Petição n.º 46/X (1.ª), solicitando à Assembleia da República a obrigatoriedade de encerramento do comércio ao Domingo
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Começo por uma reflexão: será que a demagogia tem limites!? E por uma interrogação: será que a lei do licenciamento comercial, Sr. Deputado Mendes Bota, foi aprovada pelo PCP?!
Gostaria de chamar a atenção para a qualidade dos primeiros subscritores da petição. São um importante conjunto de personalidades da vida nacional de diversas áreas ideológicas e políticas, inconfundíveis com qualquer pretenso grupo corporativo de pequenos comerciantes anquilosados ou de sindicalistas relutantes à modernidade do neoliberalismo.
Gostaria também de destacar a razão do voto do Grupo Parlamentar do PCP contra o parecer do relator, face à sua plena convergência e repetição dos argumentos do Secretário de Estado do Comércio, sem qualquer dúvida ou hesitação e sem qualquer atenção ou resposta às razões dos peticionários.
Argumentação, essa, de um Secretário de Estado do Governo do Partido Socialista inteiramente coincidente com as razões da grande distribuição e empreendedores imobiliários, que ainda querem mais, com as razões do grande capital nacional (do Amorim, do Belmiro, do Jerónimo Martins) e estrangeiro - os confrades do Beato não dizem melhor! - e com a desregulamentação e liberalização da vida económica e social como resposta única aos grandes e complexos problemas do País, como o desemprego e a legislação laboral.
Não será por acaso que o mesmo secretário de Estado, em nome da simplificação, anunciou recentemente uma alteração da actual Lei do Licenciamento Comercial, para responder à voracidade insaciável da grande distribuição!
O tempo disponível não permite a abordagem desmistificadora das teses-base da argumentação expendida: a do conceito de «consumidor» e do «império do consumidor», bem desmontada numa das últimas obras de Galbraight. O consumidor, como ente autónomo, empolando e anulando no cidadão todas as outras dimensões da sua vida: trabalhador, vida familiar, agente cívico, político e cultural.
Fiquemos pela artilharia argumentativa explícita.
Emprego/desemprego - cedência à chantagem da grande distribuição. Então, se houver encerramento ao domingo, esse volume de emprego não se transferirá para os outros dias da semana, particularmente para o sábado, à semelhança do que aconteceu com o encerramento aos domingos à tarde!? Apetece perguntar, face ao argumento: são os dirigentes sindicais do comércio que assinam a petição completamente estúpidos ou cegos!?
Horários noutros países da UE. Na Europa, a regra é o encerramento e a excepção a liberalização. O Governo e o relator interpretam ao contrário. Mas, como percebem que o argumento «tem pés de barro», descobriram que há uma tendência liberalizante, sem o demonstrar. Vão a Espanha e ficam «tosquiados», porque, mesmo depois da dita liberalização, a legislação espanhola permanece muito mais restritiva do que a portuguesa.
Defesa da livre concorrência. É uma evidência assinalada num parecer do Conselho Económico e Social, que esquece que a liberalização é contrária às condições da livre concorrência, porque passa a haver uma «desvantagem comparativa» inultrapassável pela generalidade do comércio de pequena dimensão.
O Governo e o relator pensam o contrário!
Reflexos negativos no comércio tradicional. Sendo evidente que os problemas do comércio tradicional não se restringem nem se resolvem com o encerramento ao domingo, há quem pretenda passar um atestado de ignorância aos comerciantes e às suas associações, que, segundo o Governo e o relator, reclamam algo que é contrário aos seus interesses.
As preocupações com os turistas. Os países da Europa, com o encerramento do comércio ao domingo - e são a maioria - não devem ter turismo nem turistas, Sr. Relator.
O «desejo dos consumidores». É notável esta preocupação do Governo e do relator. Mas bem que poderia ter outra expressão, por exemplo, num aumento dos salários da generalidade dos trabalhadores portugueses!
Não inteiramente convencidos da razão da sua argumentação, o Governo e o relator concluem com a «bomba atómica»: «qualquer medida legislativa de alteração das circunstâncias actuais (...)poderia ter consequências irreparáveis e de enorme impacto, agravando os níveis de desemprego e arrastando problemas sociais e económicos com reflexos em toda a sociedade portuguesa».
Uma catástrofe!!
O Governo e o relator poderiam ter, pelo menos, assinalado, entre as violações habituais da grande distribuição - abuso de posição dominante, venda abaixo de custo, sistemática violação do feriado do1.º de Maio -, a «habilidade», com a cumplicidade de sucessivos governos, do licenciamento de áreas com1998 m2, que, depois, nunca mais ninguém controla, para tornear o fecho nas tardes de domingo para as unidades acima de 2000 m2.
Em conclusão: é inteiramente adequada a solicitação dos peticionários. O descanso semanal ao domingo deve ser a regra e o trabalho ao domingo a excepção.
Em consequência, o Grupo Parlamentar do PCP apresentará um projecto de lei que favoreça uma diferente regulamentação do horário do comércio ao domingo, salvaguardando, tanto quanto possível, o dia de descanso semanal nesse dia da semana.