Projecto de Resolução N.º 1140/XII/4.ª

Estabelece a obrigatoriedade de elaboração e apresentação de um Relatório Anual sobre a avaliação das políticas destinadas à erradicação à pobreza e exclusão social

Estabelece a obrigatoriedade de elaboração e apresentação de um Relatório Anual sobre a avaliação das políticas destinadas à erradicação à pobreza e exclusão social

I

Em outubro de 2014 a violência da pobreza no nosso país é chocante. Ao assinalar-se o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza somos obrigados a confirmar que apesar das promessas feitas a partir do ano 2000 pelos sucessivos governos quanto ao combate à pobreza, em Portugal este flagelo atinge dimensões brutais.

Hoje, no nosso país milhões de portugueses encontram-se em risco de pobreza e muitos milhares de famílias estão numa situação de pobreza absoluta. O empobrecimento, a pobreza e a exclusão social crescem e instalam-se na sociedade portuguesa em relação estreita e direta com o brutal agravamento das desigualdades sociais, do galopante aumento do desemprego, o acentuar dos baixos salários e reformas e a crescente limitação e mesmo exclusão de acesso a importantes apoios e prestações sociais na saúde, na segurança social e no ensino.

Depois de 38 anos de política de direita, 28 anos de processo de integração capitalista da União Europeia de 3 anos de aplicação da política dos PEC e do Pacto da Troika por PS, PSD e CDS-PP, a devastação económica e social do país é marcante.

As consequências da aplicação dos PEC e do Pacto de Agressão da Troika resultaram no aumento das situações de fome e de carência alimentar entre a população; aumentam os casos dramáticos de cortes no abastecimento de serviços de água, luz e gás nas casas de muitas famílias; as situações de perda da habitação por impossibilidade em cumprir com os respetivos compromissos, de entrega do respetivo imóvel ao banco ou de ações de despejo são dramáticas. Muitas famílias são obrigadas a atrasos ou não pagamento de creches e lares, ou a difícil opção entre comer ou comprar medicamentos.

A fome é hoje uma realidade nos lares de muitas famílias. Milhares de trabalhadores e de reformados esgotam o seu rendimento mensal no pagamento da habitação, água, eletricidade e pouco lhes resta para a alimentação. Questões básicas, como óculos ou idas ao médico numa situação de doença passaram a ser um “luxo”. Muitas famílias, mesmo auferindo rendimentos do seu trabalho ou das suas reformas, já não têm condições para fazer face ao custo de vida. É o caso dos cerca de 500 mil trabalhadores que auferem o salário mínimo nacional e que ao final do mês, levam para casa 450 euros; ou os cerca de 1,5 milhões de pensionistas que recebem menos de 500 euros mensais.

Esta espiral de agravamento da pobreza e exclusão social tem no Governo PSD/CDS uma dupla responsabilidade: direta, no corte dos salários, pensões e apoios sociais; e indireta, face ao impacto decorrente da destruição das funções sociais do Estado e da maior vulnerabilidade dos cidadãos. Num documento publicado em março de 2014, a Rede Europeia Anti-Pobreza, analisa importantes “Indicadores sobre a pobreza - Dados Europeus e Nacionais”. Nesse documento podemos ler que “Em Portugal a mão-de-obra é mal paga e o emprego precário predomina e os grandes grupos económicos que muitas vezes criam Fundações com fins sociais ou culturais são aqueles que eternizam esta condição de precariedade dos nossos trabalhadores”. Refere ainda o mesmo documento que “a educação que, durante muitos anos foi vista e comprovada com dados estatísticos como sendo uma forma de sair do ciclo vicioso da pobreza, atualmente já não tem uma correlação tão direta. Primeiro, porque, devido à crise, há cada vez mais estudantes a abandonar o ensino superior e depois porque muitos dos jovens recém-licenciados são recrutados por empresas estrangeiras para ajudar esses países a crescer”.

