Intervenção de Carlos Carvalhas, Secretário-geral do PCP
Estamos aqui hoje numa das muitas jornadas de trabalho e de convívio que precederão a Festa do Avante, a grande festa da liberdade e da democracia, grande evento cultural e a maior realização política partidária realizada no nosso país.
Mas esta Festa só é possível porque o nosso Partido é um Partido de causas e convicções, com um colectivo generoso e organizado, em que os valores da fraternidade e da solidariedade não são figuras de retórica.
Esta Festa só é possível porque aqui no terreno da Atalaia se contabilizam milhares de horas de trabalho voluntário gratuito de militantes e simpatizantes do Partido, nos seus momentos livres, nas suas férias, nos seus fins de semana.
Esta Festa só é possível porque o nosso Partido, não é um Partido onde cada um esteja a olhar para o seu umbigo, com a sua vaidade desmedida sempre pronto a sobrepor a sua vontade à dos outros e onde só conta a sua opinião e as suas regras, mas sim, um Partido que, valorizando a contribuição de cada militante com a sua reflexão, opinião e intervenção, no respeito pelos princípios estatutários decididos democraticamente, dá um grande valor ao trabalho colectivo, não aceita que a minoria se sobreponha à maioria, e não aceita tendências organizadas, com os seus chefes e porta vozes.
E é por isso que estamos aqui hoje para saudar e agradecer à organização da Festa e aos seus construtores, aos homens, mulheres e jovens, que com a sua energia, talento e saberes permitirão que no 6 de Setembro, os portões da Atalaia se abram dando início à grande Festa do povo e da juventude, que a sentem justamente como uma obra e património seu e que nos seus aspectos mais tocantes e mais humanos exprime também a maneira de estar e os valores e ideais que impulsionam e inspiram a intervenção e a luta deste grande e generoso colectivo que é o Partido Comunista Português.
Mas a Festa com o seu calor humano é também uma grande jornada de afirmação, de consciencialização e de luta, e este ano bem importante, quando enfrentamos uma grande ofensiva da direita, de contra reforma na saúde, no ensino, na segurança social. A uma política de aperto do cinto aos mesmos de sempre, aos trabalhadores e ao povo e de concentração de riqueza em relação aos grandes senhores da finança e da especulação.
É necessário dar resposta e combate a uma política injusta que vai atingir particularmente as jovens gerações de trabalhadores, quer através de mais flexibilização e desregulamentação, liquidando e amputando direitos; quer através da segurança social, introduzindo a lei da selva – cada um que se salve como puder – quer através da eliminação dos juros bonificados à compra de casa própria; quer ainda por uma política económica cada vez mais assente nos baixos salários e nos vínculos laborais precários.
Todas as justas preocupações com a orientação antipopular da política do governo ganharam anteontem ainda mais razão com o anúncio pelo Conselho de Ministros de gravíssimas e intoleráveis alterações à legislação laboral que são a satisfação rápida e obediente do governo do PSD e do CDS/PP à chantagem das multinacionais alemãs e a velhas reivindicações do grande capital.
Apesar de ser um Governo que é a expressão dos grandes interesses, um pouco mais de decoro e de dignidade patriótica exigia um outro comportamento. O que se pretende em nome da produtividade é, desvalorizar ainda mais o trabalho, intensificar a exploração e aumentar a apropriação da mais valia.
E nesta matéria, uma primeira denúncia que tem de ser feita é que se, às vezes, se dizia que havia ladrões que agiam pela calada da noite, agora temos um governo que procura agredir profundamente os direitos dos trabalhadores pela calada das férias.
O novo Código do Trabalho que o governo anuncia e pretende impor significa, fundamentalmente, inadmissíveis retrocessos no contrato individual de trabalho e na contratação colectiva (com intoleráveis perdas de peso e capacidade de intervenção pelos sindicatos), ainda mais precaridade e desregulamentação, um regime ainda mais gravoso para o trabalho nocturno, ainda mais exploração e maiores facilidades para despedimentos.
E chamamos a atenção para que qualquer rebuçado que seja propositadamente misturado com as doses de cianeto vertidas no projecto do governo é apenas para que alguém, iludido com o rebuçado, se deixe envenenar pelo cianeto.
