Intervenção de Jerónimo de Sousa,
Secretário-geral do PCP,
Os campos portugueses vivem uma situação de desastre. Desastre é a palavra exacta para classificar os problemas da produção agro-alimentar nacional e de tantos e tantos agricultores portugueses. Até alguns dos que se julgavam acima dos problemas que vinham atingindo os pequenos e médios agricultores, pela dimensão das suas propriedades, hoje têm que dar o braço a torcer e reconhecer a verdade das análises, críticas e propostas que o PCP foi fazendo ao longo dos últimos 30 anos. Porque a difícil situação que a lavoura vive é a consequência de dezenas de anos de políticas de direita, agudizadas brutalmente nos últimos 7 anos, primeiro pelos Governos PSD/CDS-PP e, depois, pela praga do Governo PS de Sócrates e Jaime Silva. Consequências também da PAC e da forma desastrosa como sucessivos governos a aplicaram em Portugal, cegos e surdos aos avisos do PCP.
Políticas agrícolas na União Europeia e na Organização Mundial do Comércio, certamente do interesse das grandes potências agrícolas europeias: França, Alemanha, Inglaterra, Holanda, países nórdicos, e também dos EUA, mas que tinham e têm muito pouco a ver com os interesses da nossa agricultura, com os interesses de Portugal.
Qualquer que seja o problema concreto que neste momento atinge os agricultores portugueses, garanto-vos e podemos demonstrá-lo que na sua origem estão as políticas que acima denunciámos. E somos os únicos que temos autoridade política para o fazer, porque fomos os únicos que ao longo dos anos as criticámos, e mais, sempre apresentando alternativas.
Não nos situamos entre os partidos que hoje choram lágrimas de crocodilo pela triste sorte dos agricultores, mas que ainda ontem estavam em S. Bento, em Bruxelas ou noutras sedes do Poder, exactamente a pôr o nome por baixo de algumas das mais graves decisões para a agricultura nacional, como por exemplo, o fim das quotas leiteiras, o desligamento das ajudas ao rendimento ou a situação que hoje fundamentalmente vos atinge e atinge todos os orizicultores portugueses: a liberalização do comércio internacional dos produtos agro-alimentares, entre os quais está o arroz. Liberalização certamente do interesses das grandes multinacionais e da grande distribuição dos produtos agrícolas. Não dos pequenos produtores. Não dos países que têm no arroz o principal alimento das suas populações.
Questão de tal forma grave que, agora, até o Papa, tardiamente é certo, mas veio clamar contra o tratamento da produção agrícola, dos produtos sem os quais nenhum homem ou mulher vive, como se se tratasse de uma vulgar mercadoria industrial, sujeita às especulações bolsista e financeira, isto é contestar, o que a União Europeia, a OMC e o PS, o PSD e CDS-PP sempre defenderam e defendem: a liberalização do comércio internacional da produção agro-alimentar! A que acresce, no caso do arroz (mas também do leite, do azeite e do vinho, para só falar das mais importantes produções nacionais) a inteira subserviência e objectiva cumplicidade do Governo Português com os grupos da grande distribuição, como os Belmiros, os Jerónimo Martins, os Leclerks, etc,etc!
Como é que se compreende que, levantados os problemas em Junho relativamente ao dumping e venda abaixo de preço, passados 5 meses nada tenha sido feito de facto, para travar essa actuação ilegal à margem das próprias leis portuguesas?
Pior! A Autoridade da Concorrência, que tem no assunto a particular responsabilidade de defender as leis da concorrência, há muito estava alertada para esses comportamentos das grandes superfícies. Para não ir mais atrás, em Janeiro passado o Grupo Parlamentar do PCP chamou o Presidente da Autoridade da Concorrência para uma audição na Assembleia da República, alertando-o para o problema. Pior ainda, mesmo depois da ASAE ter detectado que era verdadeira a denúncia de produtores e industriais de arroz, da venda do arroz importado abaixo do preço (o que foi detectado em pelo menos 8 insígnias superfícies comerciais, Continente, Pingo Doce, Modelo, Feira Nova, Jumbo, LIDL, Mini-Preço e Leclerq), a Autoridade informou a Assembleia da República em Agosto, de que estava a estudar o problema…. Certamente, vai tirar as conclusões depois dos orizicultores e da indústria portuguesa estarem falidos!!!
