Intervenção de

Ensino superior - Intervenção de Jerónimo de Sousa na AR

Debate mensal do Primeiro- ministro com o Parlamento, sobre a reforma do ensino superior

 

Sr. Presidente da Assembleia da República,
Sr. Primeiro-Ministro,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados,
Trabalhadores da Assembleia da República:

Quero manifestar, em meu nome e no da minha bancada, um voto de saúde e de felicidade pessoal a todos vós. Mas não seria sincero se estendesse um voto de um ano melhor a este Governo, tendo em conta que com a sua política vamos ter um ano pior para os portugueses.

A reforma do financiamento do ensino superior público é um problema demasiado importante que não pode estar confinado a meia dúzia de minutos de um debate, como, aliás, reconheceu o Sr. Primeiro-Ministro, quando disse que lá mais para a frente haveremos de discutir a matéria. E muito menos quando o Governo tem uma preocupante subversão da autonomia das instituições universitárias, de alteração radical das condições do exercício da docência e do sistema de financiamento do ensino superior, como se depreende das declarações de apoio do Sr. Ministro da tutela às propostas da reforma da OCDE que VV. Ex.as encomendaram e que foram aqui trazidas pelo Sr. Primeiro-Ministro. Propostas que remetem para o pagamento integral do ensino superior pelos alunos e pelas famílias, se não no imediato, pelo menos, a prazo.

Não bastavam os aumentos que, desde 2001, atingem a média de 21%. Agora se percebe por que VV. Ex.as, que dizem estar empenhadas na qualificação dos portugueses, concretizaram um brutal corte médio de 10% nas verbas para o ensino superior para o próximo ano, 2007. Estavam a pensar no aumento das propinas que os alunos deviam pagar através do recurso a empréstimos bancários, em nome da já gasta justificação de que esta é a solução para garantir o apoio público aos mais necessitados, que, diga-se de passagem, se lá chegarem, terão de quedar-se no 1.º ciclo de formação, que o Processo de Bolonha irremediavelmente desvalorizou.

Uma correcção para o Sr. Ministro da tutela: aos estudantes e às suas famílias, o Governo não propõe «estude agora e pague depois»; o que o Governo propõe é «endividem-se agora e paguem depois»!

É a «elitização» do ensino, que se reforça com a agravante da proposta de eliminar o vínculo público a docentes, em articulação com a solução das fundações, e do sistema do Governo aberto à sociedade, isto é, aos interesses empresariais dominantes, fazendo perigar o liberdade da docência e a autonomia universitárias.

São, afinal, propostas que clarificam os verdadeiros objectivos da implementação do Processo de Bolonha, em Portugal: desresponsabilizar o Estado no dever de garantir a educação e o acesso de todos os portugueses ao ensino superior, passando para os estudantes e para as famílias todos os custos da sua formação; valorizar as pós-graduações, às quais tem acesso quem tem recursos.

V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro, que tem na Finlândia a «menina dos olhos», como muitas vezes, aqui, aliás, já colocou, no que à educação diz respeito, por que não segue esse exemplo? Não é lá que, além de não pagarem propinas, mais de 70% dos alunos do ensino superior público têm apoio social para a sua formação universitária? Certamente que o Sr. Primeiro-Ministro vai responder-me.

Mas, agora que estamos a chegar ao fim de 2006 e perante a realidade evidente dos números do EUROSTAT e do Instituto Nacional de Estatística (INE) no que diz respeito ao caminho crescentemente divergente da economia portuguesa em relação à sistemática perda de poder de compra dos portugueses, permita-me, ainda, que pergunte se V. Ex.ª vai, finalmente, dar-nos razão em relação aos que, como nós, têm afirmado que os portugueses estão a ficar mais pobres e que é preciso mudar muito as políticas que estão a ser seguidas.

Seria preciso esperar pelo EUROSTAT para confirmar que o poder de compra dos portugueses está 30% abaixo da média europeia, que continua a degradar-se e que Portugal vai continuar a divergir, pelo menos até 2008, dos seus parceiros, isto é, a empobrecer face à média europeia? Ou como revelam as estatísticas do INE no último trimestre, que diz que o rendimento disponível dos portugueses voltou a cair, anunciando que a crise para os mesmos de sempre aí está e continua aí. Não era preciso, descobriram a pólvora. Os portugueses há muito vêm sentindo e há muito vêm expressando o seu protesto.

«Estava na cara» que uma política de convergência nominal de obsessão do défice acabaria por continuar com uma cada vez mais preocupante real divergência nas nossas vidas, atrasando mais o País. As mesmas soluções só podiam dar os mesmos resultados, este não anda nem desanda, este nem ata nem desata da nossa economia.

