Projecto de Lei N.º 509/XII/3.ª

Estabelece os princípios do financiamento da produção cinematográfica nacional e da Cinemateca Portuguesa -Museu do Cinema e assegura o financiamento correspondente aos anos de 2012 e 2013

Estabelece os princípios do financiamento da produção cinematográfica nacional e da Cinemateca Portuguesa -Museu do Cinema e assegura o financiamento correspondente aos anos de 2012 e 2013

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A Lei nº 55/2012 foi o instrumento escolhido pelo Governo para suspender o financiamento à produção cinematográfica em Portugal durante 2012 e 2013. A pretexto da produção legislativa que originaria essa lei, o Governo cessou o cumprimento da lei vigente à data, não realizando concursos de apoio à produção cinematográfica em 2012, e depois, por insuficiente vontade de fazer aplicar o quadro legal que o próprio Governo apresentara, acabou por fazer o mesmo durante o ano de 2013, apesar das sucessivas promessas.

A 22 de Maio de 2013 o Partido Comunista Português alertou o Governo para a situação de iminente rutura orçamental da Cinemateca – Museu do Cinema, rutura essa que se traduziria na cessação da prestação do serviço público que cabe a essa instituição, bem como ao Arquivo Nacional da Imagem em Movimento, orçamental e organicamente ligado à Cinemateca.

O Partido Comunista Português alertou para os custos do subfinanciamento da Cinemateca – Museu do Cinema, quer no âmbito da programação, quer no da conservação, restauro e arquivo que cabem ao Arquivo Nacional da Imagem em Movimento. Da mesma forma, o PCP denunciou desde o primeiro momento as insuficiências da Lei do Cinema e do Audiovisual, Lei nº 55/2012, na medida em que esta colocava todo o funcionamento da Cinemateca – Museu do Cinema na estrita dependência de uma taxa de publicidade cujo valor angariado tem vindo a decrescer drasticamente, assim desresponsabilizando o Estado e menorizando o trabalho da Cinemateca e do ANIM em comparação com o do ICA, já que a este último é afetada – na legislação em vigor e que ora se pretende alterar - a totalidade da taxa aplicada aos operadores de serviços de televisão, prevista no nº 2 do Artigo 10º da Lei do Cinema e do Audiovisual.

A política do Governo PSD/CDS no que toca à área da Cultura tem sido caracterizada por opções marcadamente contrárias ao papel do Estado na garantia dos direitos constitucionais à fruição e criação culturais. Em todas as linhas de financiamento à criação artística, o Governo tem aplicado uma política de asfixia, de corte e de demissão perante as responsabilidades que lhe cabem.

Por toda a Europa as Cinematecas são património cultural vivo e em movimento dos vários países. Onde ainda há direito ao cinema – nas perspetivas de quem o cria, realiza e interpreta e de quem o vê – as Cinematecas são o depósito da memória histórica de cada país.

Em Portugal, depois da privatização da Tobis, criada em 1932 com o intuito de apoiar e fomentar o desenvolvimento do cinema nacional, apoiando no fornecimento de serviços de pós produção em filme, vídeo e digital assim como nos processos de digitalização, restauro e conversão de filmes para projeção digital, segue-se a asfixia da Cinemateca Portuguesa-.

Depois da audição da ANACOM, em sede de comissão parlamentar, ficou muito claro que o Governo não cobrou as taxas devidas pelas operadoras de televisão por subscrição porque não tomou quaisquer medidas para proceder a essa cobrança. A apresentação da Proposta de Lei que altera a lei do cinema e que se discute juntamente com o presente projeto de lei redunda afinal numa capitulação do Governo perante os grupos económicos que são simultaneamente os devedores das referidas taxas e o monopólio da distribuição de cinema e de conteúdos em Portugal. O Governo opta por uma solução híbrida, sem reconhecer que a solução que há muito PCP apresenta é, não só a mais justa, como a mais estável.

