Intervenção de

Ensino das línguas e culturas clássicas - Intervenção de João Oliveira na AR

Petição n.º 260/X (2.ª), solicitando condições para o ensino das línguas e culturas clássicas em todos os níveis de ensino

 

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

Dou início a esta minha intervenção saudando alguns dos peticionantes presentes nas galerias, registando o agrado do PCP com o sentido global da intervenção do Partido Socialista e dando as boas-vindas ao Governo se, de facto, se confirma a atenção deste Governo a estas questões que registamos como muito importantes.

A petição n.º 260/X (2.ª), que hoje apreciamos, traz à discussão desta Assembleia, mais uma vez, o processo de reorganização do ensino secundário concretizado pelo Decreto-Lei n.º 74/2004.

Este diploma, da autoria do governo de coligação PSD/CDS-PP, foi objecto de discussão em sede de apreciação parlamentar, tendo, então, o PCP deixado bem clara a sua posição quanto às opções que aí eram feitas.

A petição que hoje discutimos suscita agora a discussão em torno de um aspecto desse processo, mais concretamente das suas consequências para o ensino das línguas e culturas clássicas, no sistema educativo português.

Da petição e da audição dos peticionantes resultaram alguns pontos que consideramos fundamentais para esta discussão.

Antes de mais, destaca-se o carácter residual do ensino das línguas clássicas como consequência directa daquele processo de organização. Referem-se ainda as limitações impostas à oferta de ensino de línguas clássicas e de línguas estrangeiras por razões de ordem financeira.

Os peticionantes destacam a importância do ensino das línguas e culturas clássicas, assentando essa análise em torno de aspectos como o contributo interdisciplinar dado pelo ensino destas disciplinas, a sua importância para a aprendizagem da língua materna e de línguas estrangeiras, o sentido humano que dão à educação ao valorizarem ideais científicos, estéticos e éticos e ao promoverem a conservação da identidade histórica.

Foi ainda realçada a importância da aprendizagem das línguas clássicas enquanto geradora da abertura intelectual que aprecia a crítica de valores, que questiona as formas de percepção do outro, que se abre à diferença e que promove a tolerância racial, étnica, religiosa e cultural.

Os peticionantes fizeram ainda referência ao carácter discriminatório e lesivo da actual organização do ensino secundário, na medida em que não garante a todos os estudantes portugueses as mesmas condições de acesso ao ensino das línguas e culturas clássicas.

Todas estas questões e preocupações merecem o acordo do PCP. O retrato que os peticionantes fazem das actuais condições de ensino das línguas e culturas clássicas justifica as preocupações que manifestaram e com as quais estamos inteiramente de acordo. Consideramos, aliás, que este é um contributo importante a ter em conta na permanente apreciação crítica que devemos estar dispostos a fazer do sistema educativo que temos e do papel insubstituível que este deve assumir na construção de uma sociedade mais democrática e mais justa que pretendemos no futuro.

Mas a questão central que, em nosso entender, esta petição traz à discussão é outra. É a de saber se estas dificuldades que hoje se colocam ao ensino das línguas e culturas clássicas não são, elas mesmas, um reflexo de uma errada orientação e perspectiva do sistema educativo, se não serão elas mesmas consequência de um sistema educativo que afunila a formação e educação dos indivíduos em competências de natureza tecnológica e prática, enjeitando a cultura integral do indivíduo - de que falava já Bento Jesus Caraça em 1933 -, com uma perspectiva multidisciplinar que promova a consciência crítica e defenda a memória histórica.

A referência à importância da formação profissionalizante, cada vez mais presente no discurso governativo, parece ser o corolário lógico desta perspectiva que privilegia a formação de técnicos em vez da educação dos indivíduos, que aponta para a formação de operadores mas põe em causa a formação de cidadãos capazes de analisar criticamente a realidade social, cultural ou económica com que se confrontam todos os dias.

Nas reflexões de um encontro de classicistas, realizado recentemente e disponibilizadas pelos peticionantes aquando da sua audição na Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura, pode ler-se: «Vamos produzindo cidadãos que não sabem ler nem pensar e que se alheiam, num mundo onde a informática vai passando de competência meramente instrumental a disciplina de base dos fundamentos culturais, que, esses sim, justificam um sentido de identidade nacional e europeia.».

O papel que o sistema educativo é chamado a desempenhar numa sociedade moderna é exactamente o inverso do que aí se retrata. Tem de ser o papel de formação de indivíduos que compreendam integralmente o sentido da quadra de António Aleixo, quando nos dizia: «Vós que lá do vosso Império prometeis um mundo novo, lembrai-vos que pode o povo querer um mundo novo a sério».

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