Exposição de motivos
Desde o ano de 2006 que o Governo vinha apresentando ao Parlamento um relatório anual sobre a evolução do combate à fraude e à evasão fiscais em todas as áreas da tributação. O calendário político passou a partir daquela data a prever a existência de um debate anual relevante envolvendo aspectos essenciais para o conhecimento estruturado da opinião pública sobre a acção global do Estado na recolha das receitas fiscais, incluindo a forma como evoluem os instrumentos, os meios humanos e as ferramentas legislativas de combate ao crime fiscal, incluindo o crime de branqueamento de capitais.
A elaboração e a apresentação deste relatório anual nunca foram, infelizmente, obrigações permanentes do Governo, resultavam antes de normas anualmente renovadas em sede dos sucessivos orçamentos do Estado, desde 2006 até 2010, sempre ratificadas por votações unânimes do Parlamento. Foi assim na Lei n.º 60–A/2005, de 30 de Dezembro de 2005 (Orçamento do Estado para 2006), no seu artigo 91.º, na Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro de 2206, (Orçamento do Estado para 2007), no seu artigo 128.º, na Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro de 2007 (Orçamento do Estado para 2008), no seu artigo 95.º, na Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro de 2008 (Orçamento do Estado para 2009), no seu artigo 124.º, e na Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril de 2010 (Orçamento do Estado para 2010), no seu artigo 136.º.
Entretanto, na Lei do Orçamento do Estado para 2011 (Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, o Governo não renovou a inclusão desta obrigação, razão formal pela qual o Governo não entregou na data habitual, (final do mês de Fevereiro), qualquer relatório sobre a evolução, no ano de 2010, do combate à fraude e evasão fiscais.
A razão formal não é, contudo, suficiente para explicar esta omissão política que, pela primeira vez em seis anos, furta ao Parlamento, e também ao País, o conhecimento sobre elementos essenciais relativas à recolha de receitas fiscais, incluindo a possibilidade de efectuar uma avaliação política relativa à forma como o combate à evasão e à fraude fiscais vai, ou não evoluindo positivamente.
De facto esta omissão, ou estratégico esquecimento formal, confirma na prática os indícios de que o combate à evasão fiscal e o combate à fraude fiscal têm sido crescentemente desvalorizados pelo Governo, desde, pelo menos, o ano de 2009. Na parte final do ano de 2009, o PCP teve, aliás, oportunidade de confrontar repetidamente o Governo com a real possibilidade de se estar a assistir a um aumento da economia paralela e da evasão fiscal, baseada na evidência da perda generalizada de receitas fiscais, (nomeadamente em sede de impostos indirectos) muito acima da quebra da actividade económica e da diminuição da produção nacional da riqueza ocorrida ao longo de 2009, que se cifrou em 2,7%. Basta aliás confrontar com este valor global da diminuição da riqueza em Portugal com a diminuição na recolha da globalidade de impostos indirectos, que diminuíram 15,4%, e, de forma ainda mais relevante com a diminuição dos IVA, cuja quebra de receita em 2009 ascendeu a 18,9%, um nível sete vezes superior ao da quebra do produto interno bruto (PIB).
Contrariando o que PCP insistentemente tinha dito e contrariando os alertas de muitos outros observadores, o Governo – e particularmente o Ministro das Finanças – desvalorizou este desfasamento tão grande entre a quebra da actividade económica e a quebra na recolha de receitas do IVA, atribuindo-a a factores diversos nunca objectivados nem demonstrados, e rejeitou qualquer hipótese de se estar a assistir a uma acréscimo significativo da fuga aos impostos e a um reforço substancial da economia paralela.
Pode estar exactamente na tentativa de omitir e esconder a realidade o facto do Governo se furtar em 2011, a apresentar o relatório sobre a evolução do combate à evasão e fraude fiscais.
