A carência de médicos no Serviço Nacional de Saúde (SNS) é sentida na generalidade dos estabelecimentos de saúde (centros de saúde e hospitais). Faltam médicos de família nos centros de saúde, faltam médicos nos hospitais e faltam médicos de saúde pública. De uma forma geral, fora dos grandes centros urbanos no litoral, os concursos públicos que têm sido abertos, na sua maioria têm ficado desertos.
A enorme carência de médicos sentida no nosso país resulta de políticas erradas no passado, nomeadamente na forte restrição no acesso ao curso de medicina, mas também de políticas de desvalorização profissional e social destes profissionais de saúde e de retirada de direitos. Os médicos estão exaustos, estão cansados de não serem reconhecidos.
De 2010 a 2014 saíram 2720 médicos do SNS por aposentação, dos quais, 1400 são médicos de medicina geral e familiar. E do total de médicos que abandonaram o SNS mais de 800 são séniores e mais de 1700 são assistentes graduados, com uma enorme experiência e conhecimento adquiridos ao longo de anos e anos de trabalho e dedicação que se vai perder e não será transmitida aos jovens médicos, o que terá consequências irreparáveis no SNS. Se se mantiver a atual política e tendo em conta a elevada idade dos médicos, é expectável que nos próximos anos se continuem a verificar muitos pedidos de aposentação de médicos, o que criará ainda mais dificuldades ao SNS.
As saídas de médicos do SNS não decorrem somente das aposentações. Há muitos médicos que abandonam o SNS porque estão desmotivados e descontentes, optando por exercer funções em entidades privadas ou pela emigração, procurando melhores condições de trabalho noutros países.
Segundo o artigo “Demografia Médica em Portugal: Análise Prospetiva” publicado na Revista Acta Médica Portuguesa, de Março-Abril de 2014 refere que “em Dezembro de 2011 existiam 43 247 médicos habilitados a exercer medicina em Portugal, dos quais 58% se encontravam afetos ao funcionamento do Serviço Nacional de Saúde no Continente.” Quase metade dos médicos em Portugal está a exercer funções em entidades privadas, por apresentarem contratos de trabalho e remunerações mais atrativas do que no SNS.
A emigração surge cada vez mais como solução para muitos médicos, não só para os jovens médicos que ainda se encontram em internato médico, mas também para muitos médicos especialistas que há largos anos exercem funções em estabelecimentos do SNS. De 2010 a 2014, 3.645 médicos já pediram a declaração à Ordem dos Médicos para poderem exercer funções fora do país e confirma-se que 387 médicos abandonaram o país só em 2014. As preocupações avolumam-se quando mais de 65% dos médicos internos ponderam emigrar, justificando a decisão com os ordenados praticados no estrangeiro e, sobretudo, “porque se sentem desconsiderados no nosso país e têm melhores condições de trabalho lá fora”. Isto só quer dizer que as condições de trabalho e remuneratórias oferecidas pelo SNS não são suficientemente atrativas para que os médicos optarem por ficar em Portugal.
De acordo com os dados do balanço social do Ministério da Saúde, em 2011 existiam 26.136 médicos e em 2013 estavam contabilizados 26.544, verificando-se mais 408 médicos. Importa no entanto ir um pouco mais ao fundo. Cerca de 42% dos médicos têm mais de 50 anos e cerca de 28% estão em formação. Portanto, o aumento de médicos de que o Governo tanto se vangloria deve-se aos médicos em internato médico, sendo que muitos destes ainda não possuem autonomia no exercício de funções, existindo somente cerca de 30% dos médicos especialistas com idade até aos 50 anos.
Os sucessivos governos são os responsáveis pela carência de médicos no Serviço Nacional de Saúde. Em particular, o Governo PSD/CDS-PP tem responsabilidades diretas no agravamento desta realidade. É o próprio Governo que empurra os médicos para fora do SNS, seja por aposentação, seja porque optam por desempenhar funções em entidades privadas ou noutros países, que lhes oferecem contratos de trabalho e condições mais atrativas.
O Governo tem colocado como prioridade o combate ao desperdício. Pois bem, aqui está uma área onde o Governo não só não combate o desperdício como o incentiva quando investe na formação de jovens médicos e depois não cria as condições para que estes profissionais ingressem e permaneçam no SNS.
A emigração de profissionais altamente qualificados conduz à perda de recursos humanos valiosíssimos para o futuro do país, à perda de milhões e milhões de euros investidos, sem falar da perda no plano de cuidados de saúde que não são prestados. Estima-se que o custo médio por aluno de medicina (na formação inicial) seja de 101.656 euros, portanto se tivermos em conta somente o número de médicos de emigraram em 2014 e não contabilizando o valor do trabalho que não é prestado, o país perdeu 39.340.872 euros.
