Exposição de motivos
Com o encerramento das escolas, no início do ano, as famílias com crianças e jovens a cargo viram-se novamente numa situação complexa e desgastante: com os alunos em casa em ensino não presencial e com os pais e encarregados de educação muitas em teletrabalho ou a ter de acionar o mecanismo de assistência à família.
Os pais, além de cuidar das crianças, desdobram-se nas tarefas de apoio ao estudo, na logística de conciliar os diversos horários, em casas que não estão preparadas para serem escritórios, nem escolas, com falta de equipamentos e de condições para trabalhar e estudar.
Se há algo que este último ano demonstra é que o ensino presencial é o único que garante a necessária interação entre o aluno e o professor na sala de aula, elemento decisivo para garantir a qualidade do ensino.
Cada vez mais se comprova, em vários estudos e dados disponíveis, que as consequências do confinamento e do encerramento das escolas são muito penalizadoras para as crianças e os jovens, no imediato e no longo prazo. As desigualdades já existentes foram aprofundadas, aumentaram problemas ao nível da socialização das crianças e dos jovens e ocorreu a degradação da saúde mental e física.
Acresce a isto que, hoje, ainda são muitos os alunos que continuam a não ter acesso a computadores e outros equipamentos, ou à internet. Os pais em teletrabalho, podendo aceder ao apoio de assistência à família, perdem 33% do seu rendimento, o que, muitas vezes, é incomportável. Os alunos com necessidades especiais que necessitam de um acompanhamento específico e especializado, em muitas circunstâncias, não o estão a ter.
Neste contexto, o Ministério da Educação publicou um Despacho em que altera o calendário escolar, mas que, com exceção das provas de aferição às expressões e educação física, mantinha todas as outras provas. Entretanto o Governo anunciou o cancelamento das provas de aferição e das provas finais de ciclo do 9.º ano, contudo à data não existe legislação que vá nesse sentido.
Ainda que seja importante perceber os impactos do funcionamento atípico do presente ano letivo e do anterior, o PCP defende que, numa situação excecional, devem ser encontradas soluções excecionais - e não meramente manter o calendário de provas como de um ano letivo normal se tratasse.
O PCP considera que há muito não deveriam existir provas finais do 9.º ano, pois trata-se de um instrumento não tem outro objetivo senão o de iniciar a seleção social e económica dos estudantes logo no início do seu percurso. É deturpado o processo de avaliação contínua, é diminuído o papel do professor e descontextualizado o saber de cada estudante.
Menos sentido ainda tem a existência de exames de 9.º no contexto atual, em que parte considerável do segundo período foi lecionado através de ensino não presencial e as desigualdades foram amplificadas, pois constituem mais um elemento fortemente penalizador para os alunos.
Assim, o PCP defende que as provas finais do 9.º ano não devem ser realizadas a partir do presente ano letivo, quer como medida de emergência, quer como medida de fundo a manter no futuro.
Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei aprova um conjunto de medidas de valorização da avaliação contínua, designadamente:
- Não realização das provas de aferição no presente ano letivo;
- Eliminação das provas finais de ciclo do 9.º ano;
- Alteração das regras aplicáveis ao acesso ao ensino superior.
Artigo 2.º
Âmbito da Aplicação
O disposto na presente lei aplica-se aos alunos abrangidos pela escolaridade obrigatória.
Artigo 3.º
Não realização das provas de aferição do ensino básico
Não são realizadas, no presente ano letivo, as provas de aferição definidas na alínea a) do n.º 1 do artigo 25.º e no artigo 26.º da Portaria n.º 223-A/2018, de 3 de agosto, previstas para o 2.º, 5.º e 8.º ano do ensino básico.
Artigo 4.º
Eliminação das provas finais de ciclo do 9.º ano
- São eliminadas as provas finais do ensino básico, previstas para o 9.º ano e definidas na alínea b) do n.º 1 do artigo 25.º e no artigo 28.º da Portaria n.º 223-A/2018, de 3 de agosto.
