Exposição de Motivos
Com o Projeto de Lei n.º 83/VIII, apresentado em Janeiro de 2000, o Partido Comunista Português contribuiu de forma decisiva para aquele que é hoje reconhecido como um dos mais significativos avanços nas condições de administração da justiça em Portugal no século XX: a criação dos Julgados de Paz.
Tratando-se de uma figura que encontra as suas raízes históricas há muitos séculos atrás – ainda que de forma mais próxima da que hoje conhecemos apenas a partir da Constituição Política de 1822 –, a criação dos Julgados de Paz nos termos previstos na Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, significou efetivamente uma forma nova, simples e eficaz de fazer Justiça, particularmente relevante em tempos de complexidade, morosidade e inconformação dos cidadãos perante a tradicional expressão de administração da justiça nos tribunais judiciais.
Afirmando-se como espaço próprio e legítimo de realização da justiça, os Julgados de Paz viram consolidada a sua esfera própria de ação pelo recurso verdadeiramente massivo que a eles fizeram os cidadãos, dirimindo milhares de conflitos com exiguidade de meios mas grande conformação dos intervenientes quanto às decisões proferidas.
Apesar de em 2001 não terem sido integralmente acolhidas as soluções preconizadas pelo PCP, com a Lei n.º 78/2001 deu-se um primeiro e arrojado passo no sentido de introduzir uma solução inovatória que se sabia carecer de tempo, prática e meios para demonstrar a plenitude das suas potencialidades.
Porque se tratava de um primeiro passo, previu-se inicialmente a sua competência e abrangência territorial de forma limitada. Não obstante sucessivos avanços na criação e instalação de novos Julgados, a verdade é que a sua exiguidade e a reduzida abrangência territorial confirmam-se como algumas das principais limitações de que padece o atual sistema, particularmente no que à possibilidade de acesso da população de todo o território nacional respeita.
Quase doze anos volvidos, confirma-se que a criação dos Julgados de Paz foi uma decisão no sentido certo, cujas potencialidades são inegáveis e que importa, portanto, desenvolver.
Mais que reapresentar as soluções propostas em 2000 no Projeto de Lei n.º 83/VIII, o que o presente Projeto de Lei do PCP pretende é enquadrar o percurso de desenvolvimento futuro dos Julgados de Paz partindo da sua prática de mais de uma década e da forma, em alguns casos original e criativa, como foram solucionando alguns dos obstáculos com que se foram deparando.
Não se trata de um novo regime de Julgados de Paz.
A opção de apresentar um projeto de lei por inteiro e não de alterações à atual lei justifica-se, não só por argumentos de clareza legislativa mas igualmente pela necessidade de conciliação na arrumação sistemática de aspetos inovadores com outros em que se retoma a exata letra da lei em vigor, por se entender adequada e suficiente.
De entre as alterações propostas destacam-se três áreas:
a) A previsão de competência dos Julgados de Paz em matéria criminal, ainda que de forma limitada;
b) A clarificação de matérias em que a lei em vigor gerou alguma controvérsia ou dificuldade de aplicação, nomeadamente quanto à exclusividade de competência dos Julgados de Paz, ao desenvolvimento da rede e à sua abrangência territorial;
c) A introdução de algumas inovações quanto à organização e funcionamento dos Julgados de Paz, nomeadamente prevendo-se a tutela do Conselho Superior da Magistratura em termos de gestão e disciplina, a criação de julgados de segunda instância ou a instituição de uma carreira de Juiz de Paz.
Com o presente Projeto de Lei, o PCP não só dá uma vez mais o seu relevante contributo para a efetiva melhoria da administração da justiça, como ainda o faz com a consciência de que tal opção concorre para uma indesmentível rentabilização dos recursos públicos nesta área.
Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Capítulo I
Disposições Gerais
Artigo 1.º
Âmbito
A presente lei regula a competência, a organização e o funcionamento do julgado de paz, a tramitação dos processos da sua competência, os requisitos para a nomeação do Juiz de Paz, a representação do Ministério Público e a intervenção dos mandatários judiciais no julgado de paz.
Artigo 2.º
Princípios Gerais
1- A atuação do julgado de paz é vocacionada para permitir a participação cívica dos interessados e para estimular a justa composição dos litígios por acordo das partes.
2- Os processos no julgado de paz estão concebidos e são orientados por princípios de simplicidade, adequação, informalidade, oralidade e absoluta economia processual.
3- A rede e a instalação de julgados de paz devem assegurar a acessibilidade a toda a população do território nacional.