É extraordinário que responsáveis políticos, como os que estão no Governo Português, não percebam a irracionalidade económica, o absurdo ou que, pelo menos, admitam que há qualquer coisa que não está bem, quando um litro de leite ou um litro de vinho importados, são bastante mais baratos que um litro de água portuguesa engarrafada em Portugal; quando um litro de azeite importado tem um preço inferior aos custos da simples apanha da azeitona ou de um qualquer outro óleo vegetal; quando no supermercado o quilo de arroz importado, de um qualquer país longínquo, é mais barato que o quilo da trinca nacional destinada à alimentação animal!
Mas ninguém se convença que é por ignorância que os nossos governos não dão pela “coisa”, que não estranham. Não, eles não vêem porque não querem ver, porque ver obrigava-os a tomar medidas contra os grandes grupos económicos já referidos, obrigava-os a contestar e contrariar as políticas da União Europeia. Como os obrigava a não aprovar leis como a nova Lei do Arrendamento Rural, aprovada em fim de festa pelo anterior Governo que, violando a Constituição, desequilibrou a Lei a favor do proprietário, acabando com a tabela de rendas máximas e a possibilidade de oposição do rendeiro à renovação do arrendamento. Aliás, a esse propósito, gostaria de vos anunciar que o PCP acabou de chamar à apreciação parlamentar essa Lei, com o objectivo de derrotar tais intenções.
Obrigava-os a contrariar a tentativa da União Europeia, já avançada pelo anterior Ministro, de alterar a classificação das zonas desfavorecidas e, por essa via, reduzir os apoios e as ajudas a milhares de agricultores e que atingiria muitos dos que vivem em muitas freguesias do distrito de Setúbal. Como os obrigava a ter uma política para os preços dos factores de produção, gasóleo, electricidade, adubos, rações, crédito, seguros e mesmo as ajudas à agricultura, que pelo menos os colocassem ao nível dos agricultores espanhóis e de outros países da União Europeia. Como podemos competir, quando tudo o que os agricultores portugueses precisam para trabalhar a terra é mais caro em Portugal que nestes países? Como os obrigava a uma radical alteração do Programa de Fundos Comunitários para a Agricultura, o PRODER de tão má fama. Uma mudança que privilegiasse a agricultura familiar, o mundo rural desertificado, as produções agrícolas regionais e de espécies autóctones, pondo fim ao abuso na utilização do dito critério da “competitividade” para restringir os apoios a uns poucos: os grandes proprietários, o grande capital da agro-indústria.
Gostaria também de vos poder dizer que estou optimista com o novo Ministro e o novo Governo PS mas, sinceramente, ninguém o pode dizer. Gostaria de vos poder dizer que as coisas vão melhorar e o quão importante era que tal acontecesse! Infelizmente temos sérias e fundadas dúvidas.
O Programa do Governo é a repetição do que o anterior Governo PS prometeu fazer e não fez, durante 4 anos e meio, nas ajudas comunitárias, nos seguros, na energia e no apoio às cooperativas. E os sinais, para já, não são nenhuns!
Vamos continuar atentos e a intervir. Vamos continuar a fazer propostas como as que acabámos de fazer, da vinda do Presidente da Autoridade da Concorrência à Comissão Parlamentar de Agricultura para falar de problemas como o do preço do arroz e de outros produtos. Proposta que foi aprovada por todos os Partidos.
Mas, devemos dizer-vos com toda a franqueza e toda a clareza que só a vossa luta e a dos restantes agricultores portugueses, a luta das vossas organizações, poderá inverter as actuais políticas que tanto vos ofendem e prejudicam.
Só continuando as lutas, como a que há bem pouco tempo realizasteis em Aveiro, na AGROVOUGA ou a que, sobre as questões que hoje estamos aqui a discutir, fizesteis na passada sexta-feira com a marcha até ao Governador Civil de Setúbal, as vossas reclamações serão satisfeitas.
Ao vosso lado tereis sempre o PCP, o Partido Comunista Português!