Intervenção de Rita Rato na Assembleia de República

Elaboração de um relatório anual sobre abandono escolar e empréstimos bancários no ensino superior

(projeto de resolução n.º 342/XII/1.ª)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
A situação hoje vivida pelos estudantes do ensino superior é profundamente dramática. Décadas de políticas de direita, com desresponsabilização dos sucessivos Governos PS, PSD e CDS na garantia do financiamento do ensino superior público, têm resultado num aumento brutal dos custos com propinas, alimentação, transporte, material escolar, alojamento, em que
os sucessivos governos, designadamente o Governo do Partido Socialista e, na sua continuidade, o atual Governo PSD/CDS, têm apresentado aos estudantes a substituição da ação social escolar por empréstimos bancários, agitando a bandeira dos «clientes para os bancos», que pretendem o endividamento das famílias e agravar o endividamento de milhares de estudantes que, só neste ano, já foram mais de 4000 que se viram obrigados a requerer empréstimos bancários, empurrados assim para uma despesa, que, depois, numa situação de desemprego e precariedade não vão conseguir pagar.
É por isso que entendemos que é muito negativo o facto de, nos últimos dois anos, repito, nos últimos dois anos, mais de 26 600 estudantes terem perdido a sua bolsa de ação social
escolar no ensino superior. E por isso naturalmente que os custos, a dramática situação de abandono e de dificuldades para conseguirem pagar o seu passe, as propinas, a alimentação, se tem agravado.
O PCP tem apresentado inúmeras iniciativas no sentido do reforço da ação social escolar, do aumento do valor das bolsas, do aumento do número de estudantes com bolsa máxima, do financiamento adequado das instituições de ensino superior público. Sucessivamente, estas iniciativas têm sido rejeitadas por PS, PSD e CDS.
O Governo PSD/CDS, na linha do que foi o anterior Governo do Partido Socialista, recusa dar a conhecer à Assembleia da República o retrato real da ação social escolar e da caracterização socioeconómica dos estudantes no ensino superior.
É por isso que propomos aqui que não só este Governo mas também os governos seguintes possam apresentar, anualmente, à Assembleia da República um relatório em que seja feita a caracterização do abandono escolar no ensino superior, mas também a caracterização socioeconómica dos estudantes e dos estudantes que recorrem a empréstimos bancários.
Propomos também a elaboração de um estudo sobre a necessidade de alargamento da rede de residências universitárias e a definição de um plano, no sentido de dar resposta a um direito, que está consagrado na Constituição, mas que sucessivos Governos têm transformado num negócio e sobre o qual o PCP continuará a lutar.
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados,
Sr.ª Deputada do CDS:
Gostava de responder a uma pergunta concreta que colocou. Então, como é que se pagam as propinas? Quando o PCP, em sede de discussão do Orçamento do Estado, aqui apresentou a proposta de gratuitidade do acesso ao ensino superior teve de dizer onde ia buscar dinheiro. E adivinhe onde é que o íamos buscar… O dinheiro que o Governo vai cobrar de propinas a todos os estudantes do ensino superior representa 300 milhões de euros. Sabe quanto é
que este Governo ofereceu «de bandeja» ao offshore da Madeira em perdão de benefícios fiscais? 1200 milhões de euros! Tem aqui um exemplo de onde pode ir buscar dinheiro para garantir o pagamento: é tirar ao Alberto João Jardim e garantir o pagamento aos estudantes do ensino superior!
A outra questão que colocou tem a ver com as residências universitárias. A Sr.ª Deputada Inês Teotónio Pereira não percebeu, mas estamos aqui para explicar.
A Sr.ª Deputada deve saber que hoje, no nosso País, as residências universitárias e as instituições públicas não garantem resposta, não chegam sequer para os estudantes bolseiros da ação social, portanto, é óbvio que para os estudantes deslocados que têm de recorrer a
alojamento este custo representa uma despesa exorbitante e insuportável para a esmagadora maioria das famílias.
O que aqui propomos é tão-só — a Sr.ª Deputada não vê interesse nisso, o PSD também não, mas nós vemos todo o interesse— que o Governo apresente um relatório anual à Assembleia da República que tenha em conta a realidade e a caraterização socioeconómica dos estudantes e que defina as necessidades de reorganização e de alargamento da rede de residências.
Não sei se a Sr.ª Deputada já foi a Coimbra, mas vou dar-lhe aqui um exemplo. O PCP, na segunda-feira passada, visitou a residência universitária Alegria em Coimbra, e é uma vergonha perceber a degradação das condições materiais e humanas em que aquela residência se encontra. Sr.ª Deputada, vá conhecer esta residência e perceba que o investimento na educação não é uma despesa, é um investimento no desenvolvimento económico e social do País; não é um favor que o Governo, o PSD e o CDS estão a fazer
aos estudantes, é a garantia de um direito constitucional.
O Sr. Deputado do PSD disse aqui que houve uma gralha nos regulamentos de atribuição de bolsas. Mas o Sr. Deputado considera que o não cumprimento da Constituição é uma gralha?! Que o Governo incumpre e viola a Constituição todos os dias quando não garante a todos os estudantes o acesso ao ensino superior e que isso é uma gralha? Ó Sr. Deputado, por muito menos o vimos, no ano passado, com uma corda ao pescoço em frente à Assembleia da República!

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