Artigo 3.º
Criação e instalação
1- Os julgados de paz são criados por diploma do Governo, ouvidos o Conselho Superior da Magistratura, a Ordem dos Advogados, a Associação Nacional dos Municípios Portugueses e a Associação Nacional de Freguesias.
2- O diploma de criação define a circunscrição territorial do julgado de paz.
3- A instalação do julgado de paz é feita por portaria do Ministro da Justiça.
Artigo 4.º
Rede nacional, circunscrição territorial e sede
1- O Estado assegura a instalação progressiva de julgados de paz em todo o território nacional, segundo critérios de acessibilidade, proximidade e necessidade, assente na procura, pautando a escolha da sua criação e instalação territorial sem estar vinculada à divisão administrativa do país, nos termos dos critérios previstos nos números seguintes.
2- O julgado de paz pode ser de base concelhia, de agrupamento de concelhos contíguos, de freguesia ou de agrupamento de freguesias contíguas do mesmo ou diferente concelho.
3- O julgado de paz tem sede no concelho ou na freguesia para que é exclusivamente criado, ou, no caso de agrupamento de concelhos ou de freguesias, fica sediado no concelho ou freguesia que, para o efeito, é designado no diploma de criação.
4- Dentro da respetiva área de circunscrição, o julgado de paz pode funcionar em local apropriado podendo ser estabelecidos diferentes locais para a prática de atos processuais.
5- O Governo providencia no sentido de a progressiva instalação de uma rede nacional incluir a criação de julgados de segunda instância, definindo a sua estrutura, localização, organização e funcionamento.
6- Constituem-se julgados de segunda instância, tendencialmente em cada um dos distritos judiciais, compostos por juízes de paz.
Capítulo II
Competência
Secção I
Disposições gerais
Artigo 5.º
Competência exclusiva e plena
1- O julgado de paz detém competência exclusiva para julgar as questões submetidas à sua jurisdição.
2- A competência do julgado de paz é de plena jurisdição, sendo de natureza declarativa, executiva e cautelar, nos casos submetidos à sua competência material.
Artigo 6.º
Conhecimento da incompetência
1- A incompetência do julgado de paz é por este conhecida e declarada, oficiosamente, ou a pedido de qualquer das partes, e determina a remessa do processo para o julgado de paz ou para o tribunal judicial competente.
2- Para efeitos de tempestividade da sua apresentação, o requerimento inicial considera-se apresentado na data do primeiro registo de entrada.
Artigo 7.º
Competência em razão do valor
O julgado de paz tem competência para questões com valor até metade da alçada dos tribunais da Relação.
Secção II
Competência em razão da matéria
Artigo 8.º
Competência em razão da matéria cível
1- Compete ao julgado de paz apreciar e decidir:
a) Ações destinadas a efetivar o cumprimento de obrigações, com exceção das que tenham por objeto prestação pecuniária e de que seja ou tenha sido credor originário uma pessoa coletiva;
b) Ações de entrega de coisas móveis;
c) Ações resultantes de direitos e deveres de condóminos, sempre que a respetiva Assembleia não tenha deliberado sobre a obrigatoriedade de compromisso arbitral para a resolução de litígios entre condóminos, ou ações entre condóminos e o administrador;
d) Ações de resolução de litígios entre proprietários de prédios relativos a passagem forçada momentânea, escoamento natural de águas, obras defensivas das águas, comunhão de valas, regueiras e valados, sebes vivas, abertura de janelas, portas, varandas e obras semelhantes; estilicídio, plantação de árvores e arbustos, paredes e muros divisórios;
e) Ações de reivindicação, possessórias, de usucapião, acessão e divisão de coisa comum;
f) Ações que respeitem ao direito de uso e administração de compropriedade, da superfície, do usufruto, de uso e habitação e ao direito real de habitação periódica;
g) Ações que digam respeito ao arrendamento urbano, exceto as ações de despejo;
h) Ações que respeitem à responsabilidade civil contratual e extracontratual;
i) Ações que respeitem a incumprimento contratual, exceto contrato de trabalho e arrendamento rural;
j) Ações que respeitem à garantia geral das obrigações;
k) Procedimentos de conciliação em sede não contenciosa de litígios entre vizinhos, seja qual for o valor em causa das obrigações.
2- O julgado de paz é também competente para apreciar os pedidos de indemnização cível quando não haja sido apresentada participação criminal ou após desistência da mesma, emergentes de:
a) Ofensas corporais simples;
b) Ofensa à integridade física por negligência;
c) Difamação;
d) Injúrias;
e) Furto simples;
f) Dano simples;
g) Alteração de marcos;
h) Burla para obtenção de alimentos, bebidas ou serviços.
