Intervenção

Ensino superior - Intervenção de António Filipe na AR

Debate mensal do Primeiro- ministro com o Parlamento, sobre a reforma do ensino superior

 

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

V. Ex.ª fez aqui, há pouco, uma declaração relevante, mas não foi em matéria de ensino superior, foi relativamente à questão suscitada pelo meu camarada Jerónimo de Sousa - sobre os voos da CIA -, em que o Sr. Primeiro-Ministro disse que o Governo não tinha nada a esconder e estava inteiramente disponível para prestar à Assembleia de República todos os esclarecimentos que fossem considerados necessários.

Ora, até aqui, o Governo parece ter tido algo a esconder, porque o que o Governo reconhece vem sempre atrás dos factos que a comunicação social vai tornando públicos.

Antes do Verão, quando essa matéria se discutiu aqui pela primeira vez, o Governo nem sequer tinha conhecimento de qualquer voo da CIA que tivesse sobrevoado o território nacional.

Depois, perante dados irrefutáveis de que esses voos existiam, já os reconhecia, mas nessa altura todas as regras eram cumpridas. Passado algum tempo, afinal, já nem todas as regras eram cumpridas. Depois não havia voos para Guantanamo e agora já há voos para Guantanamo. Portanto, de uma vez por todas, é preciso que esta questão seja esclarecida.

Quero registar aqui, muito claramente, a afirmação que o Sr. Primeiro-Ministro aqui fez de que o Governo está disponível para esclarecer tudo. E como o Sr. Primeiro-Ministro com certeza não ignora que há uma proposta do PCP de inquérito parlamentar sobre esta matéria, espero que os Srs. Deputados do Partido Socialista tenham ouvido as afirmações do Sr. Primeiro-Ministro e não venham inviabilizar esse inquérito parlamentar.

Mas vamos à questão do ensino superior.

O Governo, até aqui, não tem tido soluções para nada, e a prova disso é o estado em que o sistema neste momento se encontra, com o pânico do despedimento a pairar sobre muitos docentes do ensino superior, particularmente do ensino politécnico. E não estou a falar no ar, porque recebemos diariamente queixas de professores do ensino politécnico e de outros funcionários que estão a ser dispensados, havendo, inclusivamente, universidades, não apenas politécnicos, que anunciam já dispensas em número muito significativo para o próximo ano lectivo.

O Sr. Primeiro-Ministro vem aqui com um discurso de que agora o Governo tem soluções para tudo e quem não estiver inteiramente de acordo com o que o Governo aqui afirma é porque quer que esteja tudo na mesma. Sr. Primeiro-Ministro, esse não é um discurso político sério.

O Sr. Primeiro-Ministro vem aqui dizer que vamos alargar significativamente o número de diplomados, mas também vem dizer que isso vai ser feito com os níveis de financiamento que têm existido até agora. Ó Sr. Primeiro-Ministro, os níveis de financiamento que têm existido até agora têm sido decrescentes. E basta vermos o que é o Orçamento do Estado para 2007 para verificar que o ensino superior, particularmente o ensino politécnico, que tem sido o parente pobre do ensino superior em matéria de financiamento, vai ter a sua situação financeira mais degradada.

Os diplomados aumentam porquê? Porque o Governo manda? O Governo decreta que vai aumentar o número de diplomados? Como é que isso é possível, se não houver um comprometimento também das políticas governamentais?

O Sr. Primeiro-Ministro refere-se ao aumento de diplomados no primeiro ciclo. A questão que lhe quero colocar é se também não considera importante para o desenvolvimento e competitividade do País que haja um aumento significativo de diplomados nos outros ciclos, ou seja, nos segundo e terceiro ciclos do ensino superior. Ora, aquilo para que o Governo aponta é que quem quer os segundo e terceiro ciclos tem de os pagar.

O Governo vem, depois, referir em mecanismos de acção social e fala de empréstimos. Sr. Primeiro-Ministro, há aqui um lamentável equívoco. É que quando se fala de empréstimos não estamos a falar em mecanismos de acção social. A acção social é outra coisa! A acção social são bolsas de estudo, são condições de alojamento, são apoios que permitam aos estudantes do ensino superior estudar, sem constituir um encargo excessivamente pesado para as suas famílias. Empréstimos são produtos financeiros, são endividamentos. E aquilo que o Governo aqui aponta é que as famílias...

Aquilo para que o Governo aqui aponta é para que quem quiser ter os seus filhos no ensino superior tem de se endividar, como acontece para comprar casa ou para comprar um qualquer outro bem de consumo. Sr. Primeiro-Ministro, isso é uma grande irresponsabilidade relativamente àquilo que é necessário para o desenvolvimento do País.

Termino, dizendo o seguinte: o Sr. Primeiro-Ministro referia-se há pouco ao impacto das suas medidas. Sabe qual é o nosso receio? É que o impacto das suas medidas seja aquela figura que o Sr. Primeiro-Ministro aqui há pouco utilizou, que é «vamos ter chuva na eira e sol no nabal»,  o que, seguramente, não dará resultados brilhantes.

 

 

 

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