Intervenção de

Energia das ondas - Intervenção de Agostinho Lopes na AR

Regime jurídico de acesso e exercício das actividades de produção de energia eléctrica a partir da energia das ondas

 

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:

A bondade do aproveitamento das fontes de energia renovável e as potencialidades abertas pelas tecnologias, ainda que muito  experimentais, de exploração dos recursos da energia das ondas, na costa portuguesa, conduzem à oportunidade da iniciativa legislativa apresentada. Na generalidade, o Grupo Parlamentar do PCP avalia positivamente a legislação agora proposta.

Em particular, consideramos útil a existência de uma entidade gestora que, entre outras missões, possa vir a disciplinar as ligações à rede.

Contudo, temos sérias preocupações e discordamos fortemente que mais um segmento energético de relevante importância para o País vá ficar quase inteiramente sob a lógica e a dependência do capital privado - e temos fundadas razões para este entendimento. Isso resulta, no fundamental, da reestruturação empresarial do sector energético português levada a cabo pelo Governo do PS.

Sob as orientações neoliberais de privatizações e liberalizações sopradas por Bruxelas, mas com o Governo português sempre «mais papista que o Papa», o que aconteceu e está a acontecer na EDP, na Galp e na REN, avultando o recente início de privatização desta última, que o PCP frontalmente condena, e as manobras da Comissão Europeia para expulsar qualquer vestígio da presença e da intervenção do Estado nas outras duas ditam a prática liquidação da condução, pelo poder político, do desenvolvimento, conforme aos interesses nacionais, de uma área estratégica para o País.

No caso em apreço, o enorme potencial que o País tem a sorte de possuir pode, além disso, se não houver políticas nacionais adequadas, vir a ficar completa ou dominantemente nas mãos de interesses estrangeiros.

É reveladora a recente notícia de que o projecto de uma central piloto, a instalar nos molhes do Douro, no Porto, resultante de uma parceria entre a EDP e o Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos, tenha «ido ao ar» ou «ao mar», por falta de disponibilidade orçamental do Instituto Portuário, isto é, por falta de vontade política do Governo e do Ministério das Obras Públicas.

A este propósito, talvez o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares nos possa esclarecer aqui, hoje, sobre o que o Sr. Ministro da Economia não disse ou não quis dizer, quando, na última quarta-feira, foi questionado na Comissão Eventual para o Acompanhamento das Questões Energéticas.

Apesar da forte tradição de investigação e desenvolvimento neste domínio por parte das universidades portuguesas e do INETI, há, até ao momento, um débil envolvimento industrial nacional.

A presença, em Portugal, de uma empresa escocesa e de uma outra finlandesa a venderem o seu produto tecnológico para exploração deste tipo de energias devia alertar o Governo português para a necessidade e a possibilidade de desenvolver uma tecnologia própria e nacional. Mas que dizer, se o Ministro da Economia anda claramente fascinado e ocupado com os êxitos da especulação bolsista das empresas do sector energético nacional?

Relativamente à proposta de lei em apreço (n.º 131/X), cabe, ainda, assinalar outras preocupações e discordâncias.

Discordância sobre o desenho proposto para a responsabilidade de ligação à rede que, segundo o projecto de decreto-lei, pode ficar para a rede de distribuição pública, até a 80 MW, ou para a entidade gestora da rede nacional de transporte, até 250 MW, em vez de ficar a cargo do promotor.

Preocupação com a ausência de referência à necessidade de salvaguardar qualquer eventual conflito com outras entidades económicas, fundamentalmente o sector das pescas. É exigível que fique bem claro que o sentido de gestão de possíveis interesse conflituantes não se fará à custa das pescas portuguesas.

Preocupação, ainda, com a indefinição do quadro de tarifas, as quais podem vir a transformar-se numa segunda versão das eólicas e, face ao sistema tarifário existente, numa nova sobrecarga para os consumidores de energia eléctrica, o que seria completamente inaceitável.

É, hoje, cada vez mais claro que nada pode explicar que os sobrecustos da produção de energia eléctrica decorrentes dos incentivos ao desenvolvimento das energias renováveis não pudessem, e não devessem, ser englobados nos custos da EDP e de outros grandes produtores e absorvidos pelos respectivos sobrelucros e não à custa de consumidores e empresas. Bem pelo contrário, tal continua a ser uma consciente e clara opção política do Governo português, o Governo do PS, com evidente prejuízo para todos os consumidores domésticos e para a generalidade das empresas portuguesas.

 

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