Projecto de Resolução N.º 148/XVI/1.ª

Em defesa da pesca nacional e dos rendimentos dos pescadores e produtores

Exposição de Motivos

Urge inverter o rumo de desastre imposto aos pescadores e à pesca nacional.

Os dados reportados a 2023 relativos ao sector da pesca mostram uma realidade profundamente lesiva dos interesses nacionais que acentua a perda de rendimentos dos pescadores e empresas do sector.

Esta situação é particularmente gravosa num ano em que os preços dos fatores de produção, designadamente os combustíveis, subiram acentuadamente, reduzindo o rendimento disponível para repartição pelos pescadores, tendo em conta o sistema hegemónico de pagamento aos trabalhadores da pesca- o montante para repartição é encontrado depois de todas as despesas fixas serem retiradas do montante bruto realizado na semana ou quinzena de pesca.

Ao mesmo tempo, é inegável a constatação de aumentos brutais dos preços pagos pelo consumidor e o absoluto esmagamento do preço pago aos produtores, em benefício exclusivo da grande distribuição.

Portugal pode e deve, mesmo num quadro profundamente adverso, resultante das desastrosas decisões de sucessivos governos e das amarras das políticas da União Europeia (UE), desenvolver todos os esforços no sentido de aproveitar todo o potencial do seu mar, da sua Zona Económica Exclusiva, e de todas as zonas onde a pesca, o marisqueio ou a apanha de diversas espécies se pratiquem.

Dever-se-á, urgentemente, inverter o prolongado caminho de abates e destruição da frota, de alienação de capacidade produtiva e de desperdício de oportunidades de criação de riqueza e de conhecimento e apostar decididamente na valorização de toda a cultura associada ao setor piscatório, que tanto caracteriza as comunidades ao longo da costa nacional, assim como um pouco por todo o país, em comunidades ligadas às atividades extrativas desenvolvidas em águas interiores não marítimas.

Num país onde se consome, em média, 57 Kg de pescado per capita/ano, que nos coloca como o maior consumidor de pescado da UE e o terceiro maior do mundo, desmantelar de forma evidente e prolongada o setor piscatório nacional, essencialmente ao longo dos últimos 40 anos fruto da «Política Comum de Pescas» imposta pela UE e aceite por PS, PSD, CDS e quejandos, não é nem um caminho lógico e racional, nem é um caminho que acautele os interesses do povo e do País, desde logo no que concerne ao reequilíbrio da nossa balança alimentar e no quadro da necessária redução das importações destes produtos. Recorde-se que, só em 2023, o défice da balança comercial de produtos da pesca ficou perto do mil e duzentos milhões de euros.

Entre muitos fatores que impactam negativamente o desenvolvimento das pescas nacionais, uns de ordem estrutural, outros de ordem conjuntural, a questão da diferença de preços praticados na primeira venda em lota e os preços praticados ao consumidor final é uma das principais causas que afeta os rendimentos dos trabalhadores da pesca, das empresas do sector e do equilíbrio necessário para reconstruir um sector com horizontes de futuro.

No ano de 2023, o índice de preços ao consumidor subiu 4,2%, enquanto os preços praticados na primeira venda em lota tiveram uma desvalorização de 6,4%. Quer isto dizer que as grandes superfícies, num contexto de enormes dificuldades para esmagadora maioria das famílias portuguesas, com o custo de vida a disparar em todas as suas dimensões, conseguiram comprar ao produtor o pescado mais barato que em 2022, para vendê-lo substancialmente mais caro ao consumidor final. A natureza exploradora e desumana do oligopólio da grande distribuição tem nesta realidade mais um exemplo a que se poderiam juntar os aproveitamentos indevidos do chamado “IVA Zero” ou os lucros recorde em anos de acentuada perda de poder de compra das famílias.

Esta injusta distribuição da riqueza criada ao longo da cadeia de valor dos produtos da pesca é sentida com ainda maior significado em determinadas espécies, designadamente na categoria dos pequenos pelágicos. Frequentemente se pratica nas grandes superfícies preços de venda ao consumidor de Cavala a 3 ou 4 euros/Kg, de Carapau a 5 euros/kg, ou mais, e a Sardinha, designadamente na época estival, a quase 10 euros/kg. É, assim, ruinoso para consumidores e produtores constatar estes preços de venda ao mesmo tempo que o preço destas espécies na primeira venda em lota, no ano de 2022, foram de 0,47 euros/Kg para a Cavala, 1,44 euros/Kg para o Carapau e 1,07 euros/Kg para a Sardinha.

Por esta amostragem, cujas conclusões se mantêm analisando outras espécies, é fácil perceber o quão desigual é o comércio de pescado no nosso País, ficando bem demonstrado quem é que realmente ganha em manter este mercado liberalizado e sem qualquer controlo e proteção de rendimentos dos produtores.

Acresce ainda que a estratificação e segmentação dos preços das várias espécies na primeira venda em lota, é feita com recurso a variáveis como o tamanho, a qualidade, a apresentação e frescura. Para a mesma espécie, podemos encontrar múltiplos preços aplicados no mesmo dia de venda em lota. No entanto, a mesma relação nunca, ou muito raramente, é espelhada da mesma forma ao consumidor final, o que torna a comercialização e o mecanismo de formação de preço injusto e complexo.

Sem rendimentos justos não há a mínima possibilidade de fixar força de trabalho no sector. Sem relações de trabalho equilibradas o resultado será sempre o mesmo que se tem verificado. Sem relações comerciais justas não há forma de repartir equitativa e justamente a riqueza criada.

É destas desigualdades que resulta o emagrecimento do sector e a perda gradual da sua dimensão económica e política, e o enfraquecimento do seu reconhecimento social que, por sua vez, determina a fragilidade de Portugal, agravada pelo quadro de absoluta claudicação nacional às políticas de pesca da UE no que concerne à grande questão basilar e sem a qual nada funcionará – o acesso aos recursos haliêuticos.

Esta é a ponta de um novelo que importa ir desenrolando, tendo em conta que poderá ser uma das chaves que poderá abrir as portas para o sector das pescas que o país efetivamente precisa.

Há que estancar este rumo. Nos últimos 38 anos, o país perdeu mais de 27 mil pescadores, cerca de 60% da sua frota de pesca, reduziu a sua capacidade de satisfazer as suas necessidades em termos de produtos da pesca em 40%, dado que há 38 anos produzia 70% das suas necessidades e agora apenas 30%. Este é, portanto, um rumo de desastre que urge inverter.

Um outro sector da pesca é possível e absolutamente necessário.

Assim, e a par dos investimentos necessários na requalificação do sistema portuário nacional, onde em muitos casos não estão garantidas condições de segurança para a operação; a coordenação estratégica entre o relançamento da indústria de construção e reparação naval com a necessária renovação de segmentos prioritários da nossa frota; a articulação estreita entre a pesca e a indústria conserveira; o necessário apoio à aquisição de combustíveis nos diferentes segmentos da frota, de uma verdadeira discussão e reflexão nacional e transversal sobre os projetos que visam ocupar grandes parcelas dos espaço marítimo nacional (aquacultura, áreas marinhas protegidas, eólicas offshore, entre outros) que tenha em conta a preservação dos pesqueiros e da pesca, importa, no imediato tomar medidas urgentes que protejam os pescadores e as empresas do sector, nomeadamente:

  • Impor a regulação de preços de primeira venda em lota;
  • Estabelecer preços mínimos para as várias espécies;
  • Instituir margens máximas de lucro em todos os níveis de comercialização dos produtos da pesca;
  • Assegurar e promover canais regulares de distribuição, designadamente a partir do apoio às organizações de produtores, para garantir que todo o território nacional é abastecido de pescado a preços mais justos;
  • Apoiar e desenvolver estratégias de promoção do consumo de pescado, bem como da valorização do mesmo na primeira venda em lota, garantindo também preços mais justos e comportáveis ao consumidor final;
  • Assegurar o cumprimento de medidas já aprovadas na Assembleia da República, designadamente o abastecimento da rede de cantinas e refeitórios públicos com pescado nacional com preços previamente definidos junto da produção, fomentando cada vez mais o consumo de produtos locais ou de proximidade.

Sem que estas, e outras, medidas possam ser implementadas no curto prazo, teme-se que a tendência de erosão do sector não pare de aumentar, agravando ainda mais a capacidade que o País tem em alimentar a sua população, sendo este um dos mais elementares fatores de independência e soberania nacional.

O Partido Comunista Português, fiel ao seu compromisso com o povo e o País, não desiste da luta por um Portugal com futuro e reafirma que é possível e necessário defender e valorizar a pesca e os seus trabalhadores e desenvolver um sector produtivo mais forte, liberto do domínio da grande distribuição, capaz de contrariar os graves défices alimentares que põem em causa a soberania e a independência nacional.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a seguinte

Resolução

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomendar ao Governo que, em defesa dos rendimentos dos pescadores e em defesa da pesca nacional:

  1. Promova medidas de regulação dos preços de primeira venda em lota e estabeleça preços mínimos para as várias espécies;
  2. Defina e aplique margens máximas de lucro em todos os níveis de comercialização dos produtos da pesca;
  3. Assegure e promova canais regulares de distribuição, designadamente a partir do apoio às organizações de produtores, garantindo que todo o território nacional é abastecido de pescado a preços mais justos;
  4. Apoie, desenvolva e monitorize estratégias de promoção de consumo de pescado nacional pelas populações e o seu fornecimento em cantinas e refeitórios públicos com preços previamente definidos junto da produção, fomentando cada vez mais o consumo de produtos locais ou de proximidade.
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