Intervenção de João Ramos na Assembleia de República

Discussão sobre desperdício alimentar

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,

Discutir desperdício alimentar é discutir o acesso a alimentos por parte dos seres humanos e, por isso, valorizamos esta iniciativa do Partido Ecologista «Os Verdes».

Através de iniciativas anteriores do Partido Ecologista «Os Verdes» foi possível encontrar, nesta Assembleia, a unanimidade que determinou que houvesse já, da parte do Governo, intervenções e medidas, com a definição de instrumentos que importa ainda aprofundar e desenvolver.

É natural que fiquemos indignados quando no mundo se produzem alimentos suficientes para alimentar toda a Humanidade mas em que uma parte dessa mesma Humanidade não tem acesso a eles.

Este é um problema transversal às sociedades, é um problema dos países e das suas economias que está relacionado com um outro problema, o da riqueza e a forma como esta é distribuída. Também a forma como os alimentos são distribuídos, de modo desigual, ajudou a criar os problemas que hoje são abordados, neste debate.

Discutir o desperdício e o aproveitamento dos alimentos é uma matéria importante pelas razões que acabei de apontar. As políticas liberais e o capitalismo têm apostado na concentração da riqueza e, ao concentrar e distribuir riqueza de forma desigual, está a contribuir para que estes e outros problemas se acentuem.

Há desperdício alimentar em alimentos confecionados e há, também, desperdício alimentar na fase de produção de alimentos, como, aliás, já foi aqui abordado. Por isso, não podemos deixar de referir que o modelo produtivo tem de ser também abordado.

A produção de alimentos é feita em função do seu interesse económico e não em função das necessidades alimentares e nutricionais para a Humanidade.

Outra matéria que é importante abordar em termos de desperdício de alimentação relaciona-se com as questões da soberania alimentar. Para que os alimentos possam chegar a todos é preciso produzi-los. Nessa matéria, o nosso País tem défices acentuados em alguns setores.

O País tem défices muito acentuados em produtos tão importantes como o feijão, o grão-de-bico, os cereais e algumas carnes. Soberania alimentar não é uma matéria de menor importância e deve ser também encarada neste enquadramento.

Há, depois, e para terminar, questões da sustentabilidade. Para ter sustentabilidade na produção de alimentos é fundamental que se aposte numa produção de proximidade que seja, paralelamente, uma produção de qualidade e que também dê um contributo enorme e fundamental para o desenvolvimento do mundo rural, nomeadamente para a fixação de populações.

Com tudo isto, quero dizer que se enquadra nesta matéria, perfeitamente, a necessidade de valorizar a agricultura familiar, porque é aquela que faz produção de proximidade, de qualidade e que dá um contributo fundamental para fixar as populações.

Acima de tudo — e mesmo a terminar —, é importante lembrar que, nestas matérias, uma parte deste desperdício tem uma relação muito estreita com as regras da União Europeia e da integração europeia. Desde logo, pela questão dos mercados e do peso que tem hoje a distribuição no acesso aos alimentos por parte das populações.

A grande distribuição domina 70% do mercado de acesso à alimentação e tem uma relação estreita com esta matéria.
Por outro lado, ligada também com as regras da União Europeia, coloca-se a questão da normalização, que já foi aqui abordada.

Hoje, os alimentos valem mais pelo seu brilho e pelo seu tamanho do que pelo seu valor alimentar, o seu valor nutricional. E isso não é por acaso, prende-se com as regras do mercado, com as regras da União Europeia, sendo, pois, também preciso combater e equacionar essas regras.

Termino, dizendo que combater a fome e o desperdício alimentar passa também por enfrentar as políticas e as opções políticas que os promovem.

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