Projecto de Lei N.º 360/XII-2.ª

Elimina os processos contraordenacionais contra quem não exigir a passagem ou emissão de faturas, alterando o Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho

Elimina os processos contraordenacionais contra quem não exigir a passagem ou emissão de faturas, alterando o Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho

Constitui um dever indeclinável de cidadania que todos os cidadãos ou entidades solicitem aos diversos agentes económicos que procedam à emissão de faturas ou de recibos oficiais pelos serviços prestados ou pelos fornecimentos realizados.

Que qualquer cidadão deva solicitar fatura aos agentes económicos prestadores de serviços é, assim, questão inteiramente consensual. Coisa inteiramente diferente é que os cidadãos “consumidores finais” sejam indiscriminadamente obrigados pela legislação vigente a exigir aos agentes económicos a emissão de faturas, sendo objeto de coimas caso não as solicitem. Esta imposição legal, que cria coimas para o eventual incumprimento de regras meramente éticas de cidadania, é absolutamente incompreensível e inaceitável. A criação de um quadro contraordenacional para punir os cidadãos que não peçam faturas é tão ridículo e inoperante que desde que tal espúria norma passou a integrar a lei, pelo menos desde 2001, não há memória de que qualquer coima tenha sido aplicada.

Por outro lado, é absolutamente inequívoco ser não apenas um dever como também uma imposição legal que os agentes económicos estão obrigados a emitir faturas sempre que a legislação assim o determine. Neste caso não existe apenas um dever de cidadania, existe e tem de existir uma inequívoca obrigação dos agentes económicos em emitirem faturas por serviços prestados ou por fornecimentos realizados, já que tal constitui condição sine qua non para que o Estado possa arrecadar receitas fiscais e combater a evasão fiscal.

O Regime Geral de Infrações Tributárias (RGIT) estabelece no seu artigo 123.º, desde que foi promulgada a Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, que a “violação do dever de emitir ou exigir recibos ou faturas” é passível de coimas. No n.º 1 desse artigo penaliza-se a não passagem de recibos ou faturas pelos agentes económicos; no seu n.º2 determina-se a existência de coimas para os cidadãos “consumidores finais” que não peçam essas faturas.

Isto é, o n.º 2 deste artigo do RGIT é responsável pela norma mais ridícula – há quem diga que muito provavelmente ilegal – da legislação nacional, prevendo a aplicação de coimas a quem não peça faturas ou recibos, e invadindo aquilo que é (e deve continuar a ser) do domínio privado, meramente facultativo e pessoal. Os cidadãos não podem ser transformados, sob a pena de serem objeto de processos contraordenacionais, em agentes inspetivos da Autoridade Tributária num pretenso combate à evasão fiscal.
O combate à evasão fiscal e à designada economia paralela pode e deve fazer-se com o recurso a instrumentos e normas que não passem pelo objetivo de transformar metade dos portugueses em “fiscais” da outra metade. E neste capítulo, importa também recordar que o combate à evasão fiscal feito à custa deste tipo de normas e obrigações deixa completamente de lado – quando não tenta fazer esquecer – as medidas de amnistia fiscal diretamente concebidas e concretizadas para relevar a fuga fiscal dos mais ricos e poderosos que ainda recentemente, exatamente no ano de 2012, puderam colocar a salvo elementos patrimoniais e capitais superiores a três mil milhões de euros, tendo apenas pago de imposto 258 milhões de euros, isto é, a uma taxa de cerca de 7,5%.

Durante o debate do Orçamento do Estado para o ano de 2012 (Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro) o atual Governo podia e deveria ter alterado esta situação e podia ter proposto a eliminação do n.º 2 do artigo 123.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, mantendo apenas essa exigência legal em sede própria para os sujeitos passivos no âmbito de aplicação do Código do IVA.

Em vez de proceder à eliminação de uma norma que simplesmente não é (nem tão pouco) deve ou pode ser na prática aplicada, o atual Governo fez ainda pior, tendo proposto na Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2012 o agravamento do valor da coima, passando-a para um intervalo desde os 75€ até aos 2000€. Nessa altura, o PCP apresentou uma proposta para eliminar o que está a mais no RGIT e que – sublinhe-se e registe-se - não é nem nunca foi aplicado. Surpreendentemente, essa proposta do PCP foi rejeitada pelos votos conjugados do PSD, do PS e do CDS-PP, sendo os três partidos responsáveis pela manutenção na legislação de uma norma que os recentes acontecimentos e incidentes produzidos na esfera pública vieram felizmente ajudar a explicitar a sua dimensão inteiramente ridícula.

Neste contexto, importa introduzir alguma sensatez na legislação, razão pela qual o Grupo Parlamentar do PCP entende ser adequado repor a proposta apresentada há cerca de um ano, expurgando do Regime Geral das Infrações Tributárias as coimas previstas para serem aplicadas a cidadãos “consumidores finais” que não peçam faturas por serviços que lhes sejam prestados.

Assim e ao abrigo das disposições regimentais e constitucionais aplicáveis, os deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, abaixo assinados, apresentam o seguinte Projeto de Lei.

Artigo 1.º
Alteração ao Regime Geral das Infrações Tributárias

O artigo 123.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho, abreviadamente designado por RGIT, passa a ter a seguinte redação:

Artigo 123.º
[...]

1. […].
2. Eliminar.

[…]”

Assembleia da República, em 21 de Fevereiro de 2013

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