- O disposto no presente artigo aplica-se a partir do presente ano letivo de 2020/2021, inclusive.
Artigo 5.º
Abertura de Vagas
No ano letivo de 2021/2022 são abertas, no ensino superior público, vagas em número igual ou superior às que foram abertas no ano letivo de 2020/2021, considerando-se para este efeito as vagas abertas no regime geral de acesso e nas vias especiais de acesso ao ensino superior.
Artigo 6.º
Avaliação, aprovação de disciplinas e conclusão do ensino secundário
- Para efeitos de avaliação, aprovação de disciplinas e conclusão do ensino secundário, incluindo disciplinas em que haja lugar à realização de exames finais nacionais, é apenas considerada a avaliação interna.
- As classificações a atribuir em cada disciplina têm por referência o conjunto das aprendizagens realizadas até ao final do ano letivo, incluindo o trabalho realizado ao longo do 3.º período, independentemente da modalidade utilizada, sem prejuízo do juízo global sobre as aprendizagens desenvolvidas pelos alunos.
- Excecionalmente, e considerando o disposto no art. 10.º, no ano letivo de 2020/2021 os alunos realizam exames finais nacionais apenas nas disciplinas que elejam como provas de ingresso para efeitos de acesso ao ensino superior, sendo ainda permitida a realização desses exames para melhoria de nota e para melhoria da classificação interna final de ensino secundário no caso dos alunos autopropostos.
- Sem prejuízo do disposto no número anterior, nos casos em que se encontre prevista a realização de exames finais nacionais apenas para apuramento da classificação final do curso para efeitos de prosseguimento de estudos no ensino superior, os alunos ficam dispensados da sua realização.
- Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 3 e 4, os alunos autopropostos, incluindo os que se encontram na modalidade de ensino individual e doméstico, realizam provas de equivalência à frequência para a aprovação de disciplinas e conclusão do ensino secundário, as quais são substituídas por exames finais nacionais quando exista essa oferta.
- No caso dos alunos autopropostos, a fórmula de cálculo da nota de candidatura integra as classificações dos exames finais nacionais que o estudante pretende usar como prova de ingresso e as classificações decorrentes das seguintes situações:
- Para as provas realizadas em 2021 pelos candidatos que concluíram o nível secundário no ano letivo de 2020/2021 são apenas consideradas as classificações internas das disciplinas;
- Para as provas realizadas em anos letivos anteriores, válidas nos termos estabelecidos pela Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior (CNAES), aplica-se o seguinte:
- Nas situações em que a classificação do exame nacional então realizado tenha sido inferior à classificação interna da disciplina, utiliza-se a classificação interna da disciplina;
- Nas situações em que a classificação do exame nacional então realizado tenha sido igual ou superior à classificação interna da respetiva disciplina, utiliza-se a classificação final da disciplina.
Artigo 7.º
Avaliação, conclusão e certificação dos cursos de dupla certificação e dos cursos artísticos especializados
- Nos anos terminais dos ciclos formativos das ofertas profissionalizantes de nível básico e secundário, a formação prática ou a formação em contexto de trabalho, previstas nas matrizes curriculares dos respetivos cursos, podem ser realizadas através de prática simulada.
- Nos anos terminais dos cursos profissionais, cursos de educação e formação, cursos artísticos especializados e custos científico-tecnológicos, as provas referidas nas subalíneas da alínea b) do n.º 1 do artigo 13.º-C do Decreto-Lei n.º 113/2014, de 16 de julho, na sua redação atual, realizadas pelos candidatos que concluíram o nível secundário no presente ano letivo apenas são consideradas para os efeitos previstos no artigo 9.º da presente lei, não sendo consideradas para a classificação final de curso.
