Declaração política sobre as políticas do Governo contra a escola pública e o financiamento do ensino privado
Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
A política de classe do Governo está bem traduzida no início de um ano letivo em que os filhos dos trabalhadores rumam a uma escola desfigurada, desqualificada, enquanto se anuncia o financiamento pelo Estado ao ensino privado para os filhos dos ricos.
Não é de agora o ataque à escola pública. Tanto PS como PSD e CDS, agora com o apoio da troica, competem nesta corrida, cuja meta parece ser a destruição da escola de Abril, a sua conversão num negócio de milhões para uns e num instituto de formação profissional compulsiva para outros.
A abertura do ano letivo mostra os resultados do recurso ilegal à precariedade e as consequências das políticas de direita: despedimentos e desemprego docente, injustiças profundas na colocação de professores, não vinculação de professores contratados, insuficiência grave de funcionários nas escolas, extrema falta de psicólogos em meio escolar, degradação da qualidade do ensino, cortes nos apoios da educação especial, desvio de financiamento do ensino público para o ensino privado, falta de professores nas escolas, aumento do número de alunos por turma, professores e diretores esgotados e desmotivados. Milhares de alunos com necessidades especiais vão iniciar as aulas sem os apoios mínimos necessários: o Governo não contratou os funcionários, professores, terapeutas da fala, intérpretes de língua gestual portuguesa, psicólogos. É a própria escola inclusiva e democrática que também está hoje em risco.
A escola pública está a ser convertida, deliberadamente, num instituto de formação profissional compulsiva para os filhos dos trabalhadores e num chorudo negócio para os donos dos colégios que recebem os filhos dos ricos.
«Liberdade de escolha», diz o Governo e dizem os proprietários dos colégios. Que liberdade? Para onde vão os estudantes quando as escolas mais disputadas estiverem lotadas ou não os aceitarem? É que no mercado concorrencial que o Governo quer criar existem as escolas boas e as escolas más. E já se vê, antecipadamente, quem vai para quais… Esta configuração da escola pública é alheia ao projeto constitucional e à lei de bases do sistema educativo.
Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Os custos do ensino, nomeadamente com manuais e materiais escolares e despesas de transportes, aumentam e colocam as famílias em cada vez maiores dificuldades. Ao mesmo tempo, alastra o desemprego, acentuam-se os roubos nos já baixos salários e pensões e aumentam o custo de vida, os horários de trabalho extenuantes, o encerramento dos pequenos negócios e as carências que sentem as famílias.
E é neste contexto de aprofundamento da crise, de esbulho da riqueza nacional, que o Governo intensifica o ataque contra a escola pública e agrava a sua desfiguração. Lança no desemprego milhares de profissionais que tanta falta fazem nas escolas; fazem falta para ensinar, para acompanhar e apoiar; fazem falta para garantir a segurança, para cuidar das crianças com necessidades educativas especiais; fazem falta para formar a cultura integral de milhares de jovens e de crianças.
O cinismo dos membros do Governo chega mesmo ao ponto de afirmar que o número de professores colocados diminui por força da diminuição do número de alunos. A realidade é, porém, outra: nos últimos três anos, as escolas poderão ter perdido cerca de 5% de estudantes, mas perderam já 25% do número de professores colocados.
Eliminação de disciplinas; fim de desdobramentos em disciplinas experimentais; aumento do número de alunos por turma; impedimento de constituição de novas turmas; não autorização de projetos ou atividades importantes para as escolas; criação de um número cada vez maior de mega agrupamentos; agravamento do horário de trabalho dos docentes; alterações na componente letiva dos horários, eis as verdadeiras causas do desemprego galopante entre professores e todas são responsabilidade direta do Governo e do Ministro da Educação e Ciência.
Não deixaremos de denunciar que este Governo que hoje expulsa da escola milhares de professores contratados é o Governo do mesmo partido de Paulo Portas, CDS, que prometia a integração e vinculação destes professores e que fingia estar contra a revisão da estrutura curricular proposta pelo então Governo do Partido Socialista. E, igualmente, não esquecemos que este PS, que hoje se opõe ou finge opor-se a estas medidas, é o mesmo PS que as impôs há poucos anos. Esta é a alternância que liquida a escola pública, ora pelas mãos de uns, ora pelas mãos de outros.
PSD e CDS, com um PS neutralizado pelos compromissos com a troica, destroem a educação de gerações inteiras para fazer favores aos interesses dos que vivem da pobreza dos portugueses.
A escola pública de qualidade para todos é uma das mais importantes conquistas de Abril e é um dos pilares estruturantes do regime democrático.
