(Publicado no Diário da República, 1ª série, n.º98, de 21 de maio de 2015)
O Governo introduziu profundas alterações ao nível do internato médico com a publicação do Decreto-Lei n.º86/2015, de 21 de maio. As principais mudanças prendem-se com o acesso e a organização do internato médico.
O novo regime do internato médico prevê a realização de uma prova nacional de avaliação e seriação com a possibilidade de poder vir a ser considerada uma classificação mínima no acesso à formação médica especializada, em vez da prova de seriação; a colocação dos médicos internos passa a depender da classificação ponderada (20% da classificação média ponderada da escola médica e 80% da classificação da prova nacional de avaliação e seriação). O novo regime revoga as vagas preferenciais e possibilita o exercício autónomo da medicina ao fim do primeiro ano de internato médico concluído com aproveitamento assim como aponta para o fim do ano comum do internato médico.
Em vez de reforçar a qualidade da formação médica especializada, amplamente reconhecida a nível mundial, o Governo introduz normas que visam exatamente o oposto. O presente diploma terá implicações profundamente negativas na formação médica especializada, desqualificando-a, o que terá repercussões na degradação dos cuidados de saúde pelo Serviço Nacional de Saúde.
Num momento em que são enormes as carências de médicos no Serviço Nacional de Saúde, o Governo procura limitar o acesso dos licenciados de medicina ao internato médico, quebrando a continuidade do processo integrado de formação médica que se inicia nas escolas médicas (formação inicial) e que prossegue através do internato médico (formação médica especializada), criando assim um contingente de médicos indiferenciados (mão-de-obra barata, com menos direitos).
Mas o Decreto-Lei n.º 86/2015, de 21 de maio visa outros objetivos, como o incentivo à precariedade, à utilização dos médicos internos para suprir as carências de profissionais de saúde no Serviço Nacional de Saúde, em especial nos serviços de urgência à custa da qualidade da sua formação especializada. Ou a utilização abusiva dos médicos internos pelas entidades privadas como hoje já ocorre.
Mantém a possibilidade da formação médica especializada poder realizar-se em entidades públicas e privadas, incluindo as de cariz social, o que é muito prejudicial para o Serviço Nacional de Saúde, porque conduz a um desvio de futuros médicos do SNS para as entidades privadas, para além de que não há qualquer justificação para a formação médica especializada ocorra em instituições onde as carreiras médicas não se aplicam.
As alterações ao regime jurídico do internato médico introduzidas por este Governo traduzir-se-ão num enorme retrocesso na formação médica especializada no nosso país, com a perda de qualidade, o que terá seguramente repercussões nos cuidados de saúde prestados aos utentes.
Portanto, este diploma constitui mais um elemento da estratégia deste Governo de desmantelamento do Serviço Nacional de Saúde através da desqualificação da formação médica especializada, do ataque às carreiras médicas e da restrição do acesso ao internato médico, ao mesmo tempo que incentiva à exploração dos médicos internos.
Neste contexto, importa ainda referir a redução de idoneidade formativa nos serviços do Serviço Nacional de Saúde decorrente da saída antecipada dos médicos graduados altamente diferenciados e experientes e do encerramento, concentração e redução de serviços e valências nos estabelecimentos públicos de saúde.
Garantir a qualidade da formação médica especializada no nosso país é fundamental para a melhoria da qualidade dos cuidados de saúde e da melhoria contínua ao nível do conhecimento e inovação no Serviço Nacional de Saúde.
Garantir a continuidade do processo integrado da formação inicial nas escolas médicas com a formação médica integrada é fundamental para a valorização das carreiras médicas.
Assim, entendemos que o ano comum do internato médico deve manter-se, assim como o exercício autónomo da medicina deve ser exercido após a conclusão com aproveitamento do segundo ano do internato médico, deve ser repristinada a prova de seriação, deve ser garantido a todos os licenciados em medicina uma vaga de formação médica especializada e o internato médico deve realizar-se somente em estabelecimentos de saúde do Serviço Nacional de Saúde.
Entendemos ainda que é preciso tomar medidas de valorização profissional e social dos médicos graduados, para evitar a sua saída precoce e o reforço da capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde, de forma a potenciar a sua capacidade formativa e a qualidade dos cuidados de saúde que presta, assim como o próprio futuro do serviço Nacional de Saúde.
Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP, ao abrigo da alínea c) do artigo 162.º e do artigo 169.º da Constituição e ainda dos artigos 189.º e seguintes do Regimento da Assembleia da República, requerem a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 86/2015, de 21 de maio, que define o regime jurídico da formação médica especializada, publicado no Diário da República, 1ª série, n.º98, de 21 de maio de 2015.
Assembleia da República, em 19 junho de 2015