3- A apreciação de um pedido de indemnização cível, nos termos do número anterior, preclude a possibilidade de instaurar o respetivo procedimento criminal.
Artigo 9.º
Competência em matéria penal
1- Em matéria penal o julgado de paz é competente:
a) Para o julgamento de crimes a que corresponda pena de prisão não superior a 3 anos, quando o Ministério Público entenda que ao caso é apenas de aplicar pena de multa;
b) Para o julgamento de crimes puníveis com pena de multa ou concretamente puníveis apenas com pena ou medida de segurança não privativa da liberdade;
2- Os tribunais competentes para o julgamento de crimes que passam a ser da competência do julgado de paz, manterão a competência para os processos pendentes à data da instalação do julgado dotado de competência territorial.
3- Sempre que a pena de multa deva ser convertida em pena de prisão, a competência para a aplicação da mesma passa a ser do tribunal judicial.
Secção III
Competência em razão do território
Artigo 10.º
Foro da situação dos bens
1 – Devem ser propostas no julgado de paz da situação dos bens as ações referentes a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis e as ações de divisão de coisa comum.
2 – Quando a ação tiver por objeto uma universalidade de facto, ou bens móveis ou imóveis situados em circunscrições diferentes, é proposta no julgado de paz correspondente à situação dos imóveis de maior valor, devendo atender-se para esse efeito ao valor patrimonial; se o prédio que é objeto da ação estiver situado em mais de uma circunscrição territorial, pode ser proposta em qualquer das circunscrições.
Artigo 11.º
Local do cumprimento da obrigação
1 – A ação destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento é proposta, à escolha do credor, no julgado de paz do lugar em que a obrigação devia ser cumprida ou no julgado de paz do domicílio do demandado.
2 – Se a ação se destinar a efetivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito ou fundada no risco, o julgado de paz competente é o correspondente ao lugar onde o facto ocorreu.
Artigo 12.º
Regra geral sobre a competência em razão do território
1 – Em todos os casos não previstos nos dois artigos anteriores ou em disposições especiais é competente para a ação o julgado de paz do domicílio do demandado.
2 – Se, porém, o demandado não tiver residência habitual ou for incerto ou ausente, é demandado no julgado de paz do domicílio do demandante.
3 – Se o demandado tiver domicílio e residência em país estrangeiro, é demandado no do domicílio do demandante e, quando este domicílio for em país estrangeiro, é competente para a causa, qualquer julgado de paz em Lisboa.
4 – No caso de o demandado ser uma pessoa coletiva a ação é proposta no julgado de paz da sede da administração principal ou na sede da sucursal, agência, filial, delegação ou representação, conforme a ação seja dirigida contra aquela ou contra estas.
Secção IV
Competência executiva e cautelar
Artigo 13.º
Competência executiva
1- Ao julgado de paz é conferida competência para executar as suas próprias decisões, orientando-se por princípios de celeridade, simplicidade, adequação, informalidade, oralidade e absoluta economia processual.
2- A execução das decisões do julgado de paz é iniciada oficiosamente decorridos 15 dias após o trânsito em julgado, devendo essa advertência constar da sentença.
3- O membro do Governo responsável pela área da justiça fixa por decreto-lei o regime jurídico de execução das decisões do julgado de paz.
4- O regime jurídico referido no número anterior rege-se pelos princípios estatuídos no número um do presente artigo, com imputação da despesa ao executado e prevendo a dedicação exclusiva dos respetivos agentes.
Artigo 14.º
Garantia cautelar
1- Ao julgado de paz é conferida competência para decretar providências cautelares.
2- A tramitação dos procedimentos cautelares segue o regime previsto no Código do Processo Civil, com as necessárias adaptações.
Capítulo III
Organização e funcionamento dos julgados de paz
Artigo 15.º
Secções
O julgado de paz pode dispor, caso se justifique, de uma ou mais secções, dirigidas, cada uma delas, por um juiz de paz.
Artigo 16.º
Serviço de mediação
1 – Em cada julgado de paz existe um serviço de mediação que disponibiliza a qualquer interessado a mediação, como forma de resolução alternativa de litígios.
2 – O serviço tem como objetivo estimular a resolução, com carácter preliminar, de litígios por acordo das partes.
3 – O regulamento, as condições de acesso aos serviços de mediação dos julgados de paz e custas inerentes são aprovados por portaria do responsável do Governo pela área da Justiça.
Artigo 17.º
Atendimento e apoio administrativo
1 – Cada julgado de paz tem um serviço de atendimento e um serviço de apoio administrativo.
2 – Os serviços previstos no número anterior podem ser comuns às secções existentes.