Não há democracia sem escola pública de qualidade e a degradação da escola pública significa a degradação do próprio regime democrático.
Por isso mesmo, amanhã, o PCP trará a debate na Assembleia da República um conjunto de propostas para pôr fim à sangria de meios humanos — professores, auxiliares, técnicos, psicólogos — que este Governo tem levado a cabo nas escolas.
Este é um Governo sem legitimidade popular, um Governo que tem como principal objetivo reconstruir os privilégios dos que odeiam os nossos direitos. E a cada dia que passa as escolhas tornam-se mais evidentes: ou persiste a escola pública ou o Governo.
Confiamos no PCP! Que persista abril, com a força do povo!
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.ª Deputada Cecília Honório,
Agradeço também as questões que colocou.
A Sr.ª Deputada começou a sua intervenção fazendo alusão à primeira versão do Memorando de Entendimento, e bem, lembrando as responsabilidades daqueles que criaram as condições para a elaboração desse Memorando, que, claro, lá colocaram o nome do seu partido, o Partido Socialista, e que, até hoje, que se conheça, ainda não se desvincularam. Lembrou bem, Sr.ª Deputada.
Também lá estavam outras coisas, nomeadamente a revisão de estruturas curriculares e um conjunto de outras matérias através das quais o Governo de então se propunha vir a cortar na escola, apesar de agora o Partido Socialista parecer arrependido de alguma vez lá ter escrito isso.
Mas havia, porém — e até relacionado com a segunda parte da sua pergunta —, uma coisa que não era aparentemente má de todo: é que no Memorando dizia que era preciso conter os custos com o ensino privado.
Ora, curiosamente, o atual Governo PSD/CDS, que é tão cioso do Memorando, nesta matéria, lá arranjou maneira de o não cumprir. Ao invés de diminuir o financiamento ao ensino privado, está até a criar as condições para o seu aumento, uma vez que encontrou uma forma de aumentar o financiamento ao ensino privado. Seja através do cheque-ensino, seja através de um desvio ativo do financiamento da escola pública para a escola privada, o certo é que vem a pretexto da liberdade de escolha.
Para nós, Sr.ª Deputada, a questão, como, aliás, a colocou, é muito simples. Há duas questões de fundo, e uma é a da propriedade da escola. Não podemos fingir que a escola é igual para o Estado independentemente da sua propriedade.
Para o PCP, e julgamos que esse é também o espírito das conquistas de abril, é fundamental para a preservação e aprofundamento da democracia que exista uma escola da República, uma escola que não obedeça a nenhum outro interesse a não ser os interesses coletivos do povo português e que não seja nem manipulada nem detida por qualquer outro tipo de interesse.
Depois, há a falsa questão da liberdade de escolha. E é muito simples chegarmos a um raciocínio rápido sobre a liberdade de escolha e percebermos o quão falaciosa é essa capa sob a qual tentam esconder a privatização que galopa sobre o ensino e o financiamento ao ensino privado. É que se há uma liberdade de escolha — e é esse o termo que muitas vezes os Srs. Deputados do CDS usam —, então, sabemos que há um conjunto muito significativo de pessoas que vai querer colocar os seus filhos nas escolas de elite. Mas não vão caber todos nas escolas de elite. Quem vai escolher quem vai para a escola de elite? Quem vai escolher quem não vai para a escola de elite?
Portanto, o Estado assume que, num mercado concorrencial — aplicando à escola esta visão do PSD e do CDS de um mercado concorrencial —, passa a ser perfeitamente plausível que haja escolas de primeira e escolas de segunda.
Ora, é precisamente essa a perspetiva que não pode ser nunca aplicada à escola, que não pode ser nunca aplicada à educação e que jamais poderá servir de pretexto para destruir a escola pública.
Isto só nos convoca ainda com mais força e intensidade para a necessidade urgente não só de travar o Governo nesta sua senda de destruição da escola, de privatização do ensino e de conversão da escola pública num instituto de formação profissional, como também para a luta pelo derrubamento urgente deste Governo.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Michael Seufert,
A Constituição da República Portuguesa, nesta matéria, não está de acordo consigo.
Isto não é ficção, é factual! Disse-nos para distinguir o facto da ficção e eu estou a tentar, de certa forma, chamá-lo ao espaço do debate político, mas contido na Constituição da República Portuguesa, porque o Governo não tem, felizmente, mandato para governar à margem da Constituição, apesar de o fazer e de, por isso mesmo, também já não ter legitimidade para continuar a governar.