O projecto de alteração das leis laborais é uma gravíssima ameaça e terá, estamos certos, o grande repúdio dos trabalhadores. O Ministro das seguradoras e do grande patronato teria sido um bom ministro das Corporações no 24 de Abril, com o seu cinismo, falinhas mansas e conservadorismo, mas estamos no Portugal onde houve o 25 de Abril.
estamos certos que aqui na Atalaia, em 6,7,e 8 de Setembro, a Festa do Avante e o seu comício de encerramento, serão uma poderosa contribuição para o amplo movimento de luta por inalienáveis direitos e justos interesses dos trabalhadores e uma forte e impressiva afirmação de que os comunistas e outros democratas, homens, mulheres e jovens de esquerda, estão na primeira linha da defesa dos direitos do mundo do trabalho, estão na primeira linha da corajosa afirmação de que esses direitos não são nem um obstáculo ao progresso e ao desenvolvimento mas sim uma condição essencial para um progresso e desenvolvimento que servirá os portugueses e Portugal.
No mesmo sentido o governo com a sua maioria quer alterar a Lei de Bases da Segurança Social ao serviço do capital financeiro e das seguradoras privadas.
A segurança social tal como se encontra vertida na actual Lei de Bases é um direito e uma conquista civilizacional porque consagra direitos e garantias que defendem e protegem a vida humana face aos riscos sociais e aos contextos políticos e económicos adversos.
O que o governo pretende é colocar as partes mais rentáveis da segurança social e as centenas de milhões de contos das suas reservas nas mãos das seguradoras privadas e da banca, para através dos Fundos de Pensões as jogar na especulação da roleta bolsista, trocando o certo pelo incerto.
O que se tem passado com grandes empresas nos EUA e na Inglaterra, que deixaram o seus reformados em situação aflitiva, os escândalos contabilísticos de empresas multinacionais, como a Vivendi, World.com, Quest, e outras que têm levado a substanciais quebras bolsistas, o recente arquivamento de processos de suspeita de crime em operações bolsistas a empresas portuguesas (Unicer, EDP...) são um dedo acusador aqueles que querem jogar e especular com as reformas dos trabalhadores.
O Governo tem também tentado dramatizar a situação das contas públicas e difundir a psicologia de crise com dois objectivos.
Por um lado esconder os seus compromissos com um irracional Pacto de Estabilidade para atingir um défice perto do zero em 2004 e por outro, poder passar a factura das políticas erradas e injustas aos trabalhadores e camadas médias.
Com os compromissos em relação ao Pacto de Estabilidade, de responsabilidade do PS e do PSD, e com a sua aceitação submissa, o país fica com uma muito pequena margem de manobra para avançar com políticas que, através do investimento público produtivo, compensem os factores recessivos que se verificam na nossa economia.
O País está praticamente estagnado com o aumento do desemprego e o crescente encerramento de empresas, correndo o risco de entrar numa recessão se a política de cego contraccionismo não for invertida.
Ao contrário do prometido pelo PSD, o País em vez de se aproximar afasta-se do nível de desenvolvimento da média da União Europeia.
Para tentar diminuir os efeitos negativos que o aumento de preços tem tido, nomeadamente nas baixas reformas e salários, o PCP apresentou na Assembleia da República uma proposta para a recuperação do seu poder de compra. Era uma proposta modesta mas justa. É bom que se saiba que tanto o PSD como o PP, mandaram às urtigas as suas promessas e votaram contra. O PS teve também o mesmo comportamento devido aos compromissos assumidos pelo seu anterior governo, que aliás têm também ditado o seu comportamento negativo no campo da saúde, do ensino, da reforma fiscal e até em relação ao «plafonamento» na segurança social.
Nós queremos daqui saudar todos aqueles e aquelas que estão em luta por justas reivindicações e aspirações. Na luta pelo emprego, pelos direitos, pelo pagamento dos salários em atraso, pelo não encerramento de empresas. E queremos também saudar a CGTP-IN e as acções de protesto e de luta que tem organizado como a grande central sindical dos trabalhadores portugueses.
Queremos também saudar os trabalhadores e as jovens gerações de trabalhadores da OGMA, da Petrogal, da Vestus, da ex-Quimigal, da indústria vidreira, do vestuário, da cerâmica e de tantas outras empresas, bem assim como, aos trabalhadores da Administração Pública ameaçados de desemprego através da extinção abrupta de serviços e da «retocada» lei dos disponíveis.
Os comunistas têm estado por todo o país nas pequenas e grandes lutas e têm tido uma qualificada e empenhada intervenção na Assembleia da República em defesa dos interesses do povo e do país.
O Primeiro-ministro perante o protesto popular tem por várias vezes exercitado o anticomunismo, acusando o nosso Partido de ser o responsável pelos protestos.