3 – O diploma de criação do julgado de paz define a organização dos serviços de atendimento e apoio administrativo, que podem ser partilhados com a estrutura existente na autarquia em que estiverem sediados.
Artigo 18.º
Uso de meios informáticos
1- É adotado o uso de meios informáticos no tratamento e execução de quaisquer actos ou peças processuais, salvo disposição legal em contrário, desde que se mostrem respeitadas as regras referentes à proteção de dados pessoais e se faça menção desse uso.
2- O Governo providenciará a criação de um sistema informático de apresentação, de prática de atos e tramitação processual, por processamento e transmissão electrónica de dados, dedicada e exclusiva da rede nacional de julgados de paz, que permita a consulta pública de sentenças já proferidas e transitadas.
Artigo 19.º
Pessoal
O julgado de paz não tem quadro de pessoal.
Artigo 20.º
Modalidade e horário de funcionamento
O julgado de paz funciona em horário a definir no respetivo diploma de criação.
Capítulo IV
Juízes de paz e mediadores
Secção I
Disposições gerais
Artigo 21.º
Impedimentos e suspeições
1- Ao juiz de paz é aplicável o regime de impedimentos e suspeições estabelecido na lei do processo civil para os juízes.
2- As suspeições e os pedidos de escusa relativos ao juiz de paz são apreciados e decididos pelo Conselho Superior da Magistratura.
3- Aos mediadores é aplicável o regime de impedimentos e de escusas estabelecido na Lei da Mediação.
Artigo 22.º
Dever de sigilo
1 – Os juízes de paz e os mediadores não podem fazer declarações, comentários sobre os processos que lhes estão distribuídos.
2 – Não são abrangidas pelo dever de sigilo as informações que, em matéria não coberta pelo segredo de justiça ou pelo sigilo profissional, visem a realização de direitos ou interesses legítimos, nomeadamente o do acesso à informação.
Secção II
Juízes de paz
Artigo 23.º
Requisitos e pressupostos
Só pode ser juiz de paz quem reunir cumulativamente os seguintes requisitos e pressupostos:
a) Ter nacionalidade portuguesa;
b) Possuir licenciatura em direito;
c) Ter idade superior a 30 anos;
d) Estar no pleno gozo dos direitos civis e políticos;
e) Não ter sofrido condenação, nem estar pronunciado por crime doloso;
f) Ter cessado, ou fazer cessar imediatamente antes da assunção das funções como juiz de paz, a prática de qualquer outra atividade pública ou privada.
Artigo 24.º
Recrutamento e seleção
1 – O recrutamento e a seleção dos juizes de paz são feitos por concurso público aberto para o efeito, mediante avaliação curricular e provas públicas.
2 – Não estão sujeitos à realização de provas:
a) Os magistrados judiciais ou do Ministério Público;
b) Quem tenha exercido funções de juiz de direito nos termos da lei;
c) Quem exerça ou tenha exercido funções como representante do Ministério Público;
d) Os docentes universitários que possuam os graus de mestrado ou doutoramento em direito;
e) Os antigos bastonários, presidentes dos conselhos distritais e membros do Conselho Geral da Ordem dos Advogados;
f) Os antigos membros do Conselho Superior da Magistratura, do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e do Conselho Superior do Ministério Público.
3 – Pode ser candidato a juiz de paz de um julgado de segunda instância, quem tenha exercido a função de juiz de paz por período superior a 5 anos, sendo apenas sujeito a avaliação curricular.
4 – O regulamento do concurso é aprovado por Portaria do membro do Governo responsável pela área da Justiça.
Artigo 25.º
Provimento e nomeação
1- O juiz de paz é provido pelo período de 5 anos.
2- O juiz de paz é nomeado pelo Conselho Superior da Magistratura, que detém poder disciplinar.
3- No termo do período a que se refere o número um, o Conselho Superior da Magistratura pode deliberar, de forma fundamentada, a renovação do provimento, devendo ter em conta a conveniência do serviço, a avaliação do juiz de paz, o número de processos entrados e findos no julgado de paz em que o juiz exerce ou exerceu funções, bem como a apreciação global do serviço por este prestado no exercício das mesmas, podendo tal procedimento ser adotado caso se justifiquem ulteriores nomeações.
4- Não haverá recondução no exercício do cargo de juiz de segunda instância, salvo nos casos em que se esgote a lista de candidatos.
Artigo 26.º
Critérios de juízo
1- Compete ao juiz de paz proferir, de acordo com a lei ou a equidade, as decisões relativas a questões que sejam submetidas ao julgado de paz, devendo, previamente, procurar conciliar as partes.
