidade de justificar as características penosas e desgastantes da atividade profissional em questão, em função das características específicas do respetivo desempenho que, com esta iniciativa legislativa do Grupo Parlamentar do PCP, fica suficiente e largamente demonstrada, sendo certo que esta situação é, há muito, do conhecimento das instâncias e departamentos governamentais competentes na matéria e reconhecida pelos parceiros sociais envolvidos.

Com a presente iniciativa legislativa do Grupo Parlamentar do PCP, estará envolvido um universo global não superior a dez mil trabalhadores que desempenham a sua atividade profissional nas pedreiras, sendo que a antecipação da idade de acesso à pensão de velhice para os 55 anos é da mais elementar justiça e necessário para estes trabalhadores possam usufruir de algum tempo de reforma - o que hoje, demasiadas vezes, não acontece.

Nestes termos, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º
Objeto
O presente diploma estabelece o regime especial de acesso à pensão de invalidez e de velhice dos trabalhadores das pedreiras.

Artigo 2.º
Âmbito pessoal
O presente diploma aplica-se a todos os trabalhadores das indústrias das pedreiras, nomeadamente no desempenho de funções de perfuração com “roc drill”, de taqueio, com martelos pneumáticos, britador secundário, britador terciário, de crivagem, em moinho, em silos, em cabina de comando, como manobrador de máquina de bujardar, de martelo picador, ou, genericamente, no desempenho de qualquer trabalho manual em pedra.
Artigo 3.º
Idade legal de reforma
1- A idade legal de acesso à pensão de velhice fixada no regime geral de segurança social é reduzida em um ano por cada dois de serviço efetivo na indústria de pedreiras, desempenhado ininterrupta ou interpoladamente.
2- O disposto no número anterior tem como limite os 55 anos, idade a partir da qual pode ser reconhecido o direito daqueles trabalhadores à pensão por velhice.

Artigo 4.º
Montante da pensão
1- O montante da pensão por invalidez é calculado nos termos do regime geral da segurança social, com um acréscimo à taxa global de formação de 2,2% por cada dois anos de serviço efetivo nas indústrias de pedreiras prestado ininterrupta ou interpoladamente.
2 – À pensão calculada nos termos dos números anteriores não é aplicável o factor de sustentabilidade.

Artigo 5.º
Princípio de não acumulação de pensões
As pensões de invalidez e de velhice atribuídas nos termos da presente lei não são acumuláveis com rendimentos de trabalho auferidos por exercício de atividade no mesmo sector, sendo suspensas enquanto se mantiver o exercício dessa atividade remunerada.

Artigo 6.º
Requerimento
1- O requerimento para atribuição das pensões referidas no número anterior deve ser instruído com o documento comprovativo do exercício da atividade nos termos do artigo 2.º.
2- O requerimento a que se refere o número anterior deve ser entregue no centro distrital de segurança social da área de residência do beneficiário, com expressa indicação do diploma ao abrigo do qual a pensão é requerida.

Artigo 7.º
Responsabilidade pelos encargos financeiros
Os encargos financeiros com as pensões de invalidez e de velhice atribuídas nos termos da presente lei serão suportados pelo Orçamento da Segurança Social.

Artigo 8.º
Regime Subsidiário
Em tudo o que não se encontre expressamente previsto neste diploma é aplicável o regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 195/95, de 28 de Julho.

Artigo 9.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor com o Orçamento do Estado posterior à sua publicação.

Assembleia da República, em 28 de maio de 2015

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