Entretanto, surgem muitos outros elementos e notícias, conhecidas ao longo dos últimos meses, que avolumam a hipótese dos responsáveis políticos governamentais pela máquina tributária estarem a desvalorizar o combate à evasão e fraude fiscais, desde a diminuição muito sensível de recursos humanos, incluindo aos níveis mais qualificados, ao adiamento (cancelamento?) de novos concursos de admissão de inspectores tributários que compensassem a generalizada fuga de recursos humanos (incluindo inúmeros casos de pedidos de reforma antecipada), até ao concretizar de avaliações de desempenho baseados em critérios meramente quantitativos cuja consequência é – evidentemente - a conclusão e encerramento de inúmeros processos sem o recurso – mais complexo e demorado – aos instrumentos de investigação que poderiam determinar a real situação de muitos contribuintes potencialmente evasores.
O País tem o direito de conhecer o que o Estado faz para combater o crime fiscal, tem o direito a ser regularmente informado de uma forma sistemática e estruturada, e não de forma avulsa e (mais ou menos) conveniente par os sucessivos poderes políticos, sobre os instrumentos legislativos e outros de que a máquina tributária dispõe, ou não, para determinar a real situação fiscal da generalidade dos contribuintes. O País tem também o direito a poder avaliar de forma sustentada e objectiva a eficiência e eficácia da investigação tributária e os seus resultados concretos.
Há manifesto interesse público neste conhecimento e na possibilidade de se poder fazer esta avaliação já que, quanto melhor forem os resultados do combate à evasão fiscal e quanto maiores forem os resultados na luta contra a economia paralela maior será a possibilidade de se poder diminuir a carga fiscal sobre quem paga e não foge aos impostos. E bem se sabe quanto quem não foge e paga (sempre) pelos que se evadem às suas obrigações fiscais são os mais desprotegidos e aqueles que trabalham por conta de outrem.
Por isso o PCP entende adequado que a elaboração e apresentação pública de um relatório anula sobre a evolução do combate à evasão e crime fiscais não dependa da vontade deste ou daquele Governo, ou dos humores e boa vontade deste ou daquele governante e passe a ser uma obrigação política e um dever do poder executivo perante o Parlamento, isto é perante o País.
Neste contexto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projecto de Lei:
Artigo 1.º
Objectivo
É criada a obrigatoriedade do Governo elaborar e apresentar à Assembleia da República um Relatório sobre a evolução do Combate à Evasão e Fraude fiscais.
Artigo 2.º
Âmbito
1. O Relatório sobre a evolução do Combate à Evasão e Fraude Fiscais abrange todas as áreas da tributação e explicita os resultados alcançados, designadamente quanto ao valor das liquidações adicionais realizadas, bem como quanto ao valor das colectas recuperadas nos diversos impostos.
2. O Relatório contém, designadamente, toda a informação estatística relevante sobre as inspecções tributárias efectuadas, bem como sobre os resultados obtidos com a utilização dos diversos instrumentos jurídicos para o combate á fraude e à evasão fiscais, em especial a avaliação indirecta da matéria colectável e a derrogação administrativa do dever de segredo bancário, devendo igualmente proceder a uma avaliação da adequação desses mesmos instrumentos, tendo em conta critérios de eficiência da acção inspectiva.
3. O Relatório deve ainda conter, no estrito respeito dos diferentes deveres de segredo a que a administração tributária está vinculada, informação estatística relativa às infracções tributárias resultantes de acções de inspecção, designadamente evidenciando, de forma agregada, o resultado final dos processos.
Artigo 3.º
Periodicidade
1. O Relatório sobre o Combate à Evasão e Fraude Fiscais é elaborado pelo Governo anualmente e entregue na Assembleia da República até ao final do mês de Fevereiro do ano imediato ao que diz respeito.
2. Quando, em resultado da realização de eleições legislativas, não seja possível cumprir o prazo previsto no número anterior, o Governo apresenta o Relatório até 90 dias após a aprovação do Programa do Governo.
Artigo 4.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Assembleia da República, em 29 de Março de 2011