Sr. Deputado, a Constituição é muito clara quando diz que incumbe ao Estado criar e manter uma rede pública de ensinos que satisfaça todas as necessidades do território nacional. Por isso, não tente retirar das palavras do PCP uma espécie de acusação a todos aqueles que usam o ensino privado, porque não têm outra opção, uma vez que o Estado nunca lá foi fazer a escola que devia ter feito e existe um contrato de associação.
Não confunda a crítica que o PCP está a fazer com o financiamento e o desvio ativo de estudantes do ensino público para o ensino particular, como sabemos passar-se em muitos sítios do nosso País. Aliás, certamente recebeu também no seu e-mail de Deputado, como eu recebi e tal como os outros Deputados receberam, vários casos de escolas que perderam turmas em benefício de escolas do ensino privado que ficaram intocáveis. Por exemplo, sabe quantas turmas perderam a Escola Secundária de Carvalhos ou a Escola Secundária de Oliveira do Douro em benefício de um colégio que não perdeu turma nenhuma, pelo contrário acabou por absorver aqueles que não tiveram espaço na escola pública?
Digo isto, Sr. Deputado, para me referir a uma área que julgo que conhece bem, porque por todo o País há outros casos, como sabe certamente.
Portanto, este Governo está, por um lado, a desviar ativamente, por todos os meios, os estudantes do ensino público para o ensino privado e, por outro lado, está a desfigurar e a desqualificar a escola pública no sentido de assegurar também um crescente e chorudo negócio para os grupos económicos.
O Sr. Deputado falou das associações de pais, das IPSS, da igreja, mas curiosamente não falou dos principais detentores de colégios em Portugal, que não são nem igrejas, nem associações de pais, nem cooperativas; são grupos económicos que detém a maior parte dos colégios em Portugal e que levam uma grande fatia de financiamento público para cumprirem um papel que o Estado deveria cumprir.
Portanto, a nossa posição é muito clara, Sr. Deputado. Não se trata de ficção, o Governo tem o papel de assegurar o funcionamento da escola pública e, neste momento, faltam preencher 2000 horários nas escolas públicas. No entanto, o Governo persiste no ataque à escola pública em benefício da escola privada.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.ª Deputada Odete João,
Pareceu-me ter colocado três questões.
Quanto à primeira, sobre ter dito que o PCP tem responsabilidade pelo facto de o PSD estar no Governo… Eu pensava que tinham sido eleitos pelo povo, que tivessem votado favoravelmente o PEC 1, o PEC 2, o PEC 3 com o PS e de, também em conjunto, terem subscrito um pacto com uma troica…
Portanto, se alguém abriu as portas a alguém, julgo que terá sido o PS a abrir a porta ao PSD e não o PCP, que, segundo também me recordo, votou contra o PEC 1, o PEC 2, o PEC 3 e o PEC 4, em coerência.
O seu parceiro de coligação parlamentar na altura é que «roeu a corda». Não responsabilize o PCP por isso.
Sr.ª Deputada, sobre a liberdade de escolha e a liberdade no percurso educativo, poderia dizer que estou de acordo consigo no essencial e que o PCP está de acordo com a perspetiva de que a imposição de um rumo, de uma via escolar profissionalizante é, também ela, uma limitação da liberdade de escolha, sendo o que se está já hoje a passar nas escolas. Há um encaminhamento dos estudantes no sentido da reprodução da assimetria. Ou seja, a escola não é um instrumento de emancipação, não é um instrumento para a eliminação das assimetrias porque, cada vez mais, encaminha o filho do operário para saber apenas ler, escrever e contar e encaminha o filho daqueles que podem pagar, esse sim, para o grande acesso ao conhecimento.
No essencial, estamos de acordo com essa avaliação que a Sr.ª Deputada faz. Mas deixe-me que lhe relembre que quem estabeleceu o objetivo de colocar 50% dos estudantes — e não consta que esse fosse um objetivo que decorresse da vontade do estudante — nas vias profissionalizantes e no ensino profissional foi o seu Governo! Portanto, entre isso e o que este Governo está a fazer, sinceramente, não consigo ver qual é a grande diferença.
A Sr.ª Deputada perguntou-me se não há incompetência deste Governo na colocação de professores, na forma como o ano letivo se iniciou e no conjunto de elementos que desestabilizam o início deste ano letivo e, aliás, a vida de milhares de portugueses. Sr.ª Deputada, quanto a essa matéria não podia estar mais em desacordo: não há nenhuma incompetência deste Governo e a que há é voluntária e deliberada. E essa incompetência, ou aparente incompetência, é um instrumento deliberado para atacar a escola pública, para fazer crer que não funciona, para a descredibilizar, para a desqualificar, para a desfigurar.