Dirão que recuperaram uma milésimas na taxa do desemprego. Parco resultado para as necessidades e para as promessas que tinham feito. E certamente não estão a contar com as centenas de trabalhadores da Opel da Azambuja no desemprego, cuja empresa fechou nestas vésperas de Natal, confirmando assim a inoperância do Governo e de tanta promessa.

Como «estava na cara» que o aumento dos impostos directos e indirectos, que o aumento, mês atrás de mês, dos juros, não havendo da parte do Governo nem uma palavra nem uma crítica, que a política de contenção, de redução dos salários, de ataque às funções sociais do Estado na educação, na saúde e na segurança social e que a política dos aumentos dos serviços e bens essenciais só poderia traduzir-se na acentuada degradação das condições de vida dos portugueses.

E o que aí vem, Sr. Primeiro-Ministro, em matéria de aumentos muito acima da inflação só pode agravar ainda mais a situação: electricidade, um escândalo; na habitação, as prestações e as rendas; os transportes, não apenas as portagens das SCUT mas todas as portagens e os transportes públicos. E o pão? Outro escândalo! Vamos assistir impávidos e serenos ao aumento que se prepara de 20%? Aqui está um exemplo gritante da hipocrisia quando se afirma, por parte do Governo e de algumas instituições, esta coisa do combate à pobreza, sabendo que o pão ainda continua a constituir a base alimentar de muitas famílias portuguesas.

Falando de aumentos, Sr. Primeiro-Ministro, com tanta e justa preocupação com a competitividade da economia portuguesa, como justifica que até este momento o Governo nada diga e nada faça quanto aos aumentos da electricidade para a indústria, previstos entre 7,20% para a média tensão e mais de 9% para a alta e muito alta tensão? É que, assim, não defendemos a competitividade das nossas pequenas e médias empresas, a braços também com o aumento do custo do dinheiro, da crescente revalorização do euro em relação ao dólar.

Estará o Sr. Primeiro-Ministro, porventura, muito contente com os fabulosos lucros das empresas do PSI 20, mas assim não vamos lá, porque esses são muito poucos, em desfavor da maioria dos portugueses.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Quanto a essa ideia de que só aceitamos soluções que fazem aumentar a dívida pública ou o financiamento, também poderia dizer o contrário: o Sr. Primeiro-Ministro só aceita soluções inversas, que visem fazer pagar os mesmos do costume. E este é o problema que aqui está colocado.

Sr. Primeiro-Ministro, todos estamos de acordo com a necessidade de mais eficácia no ensino, até para a sua democratização e modernização, mas, por exemplo, quando o 2.º ciclo, que actualmente é pago com propinas, passa, com a sua proposta, a ser pago integralmente, salvo três ou quatro excepções, naturalmente que há aqui um problema de perspectiva de elitização por parte do Governo.

Houve outra ideia que esvaziou as minhas questões: quando, por exemplo, em relação à gestão, apresentou formas diversificadas. Mas as fundações estão lá ou não? É uma pergunta que deve ser feita.

Disse também uma palavra «torcida», passe termo e sem ofensa, quando referiu que vai manter o estatuto dos actuais funcionários, pois resta esta grande questão: e os futuros vão ficar com o estatuto ligado à função pública, ou não? Em relação a essa resposta, o Sr. Primeiro-Ministro não deu.

Quanto às questões de Bolonha, naturalmente somos contra a visão mercantil do ensino.

Hoje, o grande capital europeu também procura, nesta área, dominar numa concepção diferente da que temos, que é a da cultura e formação integral do indivíduo. Teremos, certamente, outras oportunidades para discutir esta matéria aqui, na Assembleia da República, mas aquilo que anunciou, Sr. Primeiro-Ministro, de facto, é preocupante.

Já agora, Sr. Primeiro-Ministro, aproveito para colocar uma questão de grande actualidade. Vierem novas informações a público sobre a questão dos voos da CIA. Conhece a nossa posição, no sentido de que não deveriam ser instituições internacionais a fazer o julgamento das instituições portuguesas. Mas há aqui um défice que tem de ser reparado: a Assembleia da República e, através dela, o povo português têm o direito de saber a verdade e, nesse sentido, justifica-se claramente o inquérito parlamentar proposto pelo Grupo Parlamentar do PCP. Ou considera o Sr. Primeiro-Ministro que esta questão deve continuar a ser tratada nas instituições europeias, levando a que os portugueses sejam espoliados desse conhecimento da verdade? Não querendo confirmar nem deixar de confirmar as notícias que têm vindo a público, era bom para a nossa democracia e para a Assembleia da República este apuramento da verdade.

 

 

 

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