A opção de direita que consiste na total demissão do Estado perante a produção e criação culturais sacrifica consequentemente o direito à fruição. Não se pode dizer que existe liberdade de fruição na medida em que não existe liberdade de criação. Tal é verdade nas artes em geral e tal é verdade no Cinema Português, apesar da sua qualidade reconhecida dentro e fora do país.

A pretexto das dificuldades económicas do país, o Governo provoca a destruição de um sector, cujo financiamento anual é menor do que um só dia de juros da dívida. Essa disparidade é agravada pela opção de desresponsabilização estatal vertida na Lei do Cinema, ao não atribuir ao Estado qualquer responsabilidade perante o financiamento das instituições e da produção. Na verdade, o mesmo Estado que assume cerca de 7.500 milhões de euros anuais em juros da dívida nega-se a participar com um único euro no financiamento da Cinemateca. Tal situação ilustra bem as suas opções relativamente à Arte e Cultura. O mesmo Governo que disponibilizou já mais de 6.000 milhões de euros para a banca privada, é o que se nega a participar com um só euro no financiamento de uma tarefa que lhe incumbe nos termos da Constituição da República Portuguesa.

O PCP não se opõe à cobrança de taxas que complementem a ação do Estado no financiamento à produção cinematográfica, mas não aceita que tais taxas substituam completamente o papel do Estado, tornando integralmente dependentes dos mercados a produção cinematográfica e a distribuição cinematográfica nacional. Da mesma forma, o PCP não se opõe à cobrança de uma taxa de publicidade ou a uma taxa sobre os operadores de serviços de televisão que contribua para a melhoria da qualidade dos serviços da Cinemateca – Museu do Cinema, desde que tal cobrança não signifique a inexistência de um orçamento de financiamento contemplado no Orçamento do Estado. O trabalho e o serviço da Cinemateca, do ANIM, tal como a produção cinematográfica nacional, não podem existir apenas na medida da dinâmica de um mercado, cujos agentes são na maioria privados. O PCP não aceita que o cinema português e a Cinemateca deixam de existir sempre que as receitas de publicidade baixam ou sempre que os operadores de serviços de televisão percam subscritores, ou pura e simplesmente, se neguem a pagar a parte que lhes cabe de acordo com a Lei do Cinema e do Audiovisual. Mesmo no contexto gerado pela eventual aprovação da Proposta de Lei do Governo, o financiamento continuará indexado à actividade económica no espaço hertziano o que, apesar de mais estável, não rompe com o princípio da não responsabilização do Estado.

O presente Projeto de Lei introduz as responsabilidades do Estado no financiamento do Cinema e assegura à Cinemateca o acesso ao financiamento obtido pela cobrança de taxas e pelo orçamento do estado. Ao mesmo tempo, reduz substancialmente a dependência do conjunto do financiamento da cobrança de taxas e assegura o pagamento do financiamento devido correspondente a 2012 e a 2013.

Sem prejuízo de muitas outras críticas e alterações à Lei nº 55/2012 de que o Grupo Parlamentar do PCP não abdica, impõe-se resolver o conjunto preciso de problemas que se têm vindo a verificar, principalmente no âmbito do financiamento

Assim, ao abrigo das disposições regimentais e constitucionais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresenta o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1º
Objeto
A presente lei altera os artigos 9º, 10º e 13º da Lei nº 55/2012, de 6 de Setembro, estabelecendo um regime de financiamento do cinema português e da Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema e determina o procedimento de cobrança coerciva das taxas previstas na lei e medidas de emergência para o cinema.