Não há nenhuma incompetência na forma como o Governo decidiu mandar para a rua milhares de professores, continuando o grande (aliás, gigantesco) despedimento coletivo que já tinha iniciado no passado ano, uma vez mais também porque o PS, em muitos casos, abriu a porta, nomeadamente com os mega-agrupamentos, com a revisão da estrutura curricular, com a alteração ao estatuto da carreira docente, com a não vinculação dos professores contratados.
Portanto, Sr.ª Deputada, termino exatamente por me referir à sua questão inicial: quem abriu as portas ao PSD e ao CDS foi, de facto, a política do PS. É altura de terminarmos com esta alternância, que não muda coisa nenhuma.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.ª Deputada Nilza de Sena,
Em primeiro lugar deixe-me dizer que não aceitamos que nos diga que para poder criticar o Governo o PCP gostava que houvesse mais insucesso escolar, tendo em conta que todo o nosso trabalho é precisamente no sentido de garantir a melhoria da qualidade do ensino. A Sr.ª Deputada sabe disso.
Sr.ª Deputada, digo-lhe o que é que o PCP não queria. Não queria que faltassem funcionários, psicólogos, apoio às crianças com ensino especial na escola EB 2,3 de Paranhos, na escola EB 2,3 de Estremoz, na escola EB 2,3 Marquesa de Alorna, em Lisboa; não queria que as crianças das famílias desfavorecidas da escola da Malagueira não tivessem transporte para chegar à escola; não queria que houvesse ainda 2000 horários nas escolas por preencher; não queria que escolas que precisam de sete professores de educação especial tenham visto, algumas delas, apenas um professor ser colocado e não queria que um número de alunos não tão residual quanto o Sr. Secretário de Estado tentou fazer crer estivesse ainda sem professor. Isso é que o PCP não queria, mas infelizmente essa é a realidade dos dias de hoje.
A Sr.ª Deputada não dirá, com certeza, que os diretores das escolas são mentirosos ao dizerem que lançaram 2000 horários que não foram ainda preenchidos — e esta é uma declaração de hoje, Sr.ª Deputada, não é de há uma semana.
Portanto, Sr.ª Deputada, acabei de lhe retratar algumas situações que, infelizmente, também ilustram a abertura do ano letivo.
É evidente que quando o PCP critica — essa é a ideia que o PSD e o CDS tentam muitas vezes fazer crer — as falhas e as insuficiências na abertura do ano letivo não quer dizer que as escolas estejam em ebulição ou em guerra! A questão não é essa, Sr.ª Deputada! A questão é que a escola abre, é certo — algumas não, mas na generalidade abrem —, mas que escola é que abre, Sr.ª Deputada? É uma escola capaz de fazer frente às necessidades do País? É uma escola orientada para a formação da cultura integral daqueles miúdos? Ou é, cada vez mais, uma escola desqualificada, sem professores, sem auxiliares, sem psicólogos, sem técnicos especializados, ao fim e ao cabo uma escola virada para reproduzir as assimetrias ou, até, para intensificar as assimetrias sociais que já se sentem no nosso País?
A questão não é se abre, Sr.ª Deputada, mas que escola é que, ano após ano, vai abrindo! E ela é, cada vez mais, diferente, para pior, do que aquilo que a Constituição da República Portuguesa e a Lei de Bases do Sistema Educativo consagram.
Sr.ª Deputada, o PCP não manifesta desconfiança em relação aos privados. Os privados devem ter a sua atividade e o Estado deve intervir na atividade dos privados na medida do cumprimento da lei. O que o PCP não tem é essa obsessão contra o Estado que o PSD e o CDS manifestam a cada dia que passa e que provoca o desmantelamento da escola pública e, agora, o despedimento de milhares de professores.
Sr.ª Deputada, isso não é moderno, isso é do passado, isso é do século XIX! Essa obsessão contra o Estado, de favorecimento dos privados não é de agora e, infelizmente, deixou marcas muito fundas na história da humanidade.
Felizmente, já tínhamos ultrapassado isso, o Estado já dava resposta às pessoas, o Estado já tinha obrigação de construir escolas, o Estado já tinha obrigação de construir os hospitais e o serviço de saúde, mas agora querem regredir aos tempos em que depende, única e exclusivamente, dos privados a satisfação de direitos básicos das populações.
Sr.ª Deputada, não somos nós que temos um problema com os privados, é o PSD e o CDS que têm um problema profundo com o serviço público, com o Estado, e pena é que estejam no poder a destruir esse mesmo Estado.