A eliminação e redução dos valores de importantes apoios sociais como o abono de família, subsídio social de desemprego, subsídio de doença, rendimento de inserção social e complemento solidário para idosos traduzem-se diretamente no agravamento da pobreza e exclusão social. Em Portugal, a taxa de risco de pobreza é superior à de alguns países com rendimentos mais baixos, mesmo após a transferência dos valores das prestações sociais, o que torna clara a necessidade efetiva de reforço dos mecanismos sociais de combate à pobreza e à exclusão social.

Agudizam-se as dificuldades para intervir junto dos chamados grupos de risco: a falta de apoio às pessoas prostituídas; o desinvestimento no trabalho junto dos toxicodependentes; a falta de meios técnicos e humanos para detetar e acompanhar as situações de risco de crianças e jovens, de idosos, ou pessoas com deficiência, bem como das pessoas designadas como sem abrigo. Para além dos problemas imediatos de privação no acesso a alimentos, bens e direitos, a situação do país está a gerar problemas ao nível da saúde mental. Falta apoio médico ou dinheiro para a compra dos respetivos medicamentos. Aumentam os casos de suicídios. Um quadro social potenciador do aumento de diversos tipos de violência.

II

A realidade do nosso país confirma que a opção política de substituição de direitos económicos e sociais por políticas públicas assistencialistas e caritativas, adotada pelo atual Governo PSD/CDS e pelo anterior Governo PS, representou um retrocesso político e social civilizacional, tendo resultado objetivamente no agravamento da pobreza e exclusão social.

Dados recentes divulgados pelo INE - Inquérito às condições de vida e rendimentos dos portugueses referentes ao ano de 2012 – demonstram que a pobreza no nosso país tem vindo a agravar-se em paralelo com o agravamento da desigualdade na distribuição da riqueza. O risco de pobreza aumentou significativamente em 2012 atingindo o valor mais elevado desde 2005: 18,7% da população, cerca de 2 milhões de pessoas. Contudo, se o efeito do abaixamento generalizado dos rendimentos dos portugueses for corrigido, então concluímos que estão efetivamente em risco de pobreza 24,7% da população, ou seja, cerca de 2 milhões e 600 mil pessoas.

Entre 2011 e 2012, o Governo PSD/CDS-PP atirou mais de 500 mil pessoas para a pobreza, sendo que 40,2% dos desempregados e 10,5% dos empregados estão em situação de pobreza e o risco de pobreza entre os menores de 18 anos é de 24,4%. Os dados do INE referem que, em 2013, 25,5% da população sofria de privação material e 10,9% sofria mesmo de privação material severa.

Dados da Segurança Social retratam sucessivas diminuições quer no valor quer no número de beneficiários de diversas prestações sociais não obstante a pobreza estar a aumentar e significativamente. Tal, é inseparável da estratégia em curso de destruição das funções sociais do Estado, seguida por sucessivos governos e agravada pelo atual Governo PSD/CDS-PP.

O quadro abaixo evidencia a redução do número de beneficiários das prestações sociais entre Maio de 2011 e Dezembro de 2013.

Prestação Social Mai.2011 Dez. 2011 Mai.2012 Dez. 2012 Mai.2013 Nov.2013 Dez. 2013
Subsidio Social de Desemprego 28.073 26.949 32.841 28.673 24.160 18.789 19.529
Rendimento Social de Inserção 326.858 316.949 334.511 280.917 266.736 234.929 231.949
Abono de família 1.191.198 1.219.919 1.197.692 1.189.554 1.198.134 1.161.186 1.170.786

III

No referido documento, publicado em março de 2014 pela a Rede Europeia Anti-Pobreza, sobre “Indicadores sobre a pobreza - Dados Europeus e Nacionais”. Podemos ler que “alguns indicadores como a taxa de pobreza, parecem revelar uma melhoria, no entanto, quando se analisam outros dados verifica-se que esta não é uma melhoria real e que ainda têm de ser feitos esforços aos mais diversos níveis para se reverter esta situação. O último relatório de Portugal sobre o Ponto da situação das Metas em Portugal relativas à Estratégia 2020 é disso exemplo ao não apresentar os dados necessários para se conhecer a realidade do país na sua especificidade e, consequentemente não favorecer uma leitura clara e real da situação nacional em termos económicos e sociais”. A presente iniciativa do PCP vai nesse sentido.