Artigo 8.º
Acesso ao ensino superior através regime geral de acesso
- Para acesso ao ensino superior, no ano letivo de 2021/2022, no regime geral de acesso, e para efeitos de seriação, tal como previsto no artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 296-A/98, de 25 de setembro, na sua redação atual, a fórmula fixada integra exclusivamente:
- A classificação final do ensino secundário, com um peso não inferior a 70%;
- A classificação da ou das provas de ingresso, com um peso não inferior a 20%;
- A classificação dos pré-requisitos de seriação, quando exigidos, com um peso não superior a 10%.
- Para efeitos da aplicação do previsto na alínea a) do número anterior, nomeadamente no cálculo da classificação final do ensino secundário, aplica-se o disposto na presente lei, designadamente no artigo 6.º.
Artigo 9.º
Regime geral de acesso através dos regimes especiais de acesso
- Para acesso ao ensino superior, no ano letivo de 2021/2022, no regime especial de acesso, e para efeitos das condições específicas, previsto no artigo 13.º-C do Decreto-Lei n.º 113/2014, de 16 de julho, na sua redação atual, são consideradas:
- Com uma ponderação mínima de 70 %, a classificação final do curso obtida pelo estudante;
- Com uma ponderação mínima de 20 %, as classificações obtidas:
- Na prova de aptidão profissional, no caso de titulares dos cursos profissionais;
- Na prova de aptidão final, no caso dos diplomados dos cursos de aprendizagem;
- Na prova de avaliação final, no caso de titulares dos cursos de educação e formação para jovens;
- Nas provas de avaliação final dos módulos constantes dos planos curriculares dos cursos organizados de acordo com a Portaria n.º 57/2009, de 21 de janeiro, na sua redação atual, no caso dos titulares daqueles cursos;
- Nas provas de avaliação final de competências em turismo dos cursos organizados de acordo com portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas do turismo, da educação e da formação profissional, no caso dos titulares de cursos de âmbito setorial da rede de escolas do Turismo de Portugal, I. P.;
- Na prova de aptidão artística, no caso dos titulares dos cursos artísticos especializados;
- Na prova de avaliação final, no caso dos titulares dos cursos de formação profissional no âmbito do Programa Formativo de Inserção de Jovens da Região Autónoma dos Açores;
- Com uma ponderação máxima de 10 %, as classificações de provas teóricas ou práticas de avaliação dos conhecimentos e competências consideradas indispensáveis ao ingresso e progressão no ciclo de estudos a que se candidata.
- As provas referidas nas subalíneas da alínea b) do n.º anterior, realizadas pelos candidatos que concluíram o nível secundário no presente ano letivo apenas são consideradas para os efeitos previstos no presente artigo, não sendo consideradas para a classificação final de curso.
Artigo 10.º
Criação de grupo de trabalho para a eliminação dos exames nacionais e valorização da avaliação contínua
- Com vista à eliminação dos exames nacionais, o Governo cria, no prazo de 60 dias, um grupo de trabalho que inclua os vários intervenientes da comunidade educativa para o estudo e elaboração de proposta de um regime de avaliação, conclusão e certificação do ensino secundário e um regime de acesso ao ensino superior, para todas as ofertas educativas e formativas do ensino secundário e modalidades educativas e formativas do ensino secundário.
- O regime de acesso previsto no número anterior considera obrigatoriamente a predominância dos resultados obtidos no processo de avaliação contínua e a eliminação dos exames nacionais e outros similares.
- Considera-se, para efeitos do disposto no presente artigo, ofertas educativas e formativas do ensino secundário:
- Cursos científico-humanísticos;
- Cursos profissionais;
- Cursos artísticos especializados;
- Cursos com planos próprios;
- Cursos de dupla certificação.
- O regime previsto no n.º 1 é publicado, por Decreto-Lei, no prazo de 6 meses após a aprovação da presente lei.
Artigo 11.º
Entrada em vigor e produção de efeitos
A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.