2- O juiz de paz não está sujeito a critérios de legalidade estrita, podendo, se as partes assim o acordarem, decidir segundo juízos de equidade quando o valor da ação não exceda metade da alçada do julgado de paz,
3- O juiz de paz deve explicar as partes o significado e alcance do juízo de equidade, a diferença entre esse critério e o da legalidade estrita, e indagar se é nesta base que pretendem a resolução da causa.
Artigo 27.º
Incompatibilidades
1 – O juiz de paz em exercício não pode desempenhar qualquer outra função pública ou privada de natureza profissional.
2 – Pode, no entanto, exercer funções docentes ou de investigação científica, não remuneradas, desde que autorizado pelo Conselho Superior da Magistratura.
Artigo 28.º
Carreia e remuneração
1- O Governo aprova por decreto-lei a carreira do juiz de paz em termos que assegurem a sua independência no exercício das funções.
2- A remuneração do juiz de paz é a correspondente ao escalão mais elevado da categoria de assessor principal da carreira técnica superior do regime geral da Administração Pública.
Secção III
Representação do Ministério Público
Artigo 29.º
Ministério Público
A representação do Ministério Público nos julgados de paz é assegurada pela Procuradoria-Geral da República.
Secção IV
Mediadores
Artigo 30.º
Mediadores
1 – O mediador que colabora com os julgados de paz é um profissional independente, adequadamente habilitado a prestar serviços de mediação.
2 – No desempenho da sua função, o mediador deve proceder com imparcialidade, independência, credibilidade, competência, confidencialidade e diligência.
3 – O mediador está impedido de exercer a advocacia no julgado de paz onde presta serviço.
Artigo 31.º
Requisitos e pressupostos
O mediador tem de reunir os seguintes requisitos e pressupostos:
a) Ter mais de 25 anos de idade;
b) Estar no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos;
c) Possuir uma licenciatura adequada;
d) Estar habilitado com um curso de mediação reconhecido pelo Ministério da Justiça;
e) Não ter sofrido condenação nem estar pronunciado por crime doloso;
f) Ter o domínio da língua portuguesa.
Artigo 32.º
Seleção
1 – A seleção dos mediadores habilitados a prestar os serviços da sua especialidade em colaboração com os julgados de paz é feita por concurso curricular aberto para o efeito.
2 – O regulamento do concurso é aprovado por Portaria do membro do Governo responsável pela área da Justiça.
Artigo 33.º
Listas de mediadores
1 – Em cada julgado de paz há uma lista contendo, por ordem alfabética, os nomes das pessoas habilitadas a exercer as funções de mediador e, bem assim, o respetivo endereço profissional.
2 – As listas são anualmente atualizadas, por despacho do membro do Governo responsável pela área da Justiça, e publicadas no Diário da República.
3 – A inscrição nas listas é efetuada a pedido do interessado que preencha os requisitos previstos no artigo 31.º da presente lei.
4 – A referida inscrição não investe os inscritos na qualidade de agente, nem garante o pagamento de qualquer remuneração fixa por parte do Estado.
5 – É excluído da lista o mediador quem haja sido condenado ou pronunciado por crime doloso.
6 – A fiscalização da atividade do mediador é feita por uma comissão ou serviço existente ou a ser criado para o efeito, por portaria do membro do Governo responsável pela área da Justiça.
Artigo 34.º
Vínculo
Os mediadores habilitados e selecionados para colaborar com os julgados de paz são contratados em regime de prestação de serviços, por períodos anuais, suscetíveis de renovação.
Artigo 35.º
Mediação e funções do mediador
1 – A mediação é uma modalidade extrajudicial de resolução de litígios, de carácter privado, informal, confidencial, voluntário e natureza não contenciosa, em que as partes, com a sua participação ativa e direta, são auxiliados por um mediador profissional a encontrar, por si próprios, uma solução negociada e amigável para o conflito que as opõe.
2 – O mediador é um terceiro neutro, independente e imparcial, desprovido de poderes de imposição aos mediados de uma decisão vinculativa.
3 – Compete ao mediador organizar e dirigir a mediação, colocando a sua preparação teórica e o seu conhecimento prático ao serviço das pessoas que escolheram voluntariamente a sua intervenção, procurando conseguir o melhor e mais justo resultado útil na obtenção de um acordo que as satisfaça.
Artigo 36.º
Remuneração do mediador
A remuneração do mediador é atribuída por cada processo de mediação, independentemente do número de sessões realizadas, sendo o respetivo montante fixado pelo membro do Governo responsável pela área da Justiça.