Ao longo dos anos o PCP tem apresentado diversas propostas com o objetivo da erradicação da pobreza e exclusão social. Das quais destacamos:

Tipo Nº SL Título Autoria
Projeto de Lei 357/XII 2 Cria a Comissão Nacional dos Direitos das Crianças e Jovens.
PCP

Projeto de Lei 355/XII 2 Cria um Programa Extraordinário de Combate à Pobreza Infantil e reforça a proteção dos Direitos das Crianças e Jovens.
PCP
Projeto de Resolução 482/XII 2 Sobre o combate à pobreza.
PCP
Projeto de Resolução 263/XII 1 Pelo combate ao empobrecimento e à agudização da pobreza entre as mulheres.
PCP
Projeto de Resolução 92/XI 1 Rejeita o Programa de Estabilidade e Crescimento para o Período 2010-2013 e recomenda ao Governo que adopte uma política orientada para a defesa do interesse nacional, o crescimento económico e a convergência real, o combate ao desemprego e à pobreza, a qualidade dos serviços públicos, a justiça e equidade fiscais, o combate ao endividamento externo e o controlo das conta públicas.
PCP
Projeto de Resolução 356/X 3 Recomenda a definição de um limiar de pobreza e a avaliação das políticas públicas destinadas à sua erradicação.
PS ,PSD ,PCP ,CDS-PP ,BE ,PEV
Projeto de Deliberação 86/V 3 Encarrega a comissão de trabalho, segurança e familia de preparar, organizar e promover em breve espaço de tempo, uma audição pública sobre a pobreza em Portugal.
PCP

Algumas destas iniciativas foram aprovadas, sem que no entanto o seu cumprimento tivesse acontecido. Tal é o caso do Projeto de Resolução n.º356/X/3 Recomenda a definição de um limiar de pobreza e a avaliação das políticas públicas destinadas à sua erradicação; e do Projeto de Resolução n.º263/XII/1 Pelo combate ao empobrecimento e à agudização da pobreza entre as mulheres.

Entretanto, o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza é marcado pela apresentação pelo Governo PSD/CDS-PP da proposta de Orçamento do Estado para 2015, alicerçada em elevados níveis de desemprego, no empobrecimento por via da redução dos salários e das reformas e numa brutal carga fiscal em sede de IRS. Isto, combinado com reiterados cortes nas prestações sociais e o aumento do custo de vida representa uma deliberada opção política pela acentuação das injustiças e desigualdades na distribuição do rendimento nacional, aumentando o fosso entre a pobreza da maioria da população e a acumulação da riqueza e dos privilégios de uma minoria social – os grupos económicos e financeiros.

Para o PCP, a luta contra a pobreza e a exclusão social exige uma estratégia conjugada de medidas de prevenção, combate e erradicação dos fatores e causas que geram e alimentam o fenómeno da pobreza.

O combate à pobreza e à exclusão social é inseparável de um caminho mais geral de desenvolvimento económico, valorização do trabalho, aumento dos salários e das pensões, maior justiça na distribuição da riqueza, elevação das condições de vida do povo.

Em Portugal, este caminho impõe a rejeição do Pacto da Troika e do Tratado Orçamental, e a rutura com a política de direita; e exige uma política patriótica e de esquerda que assuma como prioridades o desenvolvimento económico e social assente na defesa da produção nacional, na valorização dos salários e das pensões, na promoção das funções sociais do Estado.

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República Portuguesa, recomendar ao Governo que:

1- No prazo de 60 dias, entregue à Assembleia da República, um Relatório sobre o cumprimento da Resolução da Assembleia da República n.º 31/2008 e a Resolução da Assembleia da República n.º 47/2013;

2- Elabore anualmente, até ao final do mês de Fevereiro do ano imediato, entregue e discuta em sessão plenária da Assembleia da República um Relatório de avaliação das políticas destinadas à erradicação à pobreza e exclusão social.

Assembleia da República, em 17 de outubro de 2014

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