Publicado em Diário da República n.º 87/2015, Série I
O processo de privatização da EMEF é parte integrante do processo de liquidação do sector ferroviário nacional e integra-se igualmente no processo de privatizações que o Governo está a lançar na fase terminal do seu mandato.
O Governo refere este processo no Decreto-Lei como um processo de «reprivatização». Ora a Empresa foi criada em 1993, funcionando sempre como uma empresa pública. Temos assim o Governo a afirmar que vai “voltar a privatizar” o que nunca foi privado – evidenciando um discurso e uma prática que não resistem ao confronto com a realidade.
Este Decreto-Lei afronta a própria Constituição, e faz parte de um processo que afronta a Constituição em termos mais amplos. Recorde-se que a Constituição aponta como tarefas fundamentais no plano económico, para a «Coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção» e para a «Propriedade pública dos recursos naturais e de meios de produção, de acordo com o interesse coletivo». Ora, mais uma vez se confirma que o Governo se encontra envolvido num processo de destruição efetiva do sector público.
Que o processo de privatização da EMEF seja conduzido pelo Ministério das Finanças e não pelo Ministério dos Transportes diz muito dos objetivos deste processo, e de quão afastado ele está de qualquer objetivo operacional ou remotamente relacionado com a melhoria do sector ferroviário nacional. Aliás, o Decreto-Lei é revelador do pensamento dos seus autores face ao funcionamento da ferrovia, ao considerar que a EMEF deve ser privatizada pois é um «ativos não essencial» e uma mera «participada» da CP. Como se fosse possível o funcionamento da CP sem a EMEF, a não ser num quadro de total dependência e vulnerabilidade perante os fabricantes de equipamento ferroviário que dominam o sector a nível global.
O Decreto-Lei revela uma visão que ignora o mundo real, onde os comboios circulam, transportam passageiros e mercadorias, circulam em infraestruturas sob um apertado controlo de circulação, sofrem regulares operações de manutenção e reparação e exigem a intervenção de múltiplos trabalhadores com diferentes profissões e conhecimentos. Para o Governo, as empresas reduzem-se à sua capacidade de gerar dividendos para os capitalistas detentores do seu capital.
Este processo de privatização não pode ser separado de um processo mais profundo e mais antigo: o da concentração monopolista à escala europeia, e dos objetivos estratégicos e imperialistas desse processo: controlo dos mercados nacionais pelas multinacionais; destruição da capacidade produtiva dos Estados neocolonizados; precarização e desvalorização do preço da força de trabalho; degradação da soberania nacional e crescimento da dependência externa. Que as classes dominantes nacionais estejam rendidas (assimiladas) a este processo de colonização efetivo não é sequer novo na história do nosso povo.
A privatização – que tem vindo a ser preparada com os fabricantes de material circulante – colocaria o país ainda mais dependente dessas multinacionais, quando aquilo que se impõe é uma rutura com o caminho de declínio nacional e a afirmação de outro caminho, que aposte na produção nacional. É nesse quadro que a manutenção, reparação e produção de material circulante é uma atividade estratégica para o país, para mais quando a ferrovia tende a assumir uma importância crescente nos sistemas de transporte de passageiros e mercadorias e quando o país está confrontado com a necessidade de investimentos no médio prazo de largas centenas de milhões de euros no seu material circulante.
A privatização contribuiria ainda mais para a pulverização do sistema ferroviário, processo gerador de crescentes custos para o Estado e de importantes perdas na segurança e fiabilidade da operação.
A privatização da EMEF colocaria a CP na completa dependência de um grupo económico privado, ou seja, totalmente vulnerável perante uma situação de total insustentabilidade que inevitavelmente se abateria sobre os utentes do transporte público e sobre a economia.
É verdade que não basta travar esta privatização. É preciso igualmente reverter um conjunto de medidas que fragilizaram a EMEF (desde a venda da Unidade de Investigação e Desenvolvimento até à redução dos quadros de pessoal abaixo dos mínimos necessários à operação, passando pela errada opção de externalização de serviços) e adotar uma política de desenvolvimento de um sistema ferroviário uno, público e integrado. Mas para isso, é fundamental agora travar esta privatização.
A Assembleia da República tem o dever de cumprir a sua responsabilidade nesta matéria, impedindo que este escandaloso negócio se concretize e procedendo à Apreciação deste Decreto-Lei com vista ao objetivo explícito e urgente da sua revogação.
Assim, o PCP promove a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei em apreço, de forma simultânea com idêntica iniciativa em relação ao diploma da privatização da CP Carga, publicado na mesma data. Ao fazê-lo, recorda e sublinha a importância da proposta recentemente apresentada com o Projeto de Resolução 1254/XII (PCP): Em defesa do caminho-de-ferro nacional – pela reunificação e gestão integrada da ferrovia, contra a sua liquidação e desmembramento.
A ferrovia tem futuro em Portugal. Defender esse futuro exige lutar por uma estratégia integrada e de integração, onde as várias vertentes (infraestruturas/manutenção, reparação e construção, circulação, exploração de passageiros e mercadorias, material circulante/manutenção, reparação e construção e segurança ferroviária, transporte de passageiros e mercadorias) sejam devidamente asseguradas numa CP pública, modernizada, ao serviço do país e da economia nacional.
Nestes termos, e ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 169.º da Constituição da República Portuguesa e ainda dos artigos 189.º e seguintes do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, vêm requerer a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 70/2015, de 6 de maio, que «Aprova o processo de reprivatização [sic] da EMEF - Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário, S.A.», publicado no Diário da República n.º 87, 1.ª Série.
Assembleia da República, em 12 de maio de 2015