Temos que lembrar ao Primeiro-ministro que o responsável pelos protestos, pela indignação e o descontentamento é a política do seu governo ao serviço da oligarquia e do capital financeiro e que os comunistas exercerão todos os direitos constitucionais e legais para combater as políticas erradas e retrógradas e que é com muita honra que se situam na linha da frente lado a lado com muitas outros cidadãos dos mais variados quadrantes e credos políticos.
Pode o Sr. Primeiro-ministro ficar descansado que o Partido Comunista Português, não virará as costas às injustiças, às prepotências, à política de concentração da riqueza e que vão continuar generosamente a participar e a intervir em todas as causas que fazem a razão e o ser da sua existência e de sua vida.
A ofensiva da direita, o novo quadro político e as responsabilidades que temos perante o povo e o país exigem que este Partido reforce a sua iniciativa política, a sua intervenção e a sua influência, o que passa também pelo reforço da sua organização para dar cumprimento às decisões da Conferência Nacional, para concretizar o Encontro Nacional “sobre o reforço do Partido junto dos trabalhadores” e a Conferência Nacional sobre o Poder Local.
Como é sabido o colectivo partidário tem assistido com tristeza e amargura a um longo, persistente e encadeado conjunto de atitudes e comportamentos de alguns membros do Partido que à margem do seu normal funcionamento e tomando a postura de vítimas, têm ferido a imagem do PCP e prejudicado a sua intervenção política e o esforço anónimo de milhares de comunistas que dão corpo a grande parte da intervenção do Partido.
Ao longo destes penosos seis meses – seis meses! camaradas e amigos – foram feitos sucessivos apelos para que cessassem as actividades anti-estatutárias, para que as naturais diferenças de opinião se inserissem no natural e lógico debate no quadro partidário e segundo as regras da democracia interna que eles mesmos definiram, aprovaram e confirmaram na preparação do XVI Congresso.
Na Conferência Nacional, novos apelos foram feitos. A resposta foi infelizmente a arrogante afirmação pública de que essas actividades iriam continuar.
Ao longo destes penosos seis meses e com grande paciência e tolerância, a direcção do Partido, até com a incompreensão de muitos militantes procurou evitar rupturas e foi sucessivamente enviando avisos e chamando a atenção por diversos meios para o caminho de confronto que alguns estavam a percorrer.
Infelizmente, houve quem logo após o XVI Congresso tivesse apostado na ruptura, procurando federar descontentamentos e levar consigo o maior número de militantes, respondendo a cada apelo com uma nova espiral de confrontação na praça pública.
O grande argumento que alguns têm exibido para justificar o injustificável é que têm sido condenados pelo exercício da “liberdade de expressão”, por “delito de opinião”, por assumirem “divergências”.
Quanto a isto:
É preciso lembrar que, mesmo a liberdade de expressão não comporta os insultos e as ofensas como os de «terrorista», «estalinista», «clique», «assalto ao poder» e outros mimos lançados sobre a direcção; nem a deturpação das suas posições e orientações com as acusações de o Partido «preferir a direita», de «impedir a convergência à esquerda», de «empurrar o PS para a direita», com claros prejuízos para a capacidade de atracção da sua imagem, luta e proposta.
É preciso lembrar que, no PCP não há delitos de opinião. Ao longo dos anos que tiveram de militantes eles sabem muito bem que a sua opinião como a de outros membros do Partido, sempre foi inserida nas avaliações, apuramentos e decisões partidárias e sempre foram avaliadas pelo seu mérito e valor e aferidas democraticamente pelos diversos colectivos partidários e, não pela notoriedade de quem as defende.
É preciso lembrar, e eles sabem muito bem, que a inscrição num Partido é um acto voluntário e que com a sua admissão cada um fica com um conjunto de direitos e deveres, não sendo admissível em membros do Partido que alguém queira conservar todos os direitos e não ter nenhuns deveres ou queira conservar todas as formas de intervenção política pública como se fosse independente.
O “delito de opinião” é invocado para servir de biombo a comportamentos e atitudes contrárias às regras de funcionamento do Partido. Na verdade, não estamos perante naturais e inevitáveis questões de opinião ou da sua episódica ou pontual expressão pública, mas de comportamentos e actividades que, com carácter sistemático e prolongado violam frontalmente as regras do Partido, a ética e a democracia interna do PCP.
O colectivo partidário assistiu pesaroso a sucessivas iniciativas públicas, articuladas e previamente anunciadas e ampliadas pela comunicação social de claro afrontamento às normas estatutárias.
