...e disciplina os termos da aceitação da dação em cumprimento desse imóvel ao Estado, bem como da autorização de cedência de utilização do mesmo ao Município de Santa Maria da Feira»
Publicado em Diário da República n.º 69/2015, Série I
O Decreto-Lei n.º 46/2015 de 9 de Abril culmina e pretende concluir um escandaloso processo de utilização de dinheiros públicos pela AEP, Associação Industrial Portuguesa (ex-Associação Industrial Portuense).
O decreto-lei em apreço tem como objeto formal (Artigo 1.º) reconhecer o (i) “interesse público do conjunto patrimonial designado por Complexo Europarque”, e ainda estabelecer os termos da (ii) “integração do Complexo Europarque no domínio privado do Estado” e disciplinar a (iii) “cedência de utilização do mesmo ao Município de Santa Maria da Feira”.
Na verdade, o Governo pretende assim dar cobertura legal à despesa pública de 34,9 milhões de euros, correspondentes a três empréstimos contraídos pela Associação Europarque/AEP junto de um sindicato bancário entre 1993 e 1996, garantidos por avales do Estado Português nesse período e renovados em 2011.
O incumprimento pela contraente do empréstimo do serviço da dívida levou à execução das garantias públicas correspondentes aos dois primeiros empréstimos, cujo termo estava previsto para 31-12-2012 e 29-12-2014. A dita integração do Complexo Europarque no domínio privado do Estado mais não visa que legalizar a aceitação em dação do património do Complexo, com avaliação de 21,4 milhões de euros, homologada pelo Ministério das Finanças, para regularização da parte da dívida (certamente correspondente aos dois primeiros empréstimos) da titular do imóvel, segundo o Artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 46/2015 de 9 de Abril.
Resta saber, já que o diploma não o esclarece, como pode vir a ser ressarcido o Estado, caso a titular da dívida, a AEP, não cumpra com o pagamento do serviço da dívida do 3.º empréstimo, cujo termo está previsto para 29-04-2016.
O decreto-lei tem um longo e gongórico arrazoado preambular, louvando o importante significado da decisão do Conselho de Ministros de 19 de Fevereiro último, pretendendo justificar o seu objeto e dar suporte a uma despesa pública que pode atingir cerca de 35 milhões de euros!
Mas é extraordinário que o extenso preâmbulo nem uma só vez consiga explicitar o nome efetivo da entidade promotora do Projeto do Complexo Europarque: a AEP, uma das principais associações patronais do grande capital português, sedeada no Porto!
Como extraordinário, é o reconhecimento à posteriori do “interesse público” (artigo 1.º) do Projeto, depois de sucessivos governos do PSD, PS e CDS terem assegurado garantias do Estado (35 milhões de euros) desde 1993, e atribuído verbas em três Quadros Comunitários de Apoio desde 1995, no valor global de 35,6 milhões de euros de comparticipações FEDER.
Aliás, é necessário perceber como o investimento elegível da construção do Complexo Europarque de 55,2 milhões de euros, que obteve aquelas comparticipações FEDER, vale hoje apenas 21,4 milhões de euros.
Assim se percebe melhor a grande quantidade de adjetivos do preâmbulo: uma tentativa de esconder o desperdício de milhões de euros de dinheiro dos contribuintes.
O escândalo político do Decreto-Lei n.º 46/2015 de 9 de Abril – uma “nacionalização” de um projeto privado, em grande parte construído com dinheiros públicos, para ocorrer à falência de uma empresa privada (Europarque – Centro Económico e Cultural) da AEP – é tanto maior quando estamos perante um Governo, associação e dirigentes empresariais que, ao longo dos últimos anos e muito em particular nestes anos de chumbo do Pacto de Agressão e ingerência da Troica, de forma sistemática responsabilizaram e invetivaram o investimento público em bens públicos, tangíveis e intangíveis, por todos os males do país.
Não pode deixar de se registar que a AEP, e os seus principais dirigentes que avançaram com o Projecto Europarque, distribuíram nos anos 1995, 1997 e 1999, três volumes de conselhos aos partidos políticos sob o título “Aposta nos empreendedores – a chave do desenvolvimento” onde defendiam todas as teses neoliberais que conduziram o País ao desastre que hoje conhecemos, e onde defendiam todas as teses neoliberais que conduziram o País ao desastre que hoje conhecemos, e onde defendiam a “bondade” da gestão privada por contraposição à “deficiente” gestão pública das unidades económicas, para a qual exigiam o apoio do Estado.
O Complexo Europarque, inaugurado com toda a pompa e circunstância pelo 1º Ministro Cavaco Silva em 1995, é um paradigma notável dessa iniciativa e gestão privada – feita com dinheiros públicos e salva pelo dinheiro público.
É um bom exemplo de uma iniciativa privada com dinheiro dos contribuintes que construiu um “elefante branco” sem qualquer viabilidade e sustentabilidade económica e salva por esse mesmo dinheiro dos contribuintes, através de um Governo PSD/CDS que diz que não interfere nos negócios e empresas privadas! Falta saber como vai o Município de Santa Maria da Feira, a quem o Estado cede por 50 anos a utilização do Complexo, assegurar “os investimentos necessários” e suportar “todas as despesas e encargos de conservação e de manutenção” (conforme disposto no Artigo 5.º).
A Assembleia da República tem o dever de cumprir a sua responsabilidade nesta matéria, impedindo que este escandaloso negócio se concretize e procedendo à Apreciação do Decreto-Lei n.º 46/2015 de 9 de Abril, com vista ao objetivo explícito e urgente da sua revogação.
Nestes termos, e ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 169.º da Constituição da República Portuguesa e ainda dos artigos 189.º e seguintes do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, vêm requerer a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 46/2015, de 9 de abril, que «Reconhece o interesse público do Complexo Europarque e disciplina os termos da aceitação da dação em cumprimento desse imóvel ao Estado, bem como da autorização de cedência de utilização do mesmo ao Município de Santa Maria da Feira», publicado no Diário da República n.º 69, 1.ª Série.
Assembleia da República, em 10 de abril de 2015