Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

Em defesa da água pública de todos e para todos!

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Garante o direito humano à água e ao saneamento
(projeto de resolução n.º 346/XII/1.ª)
Sr.ª Presidente,
Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia,
Antes de mais, gostaria de saudar o Partido Ecologista «Os Verdes» por trazer a debate um assunto tão importante como este do direito à água e aos serviços da água.
Como a Sr.ª Deputada referiu, o Governo tem sido muito económico na informação que presta sobre as suas reais intenções relativamente à privatização do setor da água e dos serviços da água. Com certeza por saber que esta é uma questão muito delicada, que não deixará de provocar uma justa indignação naqueles que serão as principais vítimas deste processo de privatização: os consumidores.
Mas conhece-se a visão do Governo e da maioria que o suporta sobre o papel do Estado, pelo que é de esperar que este Governo avance mesmo com o processo de privatização da água e dos serviços da água.
Sabemos também que este Governo e a maioria que o suporta defendem sempre os interesses dos grandes grupos económicos e financeiros, pelo que é de esperar que a privatização da água constitua um negócio ruinoso para o Estado e um fabuloso negócio para os privados.
Quanto aos consumidores, Sr.ª Deputada, sabemos também o que os espera: um aumento brutal da fatura da água.
A questão que quero colocar-lhe, Sr.ª Deputada, tem a ver com o seguinte: há dias, o administrador da empresa Águas de Portugal anunciou que o preço dos serviços da água serão uniformizados em todo o País como uma parte integrante do processo de privatização da água, e indicou para preço da água os valores de 2,5 € e 3 €/m3, o que representa um aumento brutal relativamente aos preços atualmente praticados. Em alguns casos, estes aumentos serão de 200%, 300%, 400% ou mesmo mais. Este é, pois, mais um fardo que este Governo pretende impor sobre os ombros dos portugueses com o processo de privatização. Em suma, Sr.ª Deputada, o Governo privatiza, os consumidores e o Estado pagam e os privados ficam com os lucros.
Ora, gostaria que a Sr.ª Deputada comentasse este aumento brutal de preços, anunciado há dias, como parte integrante do processo de privatização da água.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Carlos Abreu Amorim,
É conhecida a intenção do Governo de privatizar os serviços de água e saneamento e, de acordo com as informações disponíveis, que são escassas, o Governo pretende seguir o seguinte modelo: fusão dos sistemas multimunicipais atualmente existentes; integração nestes sistemas multimunicipais dos sistemas em baixa; e, por fim, concessão a privados da exploração destes serviços. Ou seja, o Estado já investiu nas infraestruturas do setor, e continuará a fazê-lo, e os consumidores passam a pagar mais, aliás como foi anunciado há dias, cerca de 2,5 ou 3 € por metro cúbico de água e os privados ficarão com os lucros da exploração.
É isto que significa a privatização na ótica do Governo: encargos para o Estado e para os consumidores e lucros para os privados.
Sr. Deputado, a este propósito e a título de exemplo, permita-me que lhe lembre uma recente auditoria do Tribunal de Contas a uma destas famosas concessões criada em 2005, concessões que os senhores tanto apreciam, e na altura era só vantagens. Vejamos o que diz, então, a auditoria sobre uma concessão, a Fagar, do concelho de Faro, ao fim de sete anos. Passo a ler o relatório do Tribunal de Contas: «o acordo financeiro alcançado não prevê qualquer transferência efetiva de risco para o parceiro privado, na medida em que a rendibilidade do projeto está, em última instância, sempre garantida por via do esforço do parceiro público,…» «… ou dos consumidores ou de ambos».
Este é o relatório do Tribunal de Contas sobre a parceria público-privada (PPP) no âmbito dos serviços da água.
O Tribunal de Contas diz mais: que inicialmente, para esta concessão sem risco, estava prevista uma rendibilidade de 8%, mas depois, graças a um «expediente» — palavra que consta do relatório do Tribunal de Contas —, o parceiro privado conseguiu obter uma remuneração adicional que eleva a taxa de rendibilidade para 14,9%. Repito, Sr. Deputado Carlos Abreu Amorim: 15% de rendibilidade num negócio sem qualquer risco. Isto é dito pelo próprio Tribunal de Contas relativamente a uma concessão, as quais os senhores tanto apreciam e que agora querem alargar a todo o País.
É este o caminho que o Governo e os partidos que o suportam pretendem: garantir lucros fabulosos a estes parceiros privados à custa do Estado e dos consumidores.
(…)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
A água é de todos, para todos! É um recurso natural essencial e insubstituível, indispensável à vida. Pela sua importância para cada um de nós e para o nosso futuro coletivo, a gestão da água não pode ser ditada por lógicas economicistas ou mercantilistas. O uso da água não pode ser tratado na perspetiva da sua apropriação nem do seu comércio. A água não é uma mercadoria, é um bem comum!