É urgente a adoção de políticas que criem as condições de trabalho adequadas para fixar os médicos no SNS onde há carências, nomeadamente através da valorização profissional, social e remuneratória dos médicos, pelo respeito pelos seus direitos, pela valorização das carreiras médicas e respetiva promoção e pela qualificação das condições de trabalho nos centros de saúde e hospitais.
Nesse sentido, o Grupo Parlamentar do PCP propõe a criação de um regime de incentivos para a fixação de médicos nas zonas identificadas como carenciadas, incentivos que não se limitam aos de natureza pecuniária. Destacam-se as seguintes propostas:
- No que respeita aos incentivos pecuniários, propomos a majoração da remuneração em 20% durante 10 anos, para os médicos em exclusividade no SNS;
- No que toca aos incentivos não pecuniários propomos a valorização e o desenvolvimento profissional, nomeadamente através da participação em ações de formação, cujos custos são suportados pela instituição onde exercem funções; a majoração de um dia férias por cada dois meses de trabalho por ano; a redução do horário de trabalho para os médicos a partir dos 55 anos; facilitação de emprego para o cônjuge e de acesso aos equipamentos para a infância e escolares para os filhos.
Assim, nos termos regimentais e constitucionais, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1º
Objeto
1 – A presente lei estabelece o regime de atribuição de incentivos e apoios à fixação de médicos em estabelecimentos de saúde do Serviço Nacional de Saúde que se localizem em zonas do país onde se verificam maiores carências na prestação de cuidados de saúde.
2 – O conjunto dos incentivos e apoios aplica-se aos médicos, independentemente do seu ingresso na carreira especial médica, por concurso regional ou nacional de acordo com regulamento geral da carreira médica, da respetiva categoria e do grau de qualificação médica obtido.
Artigo 2º
Incentivo pecuniário
1 - O incentivo pecuniário consiste num acréscimo remuneratório de 20%, durante 10 anos o qual tem por base o salário ilíquido auferido.
2 – O incentivo pecuniário é atribuído somente aos médicos em exclusividade no Serviço Nacional de Saúde
Artigo 3º
Incentivo não pecuniário
1 – Os médicos têm o direito e o dever de frequentar ações de formação, devendo ser fixado para o efeito um valor anual destinado a suportar os referidos custos, sendo que este deverá ser suportado pela unidade de saúde a que está afeto.
2 – Conjuntamente com o regime de incentivos e apoios podem ser atribuídas bolsas ou outras formas de financiamento destinadas à valorização profissional e de conhecimentos, formação especializada, complementar ou de atualização.
Artigo 4º
Compromisso
1 – O regime de atribuição de apoios e incentivos depende do acordo prévio do médico.
2 – Em caso de incumprimento das condições estabelecidas na presente lei, o médico fica obrigado à devolução dos valores recebidos a título de incentivos e apoios bem como os despendidos com a sua formação, sendo estes acrescidos de juros à taxa legal em vigor.
3 – O pagamento é efetuado no prazo de sessenta dias a contar do facto que lhe deu origem.
4 – O interessado, que invoque e comprove que a sua situação económica não permite a devolução nos termos do número anterior, pode dirigir requerimento ao membro do Governo responsável pela área da saúde, com vista à prorrogação do prazo estabelecido até ao limite de um ano, podendo proceder ao pagamento em prestações.
Artigo 5º
Especialidades médicas
Devem ser asseguradas ao médico as condições necessárias, nomeadamente o tempo adequado ao aprofundamento de conhecimentos e competências e ao seu desenvolvimento profissional no âmbito da respetiva especialidade médica.
Artigo 6º
Redução do horário de trabalho
Os médicos abrangidos pela presente lei têm direito à redução do seu horário semanal, a partir dos 55 anos de idade, à razão de uma hora por ano e até ao limite de cinco horas.
Artigo 7º
Férias
Os médicos abrangidos pela presente lei têm direito a um acréscimo de um dia de férias, por cada dois meses de trabalho prestado.
Artigo 8º
Cônjuge do médico
1 - Sendo detentor de vínculo de emprego público ou contrato de prestação de serviços, o cônjuge do médico beneficia de condições de preferência na colocação em serviço ou organismo público na região onde se localize o estabelecimento do SNS onde este exerce a sua atividade.
2 – O disposto no número anterior aplica-se às situações de união de facto.
Artigo 9º
Agregado familiar
Aos filhos dos médicos em idade escolar é garantida a sua transferência para estabelecimento de ensino público localizado na área geográfica do estabelecimento do SNS onde o seu progenitor exerce funções.
Artigo 10º
Levantamento de necessidades
A definição, avaliação e fixação das especialidades médicas é estabelecida anualmente pelo membro do governo responsável pela área da saúde.
Artigo 11º
Entrada em vigor
1 - A presente lei entra em vigor com o Orçamento do Estado posterior à sua publicação.
2 – Excetua-se do número anterior, o disposto no artigo 10º que produz efeitos no dia seguinte à publicação.
Assembleia da República, em 2 de julho de 2015