Artigo 2º
Medidas de emergência para o Cinema
1. Sem prejuízo dos concursos ordinários a promover pelo Instituto do Cinema e do Audiovisual durante 2014, o Governo procede à abertura extraordinária de concursos de apoio à produção cinematográfica no mesmo ano, no sentido de compensar a suspensão de financiamento correspondente a 2013.
2. O Governo procede, no prazo de 60 dias, à cobrança coerciva do valor em dívida acumulado durante o ano de 2013 pela não liquidação das taxas pelas entidades devedoras, tendo como referência o valor previsto no artigo 10.º da Lei 55/2012, em vigor no ano de 2013.
3. O Governo procede, no prazo de 60 dias, à cobrança coerciva do valor estabelecido no nº 2 do artigo 10º da Lei nº 55/2012, nos termos definidos pelo nº 3 do artigo 27º da mesma lei.
4. Sem prejuízo do número anterior, são transferidos para o ICA, I.P. e para a Cinemateca, I.P., os valores correspondentes à cobrança prevista, sendo transitoriamente reafectadas para o efeito as verbas necessárias através do Fundo de Fomento Cultural.

Artigo 3º
Alteração à Lei nº 55/2012 de 6 de Setembro
Os artigos 9º, 10º e 13º da Lei n.º 55/2012, de 6 de Setembro, passam a ter a seguinte redação:

“Artigo 9º
Financiamento
1. O Estado assegura o financiamento das medidas de incentivo e de atribuição de apoios com vista ao desenvolvimento da arte cinematográfica e do setor audiovisual, nos termos estabelecidos na presente lei e nos diplomas que a regulamentam, por meio da cobrança de taxas, do estabelecimento de obrigações de investimento e da consagração de um orçamento de funcionamento e de um orçamento de investimento em sede de orçamento geral do Estado, atribuídos ao Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA, I.P.) e à Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema (Cinemateca, I.P.).

2. As fórmulas de financiamento do Orçamento de funcionamento do ICA, I.P. e da Cinemateca, I.P. são aprovadas por Decreto-Lei anualmente e asseguram todos os custos de estrutura das referidas entidades.

3. O Orçamento de Investimento é inscrito no Orçamento do Estado em cada ano e o seu valor é igual à previsão do valor angariado pela cobrança da taxa prevista no artigo 10º para o mesmo ano, acrescendo a esse.

Artigo 10º
Taxas
1. (…)
2. Os operadores de serviços de televisão por subscrição encontram-se sujeitos ao pagamento de uma taxa anual de dois euros e cinquenta cêntimos por cada subscrição de acesso a serviços de televisão, a qual constitui um encargo dos operadores.
3. À taxa referida no número anterior aplicam-se, em cada ano civil, uma atualização percentual igual à da inflação e um aumento de 5% sobre o valor resultante, até ao máximo de cinco euros.

Artigo 13º
Consignação de receitas
1. (…)

2. O produto da cobrança da taxa prevista no nº 2 do artigo 10º constitui:

a) 20%, receita da Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema (Cinemateca, I.P.);
b) 80%, receita do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA, I.P.).

3. A consignação da receita do ICA, I.P., deduzidos os compromissos assumidos em quaisquer parcerias ou acordos celebrados no âmbito das suas atribuições, é alocada tendo em atenção as seguintes prioridades, em conformidade com a declaração de prioridades e com o orçamento anual:

b) (…);
c) (…).

4. A percentagem prevista na alínea b) do número anterior será aumentada em cada ano civil em 5% até ao limite máximo de 30%, nos termos definidos em diploma regulamentar da presente lei.”

Artigo 4º
É aditado à Lei nº 55/2012 o artigo 12º-A com a seguinte redação:

“12º-A
Garantia das tranferências
1 -Até ao fim do mês de Março de cada ano, o Governo transfere para o ICA, I.P. e para a Cinemateca, I.P. as verbas correspondentes ao resultado esperado da aplicação das taxas referidas no artigo 10.º da presente lei.
2 – A transferência prevista no número anterior não é prejudicada pela não liquidação das taxas pelas entidades pagadoras.

Artigo 5º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia a seguir à sua publicação.

Assembleia da República, em 7 de fevereiro de 2014

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