Capítulo V
Partes e sua representação
Artigo 37.º
Partes
Nos processos instaurados nos julgados de paz, podem ser partes pessoas singulares, com capacidade judiciária, ou coletivas, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 8.º.
Artigo 38.º
Representação e patrocínio
1 – No julgado de paz as partes têm de comparecer pessoalmente, podendo fazer-se acompanhar por advogado, advogado estagiário ou solicitador, sem prejuízo do disposto no nº 3 do artigo 52º.
2 – A assistência por mandatário judicial é obrigatória quando o interveniente seja cego, surdo, mudo, analfabeto, desconhecedor da língua portuguesa, ou se por qualquer outro motivo, se encontrar incapacitado de se representar por si mesmo.
3 – O patrocínio por advogado é obrigatório na interposição de recurso e nas causas com valor superior a um quarto da alçada do tribunal da relação.
4 – O juiz de paz supre ou manda suprir oficiosamente a necessidade de representação ou patrocínio do interveniente.
5 – Em processo penal, o arguido será obrigatoriamente assistido por defensor, que lhe será nomeado quando não tiver constituído advogado.
6 – Na fase conciliatória a defesa poderá ser assegurada pelo próprio arguido.
Artigo 39.º
Litisconsórcio e coligação
É admitido o litisconsórcio e a coligação de partes apenas no momento de propositura da ação.
Artigo 40.º
Apoio judiciário
O regime jurídico do apoio judiciário é aplicável aos processos que corram os seus termos no julgado de paz e ao pagamento da retribuição do mediador.
Capítulo VI
Processo
Secção I
Disposições gerais
Artigo 41.º
Distribuição dos processos
A distribuição dos processos é feita no julgado de paz de acordo com regulamento internamente aprovado.
Artigo 42.º
Incidentes
O juiz de paz conhece dos incidentes suscitados pelas partes e previstos na lei processual civil com exceção do disposto no artigo 39º da presente lei.
Secção II
Início do processo e contestação
Artigo 43.º
Início do processo
1 – O processo inicia-se com a apresentação do requerimento com pretensão cível ou com a apresentação de acusação penal na secretaria do julgado de paz.
2 – O requerimento pode ser apresentado verbalmente ou por escrito, em formulário próprio, com indicação do nome e do domicílio do demandante e do demandado, contendo a exposição sucinta dos factos, o pedido e o valor da causa.
3 – Se o requerimento for efetuado verbalmente deve o funcionário reduzi-lo a escrito.
4 – Se estiver presente o demandado pode este, de imediato, apresentar a contestação, observando-se, com as devidas adaptações, o disposto no n.º 2 do presente artigo.
5- Se estiver presente o arguido pode apresentar de imediato a sua contestação, observando-se, com as devidas adaptações, o disposto no n.º 2 do presente artigo.
6 – Em caso de irregularidade formal ou material das peças processuais são as partes convidados a aperfeiçoá-las oralmente no início da audiência de julgamento.
7 – Não há lugar a entrega de duplicados legais cabendo à secretaria facultar às partes cópia das peças processuais.
8 – Caso o requerimento a que se refere o n.º 1 do presente artigo seja apresentado pessoalmente é logo o demandante notificado da data em que terá lugar a sessão de conciliação.
9 – A apresentação do requerimento inicial ou da acusação determina a interrupção da prescrição, nos termos gerais.
Artigo 44.º
Limitações à apresentação do pedido
É admitida a cumulação de pedidos apenas no momento da propositura da ação.
Artigo 45.º
Citação do demandado
1 – Caso o demandado não esteja presente aquando da apresentação do requerimento, a secretaria cita-o para que este tome conhecimento de que contra si foi instaurado um processo, enviando-lhe cópia do requerimento do demandante.
2 – Da citação devem constar a data da sessão de conciliação, o prazo para apresentação da contestação e as cominações em que incorre no caso de revelia.
3- Se o arguido não estiver presente aquando da apresentação da acusação a secretaria notifica-o dando-lhe conhecimento desta com cópia.
Artigo 46.º
Formas de citação e notificação
1 – As citações podem ser efetuadas por via postal, podendo, em alternativa, ser feitas pessoalmente, pelo funcionário.
2 – Não é admitida a citação edital.
3 – As notificações podem ser efetuadas pessoalmente, por telefone, telecópia, correio eletrónico ou via postal e poderão ser dirigidas para o domicílio ou, se for do conhecimento da secretaria, para o local de trabalho do demandado.
4 – Não há lugar à expedição de cartas rogatórias e precatórias.
Artigo 47.º
Contestação
1 – A contestação pode ser apresentada por escrito ou verbalmente, caso em que será reduzida a escrito pelo funcionário, no prazo de 10 dias a contar da citação.
