Exposição de motivos
Os solos constituem um recurso fundamental para a vida na Terra e ao qual se associam diversas e imprescindíveis funções ao nível ambiental, biológico, científico, social, cultural e económico.
Quando sobre explorados e/ou degradados por contaminação, salinização, impermeabilização ou erosão, os solos podem deteriorar-se irreversivelmente ou levar dezenas ou centenas de anos até à sua recuperação.
Apesar da sua importância, os solos têm vindo a sofrer grandes alterações, fruto da sua ligação a muitas atividades antropogénicas (ou com efeito antropogénico) e consequente sujeição a crescentes pressões de sobre-exploração, que têm conduzido à sua degradação por contaminação, impermeabilização e/ou erosão.
A degradação do solo pode conduzir à perda das suas funcionalidades bióticas e abióticas, através de uma deterioração progressiva das suas capacidades, com efeitos irreversíveis ou que podem levar centenas de anos a recuperar. A afetação dos solos, para além do comprometimento do recurso ele próprio, é muitas vezes acompanhada de graves custos económicos bem como por custos ao nível da biodiversidade e saúde pública, dependendo da gravidade, dimensão e tipo de degradação.
No âmbito do desenvolvimento do Plano Nacional de Ação Ambiente e Saúde (PNAAS), foi constituída uma Equipa de Projeto dedicada à problemática do Solo e Sedimentos, tendo como missões (entre outras que lhe estavam acometidas) a identificação, avaliação e monitorização dos locais do território nacional cujos solos e materiais sedimentares estão contaminados, ou são suscetíveis de o serem e a identificação dos respetivos contaminantes.
Neste contexto e ao abrigo do PNAAS, foi publicado o Relatório de Atividades desta Equipa de Projeto no qual se identificaram os principais processos de degradação dos solos em Portugal, a saber: perda de matéria orgânica; erosão; compactação; salinização; deslizamento de terras; acidificação; impermeabilização/selagem; contaminação; redução da biodiversidade e desequilíbrio de nutrientes.
O mesmo relatório aponta que “de entre inúmeras consequências da degradação do solo, podem mencionar-se a diminuição da fertilidade do solo, do carbono e da biodiversidade, uma menor capacidade de retenção da água, a interrupção do ciclo gasoso e do ciclo dos nutrientes e uma degradação reduzida dos contaminantes”.
No que se refere à contaminação dos solos, caracterizada pela presença de compostos químicos ou biológicos estranhos ao sistema ou em desequilíbrio, podendo resultar de atividades industriais, extrativas, utilização de agroquímicos, deposição de resíduos em aterros, ou ainda resultante de fenómenos como os incêndios, os contaminantes identificados como mais comuns são os hidrocarbonetos, os pesticidas e os metais pesados como o chumbo, o cádmio ou o mercúrio.
Pelas suas características, a contaminação dos solos tem consequências graves tanto para a vida e atividades humanas como para os ecossistemas, resultando em perda da biodiversidade ou contaminação em cadeia e em efeitos nocivos sobre a saúde humana.
Os solos devem ser protegidos, impondo-se a necessidade de resolução dos passivos ambientais existentes, mediante a realização de um adequado procedimento de descontaminação dos solos. Nesta matéria, ganham especial importância as soluções associadas à remediação de solos dada a frequência de casos de contaminação que, tendo início no solo, se propaga por múltiplos recursos a partir de um primeiro foco, nomeadamente através dos lençóis freáticos ou mesmo com deslizamento de terras, que não estando devidamente tratadas, são depostas em novos locais, iniciando nova contaminação.
Atualmente o ordenamento jurídico nacional não dispõe de legislação específica que acautele de forma integrada e consistente a proteção do recurso solo, quer do ponto de vista preventivo quer corretivamente.
Apesar da Lei n.º 19/2014, de 14 de abril, que define as bases da política de Ambiente, estabelecer regras gerais sob as quais se deve orientar a política dos solos, ao dia de hoje ainda não existe, no direito nacional, enquadramento legal concreto sobre esta matéria.
Para colmatar essa lacuna, em 2015 foi concebido o Projeto legislativo relativo à Prevenção da Contaminação e Remediação dos Solos – ProSolos – estabelecendo regime jurídico sobre a matéria, procurando responder à necessária salvaguarda do ambiente e da saúde humana, fixando o processo de avaliação da qualidade e de remediação do solo, bem como a responsabilização pela sua contaminação.
