Declaração de Fernanda Mateus, membro da Comissão Política do Comité Central, Conferência de Imprensa

O empobrecimento, a pobreza e a exclusão social - Uma verdadeira epidemia está a instalar-se na sociedade portuguesa

Ver vídeo

''

1 - O processo em curso de liquidação da protecção social em Portugal a pretexto do cumprimento do Pacto de Agressão está a favorecer o acelerado aumento das injustiças na distribuição do rendimento nacional e a contribuir para uma verdadeira epidemia que se instala na sociedade portuguesa: o empobrecimento, a pobreza e a exclusão social, que estão a assumir novas e dramáticas dimensões só comparáveis com os negros anos do fascismo.

Bastaria recordar que, em 2009, 43% da população portuguesa estaria em situação de risco de pobreza não fora a atribuição de prestações sociais da Segurança Social (segundo o INE) para avaliar as consequências do Pacto de Agressão no agravamento dos riscos de pobreza, da taxa de pobreza em Portugal e as suas verdadeiras incidências nas crianças e jovens, nas pessoas com deficiência e nos idosos.

E se é certo que a cada dia que passa não é possível esconder as suas expressões mais dramáticas, exemplos da perda de eficácia das prestações sociais, de situações de risco de pobreza que atinge novos segmentos da população (trabalhadores, desempregados, crianças e idosos) associado à persistência de situações de extrema e persistente pobreza, não é menos certo que esta realidade não é um fenómeno «natural», nem tão pouco inevitável. Ela tem causas e responsáveis, sendo fundamental a luta para a travar e inverter.

Os promotores e executores do Pacto de Agressão - que une, por um lado, o FMI, o BCE e a UE e, por outro, o PS, o PSD e o CDS-PP - promovem um vasto plano de «austeridade» concebido e subordinado aos objectivos e interesses do grande patronato e do capital financeiro (nacional e internacional), que, a pretexto de uma crise de que são os únicos responsáveis, pretende com ele obter renovadas transferências para si de recursos financeiros que deveriam estar ao serviço do desenvolvimento económico, social e regional do País e a abertura de novas áreas de negócio e de lucro à custa da destruição das funções sociais do Estado na saúde, na segurança social e na educação.

2 - Os promotores das políticas sociais assentes na pretensa preocupação com os mais pobres e com os que mais precisam são os responsáveis por uma verdadeira «engenharia» legislativa ao serviço da redução das despesas sociais e do défice das contas públicas à custa da crescente exclusão de acesso a direitos de protecção social por parte de quem dela precisa: os trabalhadores, que trabalhando, pagando impostos e descontado para a segurança social estão a ser fortemente penalizados pela redução de prestações sociais de apoio a encargos familiares e à maternidade, na doença e por morte; os desempregados, que querem trabalhar e ter autonomia económica e social e não encontram emprego e não têm direito ao subsídio de desemprego: as milhares de famílias, que, escondendo a vergonha, percorrem o longo caminho junto de diversas entidades, públicas e privadas, para fazer prova de que cumprem os critérios estabelecidos para serem seleccionados no acesso a refeições, ou para acederem a qualquer tipo de apoio ou prestação social.

São disso exemplo, a Lei da Condição de Recurso aprovada pelo anterior Governo PS (Decreto-Lei 70/2010, de 16 de Junho) e que passados três anos da sua aplicação está a destruir o direito a importantes prestações sociais no âmbito da segurança social, mas também na saúde, na educação, entre outros. Entretanto, o actual Governo PSD/CDS-PP procura alimentar a ilusão de que estas regras permitem apoiar quem mais precisa, o que é uma falsidade.

Entre as suas perversidades destacam-se:

a redução dos valores, e mesmo a retirada, destes direitos a milhares de beneficiários de diversas prestações sociais (abono de família, subsídio social de desemprego, rendimento social de inserção); a perda de apoios no âmbito da acção social escolar (refeições, alojamentos, isenção de pagamento de propinas no ensino superior); e a retirada de isenções no pagamento de taxas moderadoras, no transporte de doentes e nos medicamentos;

a limitação no acesso simultâneo a diversas apoios e prestações sociais visando suprir a situação de carência económica e social. Alguns exemplos: a atribuição de um complemento por dependência a um idoso deficiente pode levar à perda da isenção nas taxas moderadoras; uma família monoparental cujo membro activo receba 700 euros mensais, a atribuição da pensão de alimentos pode levar a perda do direito ao abono de família para os dois filhos; a soma das reformas de um casal de idosos, em que os dois descontaram para a segurança social e pagaram impostos ao longo da vida, pode levar à perda de isenção no pagamento das taxas moderadoras, mesmo daquele que tenha uma pensão mínima; a atribuição de uma bolsa de estudo pode levar à perda do abono de família ou do rendimento social de inserção;

a diminuição da amplitude de concessão de apoios e prestações sociais por parte de novos requerentes, num silencioso processo de exclusão que está a afastar milhares de portugueses e suas famílias do direito à protecção social, num momento em que delas mais precisam por meras razões de «engenharia» legislativa.

Acresce que o actual Governo PSD/CDS-PP aprovou um vasto conjunto de alterações na atribuição do subsídio de doença, por morte, maternidade e paternidade e no rendimento social de inserção, o que mereceu um pedido de apreciação parlamentar por parte do PCP, e que representa a imposição da redução dos valores de prestações sociais que resultam dos descontos dos trabalhadores para a segurança social e a redução do papel do Estado na garantia de direitos mínimos a quem se encontra numa situação de pobreza.

Importa destacar que todas estas alterações legislativas, que se somam às que foram feitas nos critérios de atribuição do subsídio de desemprego e a suspensão da antecipação da idade de reforma no sector privado, mesmo para quem tem 40 anos e mais de carreira contributiva, bem como das que foram produzidas pelo anterior Governo do PS (relação do aumento anual das reformas ao desempenho da economia, o factor de sustentabilidade que reduz o valor da reforma aos 65 anos), estão a destruir os princípios e finalidades do Sistema Público de Segurança Social consagrado na Constituição da República. Trata-se de anular o papel do Estado na garantia do direito de todos à protecção social para lhe atribuir a promoção de políticas públicas de cariz assistencialistas.

3 - O PCP não pode deixar de destacar a cumplicidade do PS e do PSD relativamente à cruzada conduzida pelo CDS-PP, que, aproveitando a sua presença no Governo, desfere uma dupla ofensiva contra os trabalhadores e os mais pobres.

Por um lado é co-responsável por políticas centradas no abandono do crescimento económico, no roubo a rendimentos, salários e pensões dos trabalhadores e dos reformados, no favorecimento dos grupos económicos e financeiros e na destruição das funções sociais do Estado enquanto instrumento de uma mais justa distribuição do rendimento nacional. E, por outro, usando as funções governativas, retoma a velha cruzada ideológica contra a «preguiça natural» dos trabalhadores, dos que recebem rendimento social de inserção e outros apoios sociais, embrulhada numa pretensa ética na austeridade, ou de medidas socialmente pedagógicas de combate à “subsídio-dependência”.

As alterações introduzidas ao rendimento social de inserção (RSI) estão a ter negativos impactos junto dos actuais beneficiários, incluindo naqueles que estão inseridos no mercado de trabalho: reduções nos valores desta prestação social em famílias que estão em constante sobressalto de não terem dinheiro para garantir direitos mínimos de subsistência, como, por exemplo, não terem dinheiro para pagar a luz, o gás, a água, ou para comprar alimentos para os filhos, a par de um claro processo de afastamento de milhares de famílias, incluindo famílias numerosas e monoparentais, do direito a esta prestação social.

Ao contrário do que é fomentado pelo CDS ao longo de anos, o RSI não é atribuído apenas, ou sobretudo, a “pessoas que não trabalham”, como o mostram os indicadores estatísticos relativos à atribuição desta prestação social.

Acresce que a decisão de envolver os beneficiários do rendimento social de inserção na limpeza de florestas ou a realizar trabalho social não significa um caminho de garantia de trabalho com direitos que lhes permita autonomia económica e social. O PCP recorda que ao longo dos anos o insucesso no cumprimento dos Planos de Inserção Social foi resultado directo do aprofundamento dos problemas estruturais da sociedade em que os centros de emprego não absorvem esta mão-de-obra pouco qualificada e as reduzidas ofertas de emprego são precárias (ao dia e à hora).

Entretanto as medidas que visam a acumulação do subsídio de desemprego com actividade profissional representam um inaceitável uso dos desempregados e das verbas da segurança social ao serviço da exploração do trabalho.

Tem sido recorrente a utilização desta mão-de-obra para ocupar postos de trabalho à custa da exploração da mão-de-obra dos desempregados e dos dinheiros da segurança social. Recurso também utilizado por parte de diversas entidades, nomeadamente em instituições privadas de solidariedade social que, face aos crescentes constrangimentos económicos na contratação de pessoal, recorrem a desempregados a quem pagam uma pequena verba que acresce ao respectivo subsídio de desemprego. Trata-se de falsos programas de inserção dos desempregados no mercado de trabalho, que objectivamente só servem para o aumento da precariedade e a exploração do conjunto dos trabalhadores.

A pretensa ética social na austeridade, proclamada pelo CDS-PP, é uma mera figura retórica que atenta contra a inteligência dos portugueses e revolta quem se encontra numa situação de pobreza. Tomemos como exemplo os 50 milhões de euros destinados pelo Governo PSD/CDS-PP para financiar em 2,5 euros por refeição diversas instituições e tendo por base critérios de selecção das famílias. Esta medida, ao contrário do que é afirmado, não responde à situação conjuntural de fome na sociedade portuguesa, antes representa a demissão do Estado das suas responsabilidades na prevenção do risco de pobreza e na garantia de direitos sociais. As verbas envolvidas com esta medida é uma pequena parcela das verbas roubadas ao pagamento de importantes prestações sociais de que são exemplo: a eliminação parcial ou total do 13º e 14º mês aos reformados, do sector público, a redução de verbas para o pagamento do subsídio desemprego e de outras importantes prestações sociais como o abono de família,o subsídio social de maternidade ou o rendimento social de inserção, entre outros.

Esta medida, insere-se no objectivo de institucionalização da pobreza como problema estrutural da sociedade capitalista, sendo substituídos direitos sociais (estigmatizados como factor de “subsídio-dependência”) pelo assistencialismo público e pela caridade particular, o que representa um inaceitável retrocesso social e a criação de formas de dependência que humilham e atentam contra a dignidade do ser humano e que o mantém numa espiral de pobreza.

4 – O PCP destaca a importância de um caminho de luta de rejeição do Pacto de Agressão que incorpore a defesa intransigente do conjunto das funções sociais do Estado, com confiança nas suas capacidades e potencialidades demonstradas desde a sua criação após a Revolução de Abril e plasmadas na Constituição da República Portuguesa. Estas funções sociais do Estado têm um conteúdo muito preciso no que se refere ao Sistema Público de Segurança Social, ao Serviço Nacional de Saúde e à Escola Pública de qualidade.

Estas funções sociais do Estado são parte integrante da luta contra o processo em curso de empobrecimento, de pobreza e exclusão social, da luta pelo progresso e de total rejeição do retrocesso económico e social. Elas são expressão dos verdadeiros princípios de solidariedade. Uma solidariedade expressa numa mais justa distribuição da riqueza produzida, na valorização dos salários e das reformas, numa adequada política fiscal que faça pagar quem mais tem e não sobretudo aos rendimentos do trabalho; na garantia do direito de todos os portugueses à segurança social, à saúde, à educação e à cultura.

  • Assuntos e Sectores Sociais
  • Central