2 – Não há lugar à prorrogação do prazo para apresentar a contestação.
3 – O demandante é imediatamente notificado da contestação e, se não o houver sido anteriormente, da data da sessão de conciliação.
Artigo 48.º
Reconvenção
1 – Não se admite a reconvenção, exceto quando o demandado se propõe obter a compensação ou tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida.
2 – O demandante pode, caso haja reconvenção, responder à mesma no prazo de 10 dias contados da notificação da contestação.
Secção III
Conciliação e mediação
Artigo 49.º
Conciliação
1- A fase de conciliação é obrigatória.
2- Terminada a fase em suporte escrito, o juiz de paz inteira-se do processo, convoca as partes e diligencia pessoalmente no sentido da sua conciliação.
Artigo 50.º
Mediação
1- Quando o juiz de paz não logre conciliar as partes aconselha a mediação, explicando-lhes em que consiste essa faculdade de resolver o litígio.
2- A fase de mediação é facultativa.
Artigo 51.º
Marcação da mediação
1 – Se as partes estiverem de acordo em passar à fase de mediação é marcada data para a primeira sessão num dos dias imediatamente seguintes, sem prejuízo de poder ser logo realizada caso o mediador designado esteja disponível.
2 – Cabe às partes escolher um mediador de entre os constantes da lista a que se refere o artigo 33.º da presente lei, sendo que, caso não cheguem a acordo, cabe à secretaria designá-lo.
3 – A mediação tem lugar na sede do julgado de paz.
Artigo 52.º
Realização da mediação
1 – A mediação tem por objetivo proporcionar às partes a possibilidade de resolverem as suas divergências de forma amigável e concertada, mediante acordo escrito.
2 – A fase de mediação é conduzida pelo mediador em cooperação com as partes.
3 – As pessoas coletivas podem fazer-se representar por mandatários ou procuradores com poderes especiais para desistir, confessar ou transigir.
4 – As partes podem ser assistidas por advogados, peritos, técnicos ou outras pessoas nomeadas.
Artigo 53.º
Falta de comparência à mediação
1 – Se uma ou todas as partes não comparecerem à sessão de mediação, não apresentando justificação no prazo de cinco dias, o processo é remetido à secretaria para marcação da data de audiência de julgamento.
2 – Compete à secretaria marcar, sem possibilidade de adiamento, nova data para a mediação, dentro dos cinco dias seguintes à apresentação da justificação.
3 – Reiterada a falta, o processo é remetido para a fase de julgamento, devendo a secretaria notificar as partes da data da respetiva audiência, a qual deve ter lugar num dos 10 dias seguintes.
Artigo 54.º
Desistência da mediação
1 – As partes podem a qualquer momento desistir da mediação.
2 – Sendo a desistência anterior à mediação é esta comunicada à secretaria.
3 – Caso a desistência ocorra durante a mediação, a comunicação é feita ao mediador.
Artigo 55.º
Acordo
1 – Se as partes chegarem a acordo, é este reduzido a escrito e assinado por todas as partes, para imediata homologação pelo juiz de paz, tendo valor de sentença.
2 – Se as partes não chegarem a acordo ou apenas o atingirem parcialmente, o mediador comunica tal facto ao juiz de paz, que marca dia para a audiência de julgamento, nos dez dias seguintes, sendo as partes notificadas.
Secção IV
Julgamento em primeira instância
Artigo 56.º
Audiência de julgamento
1- Na audiência de julgamento são ouvidas as partes, produzida a prova e proferida sentença.
2- Não é admissível mais de um adiamento da audiência ou da sessão de julgamento.
3- Na audiência de julgamento lavra-se uma ata resumida, da qual constarão as ocorrências mais importantes e os principais meios de prova produzidos, com registo sumário dos depoimentos.
Artigo 57.º
Efeitos das faltas
1 – Quando o demandante, tendo sido regularmente notificado, não comparecer no dia da audiência de julgamento nem apresentar justificação no prazo de três dias, considera-se tal falta como desistência do pedido.
2 – Quando o demandado, tendo sido regularmente citado, não comparecer, não apresentar contestação escrita nem justificar a falta no prazo de três dias, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.
3 – Compete à secretaria marcar, sem possibilidade de adiamento, nova data para a audiência de julgamento, dentro dos cinco dias seguintes à apresentação de justificação.
4 – Reiterada a falta, operam as cominações previstas nos números anteriores.
Artigo 58.º
Meios probatórios
1 – Até ao dia da audiência de julgamento devem as partes apresentar as provas que reputem necessárias ou úteis, não podendo cada interveniente oferecer mais de cinco testemunhas.
