Regime jurídico do divórcio a pedido de um dos cônjuges
Sr. Presidente,
Srs. Deputados,
Dizia há pouco a Sr.ª Deputada Helena Pinto que esta questão deveria, ao menos, ser considerada. Pensamos que, de facto, é assim e que a questão suscitada pelo Bloco de Esquerda é pertinente, na medida em que são conhecidos casos de pessoas que, contra a sua vontade, ficam longos anos casadas, dada a discordância do outro cônjuge em conceder o divórcio. Ora, estas situações, por vezes, destroem vidas, pelo que a procura de uma solução jurídica que permita contorná-las e pôr-lhes termo é algo que pensamos que deve ser considerado, tendo mesmo em atenção experiências comparadas e as soluções que se encontraram noutros países.
Também não estamos de acordo com a ideia divulgada de que estamos a discutir um projecto de lei de «divórcio na hora». De facto, haverá críticas a fazer a este projecto - e daqui a pouco farei algumas -, mas creio que essa não é uma delas. Na verdade, o divórcio por mútuo consentimento é mais «na hora» do que este.
Aliás, nesta iniciativa (projecto de lei n.º 232/X) prevê-se a realização de duas conferências para que o divórcio seja obtido, o que não acontece, como se sabe, no divórcio por mútuo consentimento. Parece-nos, portanto, que essa crítica não é justa.
Do nosso ponto de vista, há, contudo, algumas fragilidades neste projecto de lei que deveriam ser ponderadas e que, se houver discussão na especialidade, merecem atenção para não criar situações indesejáveis.
Há uma questão que, sendo secundária, não deixarei de mencionar. Refiro-me ao papel de certo modo exorbitante que é conferido ao conservador do registo civil ao prever que este terá por função procurar obter a conciliação entre os cônjuges. Parece-nos que o conservador do registo civil não serve para isso e que, se as pessoas se pretendem divorciar, o conservador do registo civil tem de «tomar conta da ocorrência » e não de procurar conciliar os cônjuges na primeira ou na segunda conferências. É admissível que esse papel seja atribuído ao juiz no divórcio por mútuo consentimento, mas pensamos que o conservador não deve ter de o fazer.
Mas o problema maior que vemos neste projecto de lei está relacionado com o facto de nada se prever relativamente à casa de morada de família, o que se conjuga com outro aspecto, que é o da eventual desprotecção da parte economicamente mais fraca.
Está previsto no projecto que haverá pensão de alimentos, designadamente no caso de um dos cônjuges estar numa situação de dependência em relação ao outro por não ter emprego, situação em que normalmente se encontram as domésticas. Mas há mais casos para além deste que se prevê. Pode haver, por exemplo, uma situação de desemprego involuntário de um dos cônjuges, que estará numa situação de carência caso o divórcio siga em frente. Ora, causa-nos alguma perplexidade que alguém que esteja numa situação difícil em termos económicos, precisando do apoio económico do outro cônjuge para sobreviver, veja ser-lhe imposto, unilateralmente, um divórcio que agrave essa situação.
Mais difícil será ainda a situação se a casa em que ambos vivem for, por direito próprio, de um dos cônjuges (porque a herdou, por exemplo). Ora, de acordo com as regras aplicáveis deste projecto, segundo as quais ninguém pode ficar com situação diversa da que resultaria de um casamento realizado no regime da comunhão de adquiridos, pode acontecer que um dos cônjuges seja, pura e simplesmente, expulso de casa... Pensamos, portanto, que esta situação deve ser acautelada.
Há alguns aspectos, por outro lado, que nos parecem merecer intervenção judicial. Está prevista, por exemplo, a regra relativa ao regime de bens após o divórcio por decisão de um dos cônjuges. Todavia, uma coisa é estabelecer a regra e outra é ver como é que ela se aplica em concreto. Tem de haver, portanto, alguém que certifique como é que as coisas vão ficar depois do divórcio consumado. Neste aspecto é dificilmente contornável a intervenção de um juiz, porque não nos parece suficiente a intervenção do conservador do registo civil.
Referirei mais dois aspectos, um dos quais relacionado com a cessação dos deveres conjugais. Na verdade, pensamos ser prematuro dizer que cessam os deveres conjugais quando é apresentado o requerimento na primeira conferência e dizemo-lo porque nem no divórcio é assim! No divórcio litigioso só cessam os deveres conjugais quando este é decretado, a exemplo do que acontece com o divórcio por mútuo consentimento.
Parece-nos, portanto, prematuro fazer cessar os deveres conjugais antes de existir o divórcio, porque tal pode levar, por exemplo, ao abandono dos deveres de cooperação ou de assistência mútua, o que pode ser gravoso para o outro cônjuge.
Finalmente, há um outro aspecto que deveria ser acautelado, porque me parece que não o é suficientemente, que tem a ver com o problema das doações para casamento e das doações entre cônjuges, porque, nos termos do Código Civil, estas são irrevogáveis. Se tal não for acautelado numa legislação que preveja o divórcio por decisão unilateral de um dos cônjuges, essa será uma forma de, por aplicação da regra da comunhão de adquiridos, contornar essa irrevogabilidade e de um dos cônjuges conseguir, por esse via, que seja revogada uma doação entre cônjuges ou uma doação para casamento.
Portanto, repito, a nossa posição é a de que esta é uma questão que vale a pena ser ponderada. Não nos choca que, no plano dos princípios, possa haver uma terceira possibilidade de divórcio que não seja apenas a do mútuo consentimento ou a do litigioso, mas há aspectos que teriam de ser muito bem ponderados, e aqueles que acabei de referir são os que, numa leitura atenta do projecto de lei, nos parece que careceriam de melhor ponderação.