Desde as eleições autárquicas e ao longo destes seis meses, exceptuando o período oficial de campanha eleitoral das legislativas, é quase certo que os principais promotores e protagonistas destas actividades de confrontação, tiveram uma maior presença nas televisões que os dirigentes do partido, e não, como é óbvio, para divulgarem a mensagem e as propostas do Partido, mas para fazerem marcação cerrada às suas posições, deturparem a sua orientação e contestarem a sua legítima direcção.
Segundo o que dizem, não vem daí nenhum mal ao mundo, o Partido não só não perde com isso como até ganha.
Ao que chegou o despudor de quem sabe que se alguém lhe tivesse feito o mesmo no passado, há muito que o caldo estaria entornado.
Alguém se convence que essas iniciativas não tiveram organizadores, que não foram articuladas, que as intervenções não foram preparadas e seriadas, para que à hora do telejornal tivesse voz e rosto tal ou tal, interveniente. Ou querem convencer alguém que essas iniciativas nasceram de geração espontânea e que foram simples encontros, convívios ou esporádicas convergências e tomadas de posição?
A direcção partidária deve ser – e tem sido até ao limite – tolerante, paciente, compreensiva e por meios políticos procura evitar as rupturas. Mas também não pode deixar que o Partido, através dos factos consumados, enterre as suas regras de funcionamento, colectivamente definidas e votadas, porque elas são um instrumento indispensável para dar suporte e coesão ao trabalho de quantos por acto voluntário aderiram a este grande e generoso colectivo que é o Partido Comunista Português.
É sempre triste e doloroso ter de sancionar um membro do Partido, mas depois de vários apelos à reconsideração de atitudes e sucessivas tentativas para reconduzir ao espaço do debate partidário e resolução política declaradas divergências houve quem optasse claramente na continuidade e deliberada acção de afrontamento público ao Partido e a valores éticos e políticos de relacionamento entre comunistas que são elementos essenciais à coesão e preservação da sua unidade e à sua iniciativa e intervenção política.
Reafirmamos que respeitando apreensões e mesmo discordâncias que são compreensíveis numa matéria tão sensível e, complexa e dolorosa, apelamos a todos os membros do partido para que com a sua opinião e intervenção e com o reforço dos laços de solidariedade e respeito mútuo contribuam para que o PCP possa desempenhar com honra e eficácia as acrescidas responsabilidades, que a actual situação e problemas do País lhe coloca.
Com um grande esforço de convencimento, com a nossa luta empenhada, com a generosidade dos milhares e milhares de homens, mulheres e jovens que compõem o colectivo partidário, este partido que é e quer continuar a ser comunista, com as suas raízes populares, com a sua ideologia e o seu projecto, aberto à vida e com ela aprendendo, saberá encontrar os caminhos para superar problemas, saberá lutar pelo povo e pelo país, encontrar as convergências políticas e sociais para derrotar a ofensiva da direita e construir uma alternativa que faça Portugal sair da cepa torta, dando continuidade a um combate pela liberdade e dignidade humanas, pelo aprofundamento da democracia em todas as suas vertentes, pela superação do capitalismo.
As sentenças sobre a sua morte, tomando os desejos pela realidade, são velhas e repetidas. No entanto, não se percebe como é que gastam tantas páginas, tanta tinta, tantas imagens televisivas com um partido que está paralisado e morto!
São também velhos os falsos dilemas: se o Partido se renova descaracteriza-se e integra-se na social democracia, se não se renova definha e morre!
A renovação e rejuvenescimento no Partido é uma exigência e faz-se com a análise da realidade em constante mudança, não para se acomodar ou para se tornar uma “coisa” subalterna do PS, mas para responder aos novos desafios, organizar a luta, e a luta pela transformação social, a construção das propostas alternativas, com as raízes nos trabalhadores e no povo, sabendo que quem põe em causa o poder do dinheiro tem da parte deste a ofensiva do seu domínio na sociedade. [As ideias dominantes pertencem às classes dominantes, enquanto o forem... ]
E estamos convencidos que voltados para o futuro, com o nosso trabalho, a nossa intervenção empenhada, a nossa solidariedade activa com os trabalhadores, as populações e o povo, a realidade acabará por triunfar sobre a maré de caricaturas, preconceitos e deturpações que enfrentamos, dando lugar a uma visão mais densa, esclarecida, aberta e verdadeira sobre a nossa efectiva identidade, características e projecto, sobre o que efectivamente somos, pensamos e defendemos, sobre este grande Partido, humanista e revolucionário, de causas e valores, de luta e de proposta que é o Partido Comunista Português.