Trata-se de uma proposta legislativa que, apesar de já ter sido apresentada e submetida a consulta pública, processo que ficou concluído em 2016, até hoje não foi levada a votação, continuando, de forma inexplicável, em análise por parte do Governo. Neste contexto é ainda de referir que o resultado da consulta pública, patente no relatório publicado sobre o processo, revela que a proposta não ofereceu oposições significativas, o que ainda torna mais incompreensível o atraso da sua apresentação e votação.
A concretização da proposta da PRoSolos baseada em três pilares: avaliação da qualidade dos solos, remediação da contaminação e responsabilização pela contaminação, permitiria clarificar os critérios e valores de referência em termos de contaminação de solos, bem como clarificaria a cadeia de responsabilidade dos diversos intervenientes em caso de contaminação dos solos, considerando desde o operador atual ao anterior ou a terceiros envolvidos, garantindo maior segurança a todos os intervenientes na transmissão de propriedade ou no desenvolvimento de projetos e atividades.
A existência de normas a seguir no âmbito da contaminação de solos, impediria também a muitas vezes errada classificação dos solos como resíduos (por exemplo, com o regime de admissão em aterro) e o seu incorreto encaminhamento, transporte e deposição.
Um aspeto que torna urgente a publicação da proposta legislativa PRoSolos é a necessidade de se conhecer a situação atual dos solos em Portugal, em termos da eventual contaminação, identificando as situações de maior risco e as que requerem intervenção mais urgente.
A proposta legislativa colocada em consulta pública previa a realização de um levantamento dos locais com previsível contaminação através de questionário a que todos os detentores de atividades industriais ou potenciadoras de contaminação teriam de responder. Esse questionário permitiria estabelecer uma escala de risco de contaminação da qual seriam estabelecidas prioridades de intervenção, quer no domínio da realização de estudo preliminar ou aprofundado sobre a matéria, quer mesmo de remediação.
No decurso do levantamento realizado, a PRoSolos contempla a elaboração do denominado Atlas da Qualidade do Solo reunindo a informação disponível relativa aos locais contaminados e remediados, bem como a informação agregada relativa às atividades potencialmente contaminantes, tipos de contaminação e técnicas de remediação adotadas.
Neste momento não existe um horizonte temporal concreto para a concretização da PRoSolos. Por conseguinte, a Agência Portuguesa do Ambiente não possui atualmente, enquanto Autoridade Nacional de Resíduos, um levantamento dos solos contaminados ou em risco de contaminação, desconhecendo-se a situação real dos solos no País.
O PCP considera que, independentemente da urgência de se aprovar a legislação específica sobre solos, que venha a estabelecer um quadro normativo pelo qual tanto as entidades públicas como as privadas se devem guiar, é possível e urgente dar início ao processo de levantamento da situação atual, começando a dar forma ao Atlas da Qualidade do Solo.
No Inventário Preliminar de Áreas Potencialmente Contaminadas em Portugal produzido em 2000 (excluindo as zonas mineiras, as lixeiras e as áreas contaminadas pela agricultura) foi realizada uma estimativa de 22 344 locais onde existe poluição dos solos. Atualmente, apesar da inexistência de legislação específica no que respeita à contaminação de solos, são diversos os casos em que proprietários de terrenos, nomeadamente no âmbito de processos de compra e venda, solicitam a análise do estado de contaminação do solo e, quando necessário, empreendem projetos com vista à remediação da sua contaminação.
Neste contexto, o PCP considera estarem reunidas as condições para se iniciar o processo de levantamento e centralização de informação, a partir do cruzamento e atualização dos elementos já existentes, tendo como referência as classificações da Carta de Uso e Ocupação do Solo (COS), em conjugação com o processo de levantamento e fiscalização de situações associadas a passivos ambientais que é necessário resolver.
Um levantamento desta natureza constitui um processo demorado e com enormes exigências, entendendo o PCP ser imprescindível começar a dar passos no sentido da sua concretização, priorizando áreas específicas, nomeadamente antigas zonas industriais, complexos extrativos desativados e antigas lixeiras municipais, independentemente de se vir a aprovar posteriormente uma versão completa do Atlas da Qualidade do Solo.
Trata-se de um processo que deverá ser conduzido pela Agência Portuguesa do Ambiente em articulação com a Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, a Direção Geral de Energia e Geologia, as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) e, nos casos em que tal se justifique, as autarquias locais, de forma a proceder a amostragens e avaliação da qualidade do solo, água superficial e subterrânea e ar intersticial.
Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei estabelece os procedimentos para a elaboração e publicação do Atlas da Qualidade do Solo, incluindo o levantamento de informação sobre solos contaminados ou potencialmente contaminados em zonas prioritárias.
Artigo 2.º
Definição de zonas prioritárias e levantamento de informações sobre solos contaminados ou potencialmente contaminados
- O Governo promove a elaboração e a publicitação da listagem de zonas prioritárias a avaliar no âmbito do levantamento de informação sobre solos contaminados ou potencialmente contaminados em território nacional.
- A listagem de zonas prioritárias referida no número anterior inclui, pelo menos, as áreas correspondentes a espaços industriais inativos, explorações de inertes e de depósitos minerais inativas e antigos locais de deposição de resíduos.
- Para as zonas prioritárias integradas na listagem referida nos números anteriores é efetuado o levantamento da informação disponível sobre potenciais focos de contaminação, poluentes a considerar para efeito de avaliação da contaminação, identificação de risco de contaminação e elementos de caracterização da contaminação do solo e eventual remediação que tenha já sido realizada.
Artigo 3.º
Recolha, seleção e tratamento de dados
- O Governo promove a elaboração e execução de um plano de amostragem e caracterização da contaminação do solo, águas superficiais e subterrâneas e ar intersticial, para as zonas prioritárias para as quais não se disponha de dados suficientes de caracterização da qualidade do solo.
- Até à publicação de legislação específica sobre contaminação de solos, o plano referido no número anterior deve obedecer às orientações, medidas, recomendações e aos elementos constantes dos Guias Técnicos para a prevenção da contaminação e remediação dos solos elaborados pela Agência Portuguesa do Ambiente, no que respeita a metodologia de amostragem e análise, contaminantes e valores de referência a considerar.
- Os dados provenientes da análise da contaminação dos solos, águas superficiais e subterrâneas e ar intersticial, bem como identificação de risco de contaminação, são objeto de tratamento e sistematização centralizada e integrados em base de dados georreferenciada para o território nacional.
Artigo 4.º
Atlas da Qualidade do Solo
- O Governo promove a elaboração, publicação e divulgação do Atlas da Qualidade do Solo.
- O Atlas da Qualidade do Solo referido no número anterior reúne o conjunto de informação disponível relativa a situações de contaminação de solos e sua remediação, ao risco de contaminação do solo, bem como a informação agregada e georreferenciada relativa às atividades potencialmente contaminantes, aos tipos de contaminação identificados ou previsíveis e técnicas de remediação adotadas ou as que adequadamente se devem adotar.
- O Atlas da Qualidade do Solo deve ser anualmente atualizado, integrando os resultados que forem sendo recolhidos em processos de avaliação da qualidade do solo e sua remediação executados ao abrigo da caracterização ambiental do território ou associados a avaliação de impacte ambiental, avaliação de incidências ambientais, ou outros procedimentos associados a licenciamento de projetos ou alienação de terrenos.
Artigo 5.º
Competências
- A realização dos trabalhos identificados nos artigos 2.º, 3.º e 4.º da presente Lei é da competência da Agência Portuguesa do Ambiente, I.P., em articulação com a Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, a Direção Geral de Energia e Geologia e as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional.
- O planeamento e desenvolvimento dos trabalhos envolvidos no levantamento de situações de contaminação de solos e na elaboração do plano de amostragem e caracterização da contaminação de solos e identificação de riscos de contaminação deve ser articulado com as autarquias locais, para melhor aferição das situações em presença.
- Compete à Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. assegurar a atualização anual do Atlas da Qualidade do Solo nos seus diversos aspetos e proceder à sua publicitação e divulgação no seu sítio da internet.
Artigo 6.º
Prazos
- O Governo publica e apresenta à Assembleia da República a listagem de zonas prioritárias a avaliar no âmbito do levantamento de informação sobre solos contaminados ou potencialmente contaminados em território nacional, no prazo de 180 dias após a entrada em vigor da presente Lei.
- O Governo publica e apresenta à Assembleia da República a versão inicial do Atlas da Qualidade do Solo e respetiva nota explicativa, no prazo de um ano após a entrada em vigor da presente Lei.
- O Governo apresenta à Assembleia da República um relatório de atividades e conclusões relativas aos trabalhos realizados no âmbito da elaboração do Atlas da Qualidade do Solo, um ano após a entrada em vigor da presente Lei.
Artigo 7.º
Entrada em vigor
A presente Lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.