2 – As testemunhas não são notificadas, incumbindo às partes apresentá-las na audiência de julgamento.
3 – Sempre que a prova pericial seja requerida e admitida após audição do interveniente contrário, o juiz de paz remete os autos ao tribunal judicial de primeira instância territorialmente competente, para a produção da prova, sendo estes devolvidos ao julgado de paz de origem para prosseguirem para audiência de julgamento.
Artigo 59.º
Sentença
1 – A sentença é proferida na audiência de julgamento e reduzida a escrito, dela constando:
a) A identificação das partes;
b) O objeto do litígio;
c) Uma sucinta fundamentação;
d) A decisão propriamente dita;
e) A advertência sobre o início da execução oficiosa de decisão proferida em caso de não cumprimento voluntário;
f) O local e a data em que foi proferida;
g) A identificação e a assinatura do juiz de paz que a profere.
2 – A sentença é pessoalmente notificada às partes, imediatamente antes do encerramento da audiência de julgamento.
3 – Quando a dificuldade do caso o justifique, a sentença pode ser proferida nos dez dias seguintes, mas o juiz de paz dita para a ata, sempre que possível, o sentido da decisão apenas resumidamente fundamentada.
Artigo 60.º
Valor da sentença
As decisões proferidas pelos julgados de paz têm o valor de sentença proferida por tribunal judicial de primeira instância.
Secção V
Recurso para julgado de segunda instância
Artigo 61.º
Recurso
1 – Da decisão final não é admissível reclamação.
2 – Não há recurso ou reclamação de quaisquer outras decisões do juiz de paz ou da secretaria.
3 –Só cabe recurso da sentença final, a interpor no prazo de 15 dias.
4 – O prazo para recorrer da sentença proferida à revelia do interveniente conta-se a partir da notificação na pessoa do defensor ou procurador mandatado.
5 – O recurso, quando admitido, sobe nos três dias seguintes à sua interposição e tem efeito devolutivo.
Artigo 62.º
Interposição do recurso
1 – O recurso pode interpor-se por declaração na ata, caso em que a resposta pode ser logo registada.
2 – O recurso é rejeitado se faltarem a motivação e as conclusões.
3 – Após admissão do recurso os autos são de imediato remetidos para o julgado de segunda instância, que decide no prazo de 30 dias.
Capítulo VII
Disposições finais
Artigo 63.º
Gestão e disciplina
1- O Conselho Superior da Magistratura dispõe de um Conselho Restrito, através do qual se encaminham todas as questões relacionadas com a rede de julgados de paz, nomeadamente os concursos para juiz de paz, de juiz de paz de segunda instância, a avaliação curricular e do trabalho dos mesmos, questões de natureza disciplinar e demais matérias que decorram do articulado da presente lei.
2- É extinto o Conselho de Acompanhamento previsto e criado pelo artigo 65.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, nos dez dias posteriores à entrada em vigor da presente lei.
3- O espólio na posse do Conselho de Acompanhamento dos Julgados de Paz, a extinguir, transita para o Conselho Superior da Magistratura.
Artigo 64.º
Taxas
1- No julgado de paz há lugar ao pagamento de uma taxa única, podendo esta variar segundo a finalidade declarativa ou executiva.
2- A fixação e o regime de pagamento e reembolso de taxas, e respetiva sujeição a eventual agravamento ou redução são aprovados por Portaria do Ministério da Justiça.
3- Se, por qualquer motivo, um processo houver de seguir para tribunal da ordem judicial as taxas liquidadas no julgado de paz são compensadas, mediante comprovativo, na taxa de justiça devida pelo impulso processual, que sofrerá redução no mesmo montante já pago.
4- No julgado de paz pode ser requerido apoio judiciário nos termos da lei que se aplicará com as devidas adaptações.
Artigo 65.º
Direito subsidiário
São subsidiariamente aplicáveis o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal, no que não seja incompatível com o disposto na presente lei.
Artigo 66.º
Regulamentação
O membro do Governo responsável pela área da justiça publica a regulamentação e demais regimes jurídicos previstos na presente lei, no prazo de 60 dias contados após a sua entrada em vigor.
Artigo 67.º
Norma revogatória
É revogada a Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho.
Artigo 68.º
Entrada em vigor
Sem prejuízo da entrada em vigor da lei, nos termos gerais, as matérias relacionadas com as novas competências em matéria de recursos e de execução de sentenças produzem efeitos jurídicos com a publicação dos correspondentes normativos.
Palácio de São Bento, em 18 de Janeiro de 2013