Esta não é, infelizmente, a conceção dos partidos que têm alternadamente governado Portugal. Ao longo dos anos, aprovaram legislação que ia criando condições para a privatização gradual do setor, numa lógica de apropriação privada das águas públicas, das infraestruturas públicas e dos serviços essenciais da água. Refira-se, a título de exemplo, a Lei da Água do Governo PS/Sócrates, à qual o PCP contrapôs uma proposta que proibia a privatização da água.
A água, tal como o ensino, a saúde, a habitação e a cultura, é para os partidos da política de direita mercadoria passível de ser gerida pelos privados numa ótica de obtenção de lucro. Esta não é a conceção do PCP. Para nós, a água e os serviços de águas e saneamento devem ser geridos unicamente por organismos públicos, assumindo-se esta gestão como a gestão de um património comum.
Os serviços de águas e saneamento foram, desde 1976 a 1993, uma responsabilidade exclusiva das autarquias, sendo a sua gestão controlada por órgãos democraticamente eleitos e orientada para a prestação de um serviço público.
A prestação dos serviços de proximidade, entre os quais os serviços de águas e saneamento, inseriu-se num movimento geral de democratização da sociedade portuguesa e no reconhecimento que o envolvimento dos cidadãos nas questões que lhes dizem respeito contribui para o enriquecimento da democracia.
Esta realidade foi-se alterando a partir de 1993, com a adoção de um modelo que subalternizou o poder local e onerou as populações. As competências de centenas de autarquias neste domínio foram concessionadas em sistemas multimunicipais de empresas do Grupo Águas de Portugal ou em empresas de capitais total ou parcialmente privados.
Pretende agora o Governo PSD/CDS promover a integração dos sistemas em baixa em sistemas multimunicipais, para atribuir a sua gestão a grandes grupos económicos através de concessões, consumando, desta forma, a privatização da água e dos serviços de águas em Portugal.
Tal opção governamental serve, com certeza, os interesses dos grupos económicos nacionais e internacionais que atuam neste setor, mas não serve os interesses dos portugueses nem do País.
A privatização dos serviços de águas e saneamento, que o Governo PSD/CDS pretende levar a cabo, seguirá o modelo habitual: o Estado fica, como aconteceu até agora, com os encargos de criar as infraestruturas e de reestruturar o setor, tornando-o lucrativo; os consumidores veem a sua fatura da água aumentar e os privados ficam com os lucros.
Neste negócio, porque de um negócio efetivamente se trata, os parceiros privados, sem terem que assumir quaisquer riscos, obtêm elevadas taxas de rendibilidade garantidas por via do esforço do parceiro público e/ou dos consumidores. Sem dúvida que este será um excelente negócio para os grandes grupos privados que operam no setor, mas um negócio ruinoso para o Estado e para os portugueses.
A documentação produzida pelo Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território deixa bem claro que a reestruturação dos serviços de águas e saneamento visa garantir a sustentabilidade económico-financeira do setor, passo essencial para a privatização, de que resultará um aumento brutal das tarifas de abastecimento de água, de saneamento e de resíduos.
Tal aumento somar-se-á aos aumentos já verificados noutros serviços públicos, resultantes dos compromissos assumidos pelo PS, pelo PSD e pelo CDS com a troica no âmbito do pacto de agressão, contribuindo para o empobrecimento ainda maior da população.
Tal como noutros setores, o Governo prepara-se para pôr em prática o seu conceito de redistribuição de riqueza: retirar a quem menos tem para assegurar avultadas rendas aos grandes grupos económicos e financeiros.
A defesa da água como um bem público tem mobilizado por todo o mundo numerosíssimas lutas de que resultaram a reversão dos negócios de privatização dos serviços de águas e saneamento ou a proibição de privatização destes serviços. Também recentemente, as Nações Unidas aprovaram, por esmagadora maioria, uma resolução reconhecendo que o direito à água e ao saneamento é essencial para a concretização de todos os direitos humanos. É neste sentido que devemos caminhar em Portugal: adotar políticas que garantam o acesso generalizado aos serviços de águas e de saneamento, mantendo o caráter estritamente público destes serviços.
Quanto às concessões a privados existentes atualmente, entendemos que devem ser revertidas, assim que possível, e devolvidas ao setor público.
Reafirmamos aqui, mais uma vez, de forma clara e expressiva, a posição do PCP em defesa da água como um bem público e um serviço essencial que deve permanecer na esfera pública, rejeitando a visão mercantilista e economicista do Governo da qual só resultará o agravamento brutal dos preços e a consequente limitação no acesso a este bem essencial, assim como a deterioração da qualidade dos serviços de águas e saneamento! A água é de todos, para todos!

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