(publicado no Diário da República nº 123, I Série, de 27 de Junho de 2012)
Exposição de motivos
“Uma política para a destruição da Escola Pública e para a subversão da Escola de Abril”, assim se poderia ler nas páginas do Programa do Governo, fosse este sincero e transparente. O conjunto de ações, medidas e normativo proveniente do Governo do Ministério da Educação e Ciência, da revisão da estrutura curricular à reorganização da rede escolar, demonstram bem a aposta de PSD e CDS na desfiguração das mais elementares características do Sistema Público de Ensino, ainda que a pretexto dos habituais chavões da “autonomia” e “eficácia”.
Na linha da política de direita, de colocação do Sistema de Ensino à mercê e ao serviço das necessidades transitórias e voláteis da exploração capitalista, de recuperação retrógrada da Escola Dual, de elitização do conhecimento e de massificação da competência de banda estreita; já profundamente cunhada nas políticas do XVII e XVII Governos Constitucionais, o atual Governo PSD/CDS desfere golpe sobre golpe para erodir o edifício legislativo e material criado pelo esforço de milhares e milhares de professores e funcionários da educação.
Além das restantes, que ora não cabe explorar, uma das estruturas absolutamente determinantes para a definição do carácter e natureza nacional do Sistema Público de Ensino – público, gratuito, universal, nacional, atenuador de assimetrias sociais, fator de emancipação individual e coletiva do cidadão – é o regime de contratação de professores e as regras que o enformam, tal como o regime de recrutamento e colocação.
A contratação, porque das formas que adquire se estabelecem as relações – mais ou menos estáveis – e os direitos laborais que definem e condicionam a qualidade do serviço docente, além da estabilidade emocional, familiar e profissional de cada professor.
O recrutamento e colocação, porque dos seus regimes resultam a fórmula de distribuição de professores pelo território nacional, por escola e agrupamento. O recrutamento de professores por lista nacional graduada e concurso nacional tem vindo a ser limitado por vias diversas, ora pelo constrangimento ao número de vagas de ingresso na carreira imposto pelos sucessivos Governos, ora pelas operações de descredibilização voluntária e mascaradas com erros informáticos e outras falhas, ora ainda pela distorção acentuada do conceito de necessidades transitórias das escolas. Esses constrangimentos fazem com que este corpo especial da administração pública tenha uma alimentação de pessoal quase exclusivamente à base de contratação a termo (recurso a professores contratados) que se prolonga no tempo. Neste corpo da administração pública, para cada professor recrutado para a carreira, saíram cerca de 50. É uma sangria de quadros absolutamente incomportável para os padrões de qualidade de ensino e qualidade de vida dos profissionais que se pretendem construir e alcançar, particularmente no terreno ambicioso do alargamento da escolaridade obrigatória para o 12º ano.
O sistema de recrutamento deve, para assegurar transparência na contratação e emprego públicos, para assegurar transversalidade da qualidade e a igualdade no acesso ao conhecimento de todos, independentemente do bairro, freguesia, concelho, origem social, local de trabalho, e o equilíbrio no grau de recursos materiais e humanos à disposição entre escolas, assentar em concurso nacional, assim responsabilizando o Governo – e o Estado – pela formação inicial, profissionalização, recrutamento e colocação de professores como elemento fundamental da política educativa. O emprego docente não é pois um indicador meramente sujeito a flutuações de mercado, mas uma responsabilidade direta do Estado, na medida em que este controla o número de professores formados com habilitação profissional e o número de professores colocados.
Ao contrário, um regime “liberalizado” de colocação e contratação de professores, funciona como um elemento pulverizador do Sistema Público de Ensino, desmantelando a sua unidade e transversalidade sem aumentar absolutamente em nada a desejada autonomia escolar. A colocação quase exclusiva por oferta de escola, bolsa ou reserva de recrutamento, originando relações laborais instáveis e precárias, provoca também uma desarticulação na gestão do emprego público e uma assimetria matricial na colocação de professores, acentuando ainda mais a diferenciação social e qualitativa entre estabelecimentos públicos de ensino, privilegiando uns e prejudicando outros, beneficiando sempre o ensino privado.
Por todas essas razões, o regime de concurso, de colocação, contratação e recrutamento de professores ganha uma importância determinante no debate sobre a Escola Pública que vai muito além das questões laborais e sindicais de professores e que condiciona todo a arquitetura da Escola Pública.
O Decreto-Lei nº 132/2012 que “estabelece o novo regime de recrutamento e mobilidade docente dos ensinos básicos e secundário e de formadores e técnicos especializados” não representa o fim imediato dos processos concursais de âmbito nacional, mas afirma-se claramente como mais um passo nesse processo que materializa a aspiração do Ministro da Educação e Ciência, expressa na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, que consiste em criar o regime que “permita que as escolas escolham os melhores professores”. Esta aspiração vai ao encontro da estratégia de desmembramento do Sistema Público de Ensino e da insularização das escolas, assumindo a Rede e o Sistema como um mercado liberalizado, em que as escolas disputam não só o financiamento e os professores, mas também os estudantes. Este Decreto-Lei adapta o regime de colocação e recrutamento de professores à estratégia de despedimento coletivo traçada pelo Governo para satisfazer os compromissos assumidos por PS, PSD e CDS perante a troika estrangeira, agradando assim também aos grandes interesses económicos nacionais e transnacionais. A pretexto das limitações orçamentais, a Escola Pública perdeu nos últimos dois anos, 23 mil professores colocados e tudo indica que de 2012 para 2013 venha a perder outros tantos, ou mais, num total que ascende a mais de 25 000 horários a menos, por força das medidas previstas no Pacto de Agressão das troikas. O Decreto-Lei vem, por isso mesmo, adaptar o regime concursal e os procedimentos de recrutamento e colocação às medidas do Governo sobre os currículos, sobre a constituição de mega grupamentos e sobre a organização do ano letivo. A soma destas medidas interfere muito diretamente no emprego e no regime de colocação e mobilidade de professores. Não só o Governo não resolve os problemas que já se faziam sentir no anterior regime de concursos (Decreto-Lei nº 20/2006), como agrava mecanismos de degradação da condição docente, aplica ainda mais ferozmente a seriação em função da avaliação de desempenho, mantém o carácter quadrienal da injustiça, coloca professores que nunca foram alvo de concurso público em 1ª prioridade para concursos externos, torna ainda mais difusa a caracterização de “necessidades transitórias” e cria as bases para a banalização ainda mais ampla dos regimes de contratação por oferta de escola, com um aumento substantivo da discricionariedade e da arbitrariedade dos diretores na contração e seleção de professores.
Neste contexto, é justo dizer-se que nem o melhor regime legal de concursos garante o emprego e a justiça na colocação se não for acompanhado da abertura de vagas de ingresso. E certamente será esse o caso, como tem vindo a mostrar-se já pela não abertura sequer dos concursos internos de mobilidade em 2011 e 2012, e pela não realização do concurso extraordinário de ingresso, conforme o prometido pelos Governos.
Os 32 mil professores contratados serão profundamente afetados pelas medidas de corrosão da Escola Pública e pela destruição de emprego docente que este Governo aplica, particularmente pelo alastramento do desemprego que se vai fazer sentir. Porém, também os professores de carreira serão empurrados para horários-zero e posteriormente para o regime de “mobilidade especial” por força da supressão de horários e do estreitamento do papel da Escola Pública.
O regime previsto no Decreto-Lei nº 132/2012 é um regime injusto, iníquo e criado para ampliar o desemprego e a precariedade, transformando oficialmente a exceção em norma, na medida em que não serão abertas vagas a concurso externo para contratação por tempo indeterminado correspondentes às reais necessidades, ou não serão mesmo de todo colocadas a concurso, na medida em que qualquer relação contratual dessa natureza carece de autorização do Ministério das Finanças, como manda a troika e diz o Decreto-Lei em causa.
Este é pois mais um instrumento da política de ataque à dignidade do corpo docente, de desgaste da Escola Pública e de degradação da sua qualidade, afetando particularmente o seu papel como elemento fundamental para a consolidação da República e materialização da Democracia.
Nestes termos, ao abrigo do artigo 169.º da Constituição e do artigo 189º e seguintes do Regimento da Assembleia da República, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP requerem a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei nº 132/2012, publicado no Diário da República nº 123, I Série, de 27 de Junho de 2012.
Assembleia da República, em 27 de Junho de 2012