&quot;Em qualquer circunstância&quot;<br />Ruben de Carvalho no &quot;Diário de Notícias&quot;

«As nossas cerimónias hão-de abismar de espanto [o homem de 2044]: penso por exemplo em Churchill e Roosevelt, responsáveis por dois impérios gigantescos, chefes de uma guerra bem real, de pé e sem chapéu no Potomac, ocupadíssimos em cantar, sem rir, um velho hino protestante.»Blair e o inconcebível Bush que vão «relançar» o projecto de paz na Palestina (talvez de novo, cantando, sem rir, um velho hino protestante); o assassínio selvagem da Holanda; Mossul sublevada e Fallujah destruída; as exigências da política, as horas corânicas, a mítica terra de Jerusalém a entrecruzarem-se até na hora da morte de Arafat; o homem que denunciou a ameaça nuclear israelita de novo preso após 18 anos no cárcere - tudo e uma dor fina me fez procurar aquele não esquecido parágrafo d'O Jogo da Cabra Cega, de Roger Vailland, essa crónica da Resistência que nos marcou, ao longo de duas ou três gerações. Os 40 anos que faltam para aquele homem livre, racional, feliz parecem, de facto, curtos para atingir o fim do tempo do desgosto, do «tempo do desprezo» que Vailland, como todos nós, tinha previsto para bem mais cedo. No tempo, enganámo-nos. Mas, há quase meio século, em Janeiro de 59, quando prefaciava a tradução de Hélder de Macedo daquele Drôle de Jeu, José Cardoso Pires já avisava: «O futuro é do homem interessado que em toda a e qualquer circunstância se obriga a tomar posição, a experimentar, a intervir